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Privacidade e defesa

30 de junho de 2007

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As sucessivas e bem-sucedidas iniciativas do Ministério Público e da Polícia Federal, no desbaratamento de esquemas elaborados para conduzir licitações através de aliciamento de autoridades e parlamentares, embora devam ser louvadas, não escondem violações que estão sendo perpetradas contra a Constituição Federal e contra o direito do cidadão, que, por pior que seja, faz jus a ter sua imagem preservada e seu direito de defesa amplamente assegurado até final condenação.

Em recente manifesto, 12 eminentes advogados criminalistas denunciaram não só a cinematografia das prisões preventivas realizadas, como, o que é pior, o impedimento ao acesso aos documentos de acusação, ao ponto de terem que obtê-los junto a jornalistas, que os receberam de imediato, mesmo nos processos que deveriam correr em segredo da justiça, como determinou o Ministro Cesar Peluzzo, na operação contra os bingos.

Tais autoridades, cuja eficiência na investigação não se discute – houve indiscutível aperfeiçoamento nos serviços de inteligência da Polícia Federal, o que é bom para uma sociedade desiludida com os governantes –, não perceberam, todavia, que correm o risco, todas elas, sem exceção, de serem processadas por danos morais causados à imagem das pessoas, conforme determina o art. 5º, inc. X, da Constituição Federal.

Mais do que isto, as ações de ressarcimento pelos danos morais causados são imprescritíveis (art. 37 § 5º da C.F.), vale dizer, estão todos eles sujeitos, até a morte, a sofrer ações dessa natureza, que podem ser propostas tanto diretamente por aqueles que se julguem atingidos em sua imagem, nestas buscas de efeitos cinematográficos, como pelo próprio Estado, para se ressarcir do que for obrigado a pagar às vítimas inocentes atingidas por essas medidas.

Na euforia dos bons resultados obtidos, o que é de se louvar, repito, esqueceram, todavia, que o direito constitucional é um conjunto de normas fundamentais que preserva todos os cidadãos, em um Estado democrático de direito, mesmo os criminosos, que têm seu direito à ampla defesa assegurado pelo art. 5º inc. LV da lei suprema.

Tendo já, repetidas vezes, elaborado pareceres para as Polícias Federal e Estadual, sublinhando a dignidade e a importância de sua atuação, sinto-me à vontade para alertar quanto a tais comportamentos excessivos, que terminam provocando uma reação negativa da sociedade, ainda que a investigação em si mesma seja profilática e necessária à purificação de costumes políticos.

O Ministro Tarso Genro, que é um professor de Direito – recebemos juntos o mérito Judiciário do Tribunal Superior do Trabalho – e que conhece a lei suprema, necessita refletir sobre as possíveis conseqüências de tais excessos, que maculam a seriedade das operações e permitem legítima reação dos atingidos.

O direito de defesa é o grande diferencial entre as ditaduras, onde não existe, e as democracias, que o garantem. Atingi-lo, através de desqualificação dos acusados pela mídia, por restrições ao acesso a documentos ou pela violação da imagem e da privacidade, é, de rigor, lançar sementes de um Estado arbitrário, em um país que luta por firmar sua democracia.

Que os bons resultados obtidos até o presente não sejam tisnados pelo arbítrio na execução das medidas para alcançá-los. Até para não deixar impunes os culpados, pelas nulidades que poderão vir a ser decretadas, em virtude dessas violações.

Dizia Canuto Mendes de Almeida, saudoso titular de Direito Processual Penal da USP, que o processo penal não é formatado para garantir a sociedade, mas, exclusivamente, o amplo direito de defesa do criminoso, que, como cidadão, só deve ser condenado se solidamente comprovado seu delito. Esta é a regra a que estamos submetidos todos, o povo e, principalmente, os governantes.