Processo imperial

11 de agosto de 2014

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A4 Luiz Fernando Ribeiro Ed168Com o final do julgamento da Ação Penal n. 470 (Mensalão), vê-se reavivada com tintas mais fortes uma polêmica que até então aparecera com contornos mais suaves, como se versasse sobre questão irrelevante, sem maior apelo político-institucional. Trata-se da forma de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), até então entregue à opção unilateral e praticamente absoluta do Presidente da República, participando o Senado com papel apenas coadjuvante por ocasião da sabatina, até agora de inescapável consagração do ungido pela escolha imperial do Presidente.

Diante de críticas da comunidade jurídica e do aparente absurdo da regra vigente, existem, em curso no Congresso Nacional, várias propostas de emenda constitucional que busca modificar tal situação, ora trabalhando com a inserção do próprio Congresso no protagonismo da escolha, ora estabelecendo a participação da comunidade jurídica ou de outros segmentos mais qualificados na matéria.

Não se ignora que, nos Estados Unidos da América (EUA), a escolha siga o figurino do presidencialismo imperial que lá – saliente-se –, dada a relevância da institucionalidade do Congresso, é menos autocrático que por estas nossas bandas, onde o autoritarismo costuma sobressair com maior destaque, por vezes chegando a assumir um brilho quase ofuscante da separação de poderes. Aqui, parafraseando o conhecido mote de Juracy Magalhães e levando em conta as peculiaridades de nosso sistema político, pode-se afirmar, já que o atual modelo de indicação do juiz do STF segue o americano, que nem tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil.

Por outro lado, países de sistema jurídico e político avançado, tais como, entre outros, a França, a Áustria, a Alemanha, a Espanha, Portugal, adotam modelo compartilhado de indicação, muitas vezes até com mandato variável de 9 a 12 anos, escapando civilizadamente das tentações tantas vezes rasteiras do absolutismo.

Nesse sentido da participação conjugada na escolha do membro da Suprema Corte, os modelos adotados assumem perfil diversificado, com variações que não permitem especificação no espaço de um simples artigo.

Mas talvez nem precisemos sair de nossos limites nacionais para encontrar uma solução, ainda que certamente apenas uma entre as possíveis alternativas. Basta lembrar a opção constitucional brasileira pelo leque de escolha compartilhada quanto à indicação dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Nesses dois tribunais superiores do País, a indicação parte das próprias Cortes de uniformização nacional, respectivamente, da jurisprudência federal e da do trabalho, na formação de suas respectivas composições.

Assim, a vontade do Presidente da República somente se expressa ao final do processo de escolha, para consagrar um dos nomes indicados pela comunidade jurídica e por outros órgãos de representação política. Democratiza-se a forma de escolha, protegendo-a, tanto quanto possível, de promiscuidade política e imunizando-a contra o vírus da contaminação do sistema pela suspeição do comprometimento institucional.

Agora mesmo, com a (anunciada) aposentadoria do Presidente do STF, Ministro Joaquim Barbosa, se é certo que a escassez do tempo não permitirá adotar nova forma de escolha – pena de postergar-se em insuportável demasia esta última – não é menos correto que se dando ela, mais uma vez, pelo processo de escolha imperial mais avulta a decrepitude repelente à democracia e à natureza republicana ao tratá-la pelo viés do monopólio da opção política.

A crescente relevância das Cortes Supremas nas democracias constitucionais e participativas contemporâneas – com sua crescente função de assegurar a efetividade dos direitos humanos fundamentais e do próprio processo democrático – evidencia, ao contrário, que a indicação de seus integrantes cada vez mais se integre com os postulados da democracia participativa, dando voz concreta à nação na escolha daqueles incumbidos de, como colegiado judicial, serem os guardiães finais da integridade da Carta da República. A supremacia do interesse público e a legitimidade democrática do STF merecem a abertura de um debate mais amplo.