Polícia Independente: Sociedade segura

5 de novembro de 2004

Delegado Chefe da Polícia Civil do Distrito Federal e Presidente do Sindicato da Polícia Civil de Brasília

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A sistemática jurídica adotada pela Carta Magna de 1988 trouxe em seu bojo um novo trato à questão da atividade policial, preservando, ressalvada a competência da União, o exercício das funções de polícia judiciária e apuração das infrações penais, exceto as militares, com as policias civis (art. 144, 4º).

Funções de Polícia Judiciária e apuração das infrações penais, eis os fins a que servem, com fulcro na ordem constitucional, as policias civis.

Passados quinze anos da promulgação da CF/88 cumpre fazer reflexões sobre se as atribuições das policias civis estão sendo cumpridas.

Tome-se como ponto de partida, para uma resposta inicial, o aumento da criminalidade (as estatísticas revelam um quadro temeroso) e a dificuldade na apuração de infrações, como sendo considerações autorizadas no sentido de que é impositiva uma resposta negativa.

Tendo em conta o adágio de quem cobra is fins não pode negar os meios, é relevante, para continuidade das reflexões supracitadas, questionar: será que os meios necessários para o cumprimento das finalidades das polícias civis estão sendo fornecidos? Quais as dificuldades encontradas para o exercício o contento das atividades de polícia judiciária e apuração das infrações penais?

Considerações de ordem interna e externa, ao âmbito da polícia judiciária devem ser feitas com fito de se responder as indagações acima.

A indefinição, no plano operacional, dos limites das atribuições de quem deve investigar e apurar as infrações é óbice que deve ser superado. É sabido que os atos investigatórios são atualmente praticados por instituições que, com a devida vênia ressalvada a boa-fé no sentido de contribuir para infrações, no plano do direito positivo constitucional, não têm competência para tanto, Vide ORDs (ordem de requisição de diligências), PIPs (procedimentos de investigação preliminar) e outros atos investigatórios. O Poder Judiciário, detentor da capacidade decisória plena, por meio do seu órgão de cúpula, haverá de, em manifestação iminente, apreciar a questão da atribuição da função investigativa, que, com a devida vênia, deve ser no sentido de ser conferida exclusivamente às Polícias Civis. Cumpre deixar registrado que num sistema acusatório e em que impera o princípio da igualdade processual não se pode conferir poderes inquisitórios, típicos do inquérito policial e necessários como instrumento de autodefesa do Estado, a uma parte sem que se confira a outra. Não pode uma parte, com o argumento de que atua como custos legis, ter poderes investigatórios e com caráter inquisitório sem que referidos poderes não sejam conferidos à outra parte (advogado).

Superada a questão da delimitação das atribuições, por meios de manifestação do Poder Judiciário, a reflexão deve ser dirigida no sentido da seguinte indagação: cabendo o exercício da atividade investigativa às Polícias Civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, será que os meios para o exercício eficiente das funções de investigar estão sendo fornecidos?

Com a Constituição Federal de 1988 e legislação que se segue houve alteração no trato de alguns institutos jurídicos, v.g., busca e apreensão, interceptação telefônica, infiltração, destruição de substâncias entorpecentes, verificando-se que, em relação à apuração de determinadas infrações, o novo tratamento importou em dificuldades na repressão ao crime. Assim, que o trâmite democrático imposto pelo novo trato jurídico relacionado, v.g., à busca e apreensão, à interceptação telefônica, à infiltração telefônica, à infiltração comprometem a característica de imediatidade da ação policial produtora de resultados valorosos no campo da apuração de inúmeras infrações penais, exempli gratia, tráfico de drogas, que com ação mais imediata pode permitir a localização de drogas, muitas vezes deslocadas de locais com o fito de tornar infrutíferos mandados de busca tardiamente obtidos. Raciocínio similar aplica-se à questão de armas que, após à prática de crimes, circulam com celeridade nas mãos de meliantes, dificultando investigações policias.  Em relação à interceptação telefônica, facilidade na troca de números tem constituído óbice na apuração de crimes, posto que, quando da obtenção de autorização judicial, por vezes, já houve alteração do prefixo em relação ao qual foi deferida a autorização judicial. Não se trata de pretender fugir ao controle judicial em relação aos institutos acima, mas inverter o momento de apreciação da legalidade do ato, nos moldes de institutos como o habeas corpus, mandato de segurança e até a prisão em flagrante que se deve ser comunicada ao juiz imediatamente. Não se trata de pretender galgar autonomia alimentadora de vaidades, mas pleitear meios que torne a ação investigatória mais célere e por via de conseqüência mais eficiente, produzindo no seio da sociedade um espírito de tranqüilidade cuja ausência tem incomodado o grupo social.

O novo regramento dos institutos acima referidos, sem dúvida pois termo, à corrupção, às arbitrariedades, às torturas, aos abusos da polícia que, como fundamento político, conduziram às mudanças ocorridas. No entanto trouxeram como resultado um aumento na criminalidade, uma morosidade nas investigações, a ausência de receio em de assassinar autoridades (juízes, promotores, policiais, políticos, empresário), a sensação de insegurança, a figura do policial intimidado, enfim, uma sensação de insegurança generalizada que não mais se limita às regiões mais carentes. Referido quadro pode conduzir à seguinte indagação, usando o dito popular: “então estamos num mato sem cachorro?” A realidade não nos autoriza a imaginarmos uma sociedade sujeita às arbitrariedades de policias criminosos, mas mais fáceis de serem alcançados, ou uma sociedade em que impera as arbitrariedades de traficantes, homicidas, ladrões gananciosos, que sem limites e “debochando” das autoridades constituídas pretendem estender seus domínios ao “asfalto”, pois que no morro, com sacrifício de gerações “já está tudo dominado”.

Passou da hora de tornar a polícia independente, forte e livre de ingerências políticas que a cunharam merecedora de nova direção a outros entes. A questão não é de conferir a condução da polícia judiciária a outros agentes públicos, até porque não se tem a garantia de que o titular de outro cargo não estará sujeito ao cometimento de erros, arbitrariedades, abusos. É de se não mais permitir, orientação seguida pela Constituição pátria ao conferir a direção da Polícia Judiciária a Delegados de Polícia de carreira, que pessoas desqualificadas e sob o influxo de ingerências políticas e correntes ideológicas (“calças curtas”, não concursados) exerçam a direção de instituição, cuja secularidade, revela a importância para sociedade.

Cabe aos delegados de polícia, não fugir ao debate, posto que possuidores de uma tarefa árdua e que, apesar de render holofotes, é carregada de uma carga de cobrança e responsabilidade oriunda do dever de apurar e resolver um grande número de infrações, incluindo as que não rendem “luzes”, que levam a sociedade, atônita com o evoluir e atrevimento da criminalidade, a exprimir o desejo de ter uma polícia mais eficiente e que “faça alguma coisa”. É hora do Delegado de Polícia, em razão da função que lhe foi conferida constitucionalmente, revelar ao Judiciário, ao Legislador, à sociedade limitações que dificultam a ação policial e que impõe mudanças. Polícia sob controle, mas eficiente e útil, é o que deve buscar incessamente o Delegado de Polícia.