Edição

Projeto Justiça e Arte

20 de fevereiro de 2018

Compartilhe:

Palácio da Justiça Rodrigues Campos, em Minas Gerais

Uma das mais célebres obras da dramaturgia, a peça “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare, é também uma referência clássica nos estudos jurídicos por sua relação com diferentes vertentes, do Direito à Propriedade a Teoria dos Contratos, flertando também com questões sociais, filosóficas e políticas. A arte, como dizem, imita a vida – e, hoje, talvez a recíproca seja verdadeira. Mas o fato é que assim como a obra do famoso bardo inglês, existem milhares de exemplos no teatro, cinema e até mesmo nas artes visuais a revelar as múltiplas relações que mantêm a Cultura e o Direito.

Trazer essas referências para os cursos de capacitação que oferece é a proposta da Escola Nacional de Magistrados (ENM), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), por meio do Projeto Justiça e Arte. A iniciativa inédita de incluir a arte e a cultura na grade de programação é de seu diretor-presidente, o juiz de Direito Marcelo Cavalcanti Piragibe Magalhães, que faz parte da diretoria da instituição desde 2011.

O curso da ENM, que terá início em março, vem justamente atender a uma lacuna neste sentido. Oferecido no formato de Ensino a Distância (EaD), o programa “Direito e Arte” poderá ser acessado por juízes de todo o País, e abordará três linhas diversas: 1) Direito e Cinema; 2) História e Cultura dos ­Museus e 3) Estudo da Imagem da Justiça.

No conteúdo de Direito e Cinema serão apresentados todos os meses filmes relacionados ao campo de atuação dos magistrados. As obras cinematográficas deverão ser vistas pelos associados para, mais, tarde, em atividade prática, participarem de um debate on­-line no site da ENM.

A atividade promete uma imersão nas mais diferentes searas do Direito, em vários períodos históricos. Embora não necessariamente façam parte da programação prevista pelo novo curso da ENM, para termos uma ideia da riqueza cinematográfica sobre Direito basta relembrarmos a diversidade de obras lançadas nos últimos anos – Hollywood é pródiga nos chamados “filmes de tribunais”. Além da citada obra de Shakespeare, existem títulos clássicos, como “12 homens e uma sentença” (1957); “Erin Brockovich” (1993); ‘Um sonho de liberdade” (1994); “O povo contra Larry Flynt” (1996); e “Minority Report” (2002). Entre as produções nacionais estão obras, como “Bicho de sete cabeças” (2001); “Cidade de Deus” (2002) e “Caran­diru” (2003), só para citar alguns.

Em História e Cultura dos Museus será apresentada, em parceria com os diretores dos Museus de Justiça espalhados pelo Brasil e pelo mundo, a história do Judiciário e da Justiça. Os participantes do curso poderão conhecer os diferentes acervos, os edifícios onde estão instalados e cada um dos objetos que integram a memória do Judiciário daquela região/Estado. No museu do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), por exemplo, é possível conhecer processos históricos, como o dos “Dezoito do Forte” e do líder comunista Luís Carlos Prestes, e os inventários do imperador D. Pedro II e do marechal ­Deodoro da Fonseca.

No Paraná, o Museu da Justiça mantido pelo TJPR guarda documentação, mobiliário, objetos de arte, obras de mestres da pintura paranaense, itens de decoração, tapeçaria, esculturas e coleções variadas. Fundado em 1988, o museu do Superior Tribunal de Justiça (STJ) oferece ao público duas mostras permanentes, como a do Tribunal Federal de Recursos, que remete à história da corte que foi a base para a constituição do STJ. No judiciário mineiro, um dos atrativos é a própria sede: o Palácio da Justiça Rodrigues Campos faz parte do conjunto de edifícios públicos projetados para a nova capital de Minas Gerais, inaugurado em 1897.

Por fim, no módulo de Estudo da Imagem da Justiça, do novo curso da ENM, os alunos irão adquirir ou ampliar seus conhecimentos sobre a história da mais importante “juíza” de todos os tempos, a divindade grega Themis, consagrada como a “deus da Justiça” há mais de 5.000 anos. É uma imagem que está nas mentes de todas as pessoas. “Themis é o arquétipo do inconsciente coletivo, incorporado a toda humanidade através da imagem desta deusa onipresente, transferida todos os dias para a figura do Juiz no seu mister”, explica o diretor. Porém, a famosa filha de Urano e Gaia, a ­divindade que segura a balança que representa o equilíbrio entre os dois lados, a força de suas deliberações, não é o único símbolo a ser estudado. O curso da ENM poderá aprofundar-se em outros signos e imagens, como a romana Minerva e a egípcia Maat, que também têm seus nomes relacionados à ideia de justiça. “Serão apresentadas as imagens de Themis que se encontram nos acervos dos principais museus do mundo, a fim de debater aspectos iconográficos, simbólicos e a contextualização histórica da mais importante personificação da figura do Juiz de todos os tempos”, pontua Piragibe.

Questionado sobre se, hoje, os operadores do ­Direito teriam se tornado mais pragmáticos, o diretor da ENM discorda. “Não creio que haja um engessamento hermenêutico no que diz respeito à interpretação do Direito por parte de seus operadores. Houve, na realidade, o contrário. Por avanço e conquista da humanidade e da comunidade do ­Direito, desde o início do século passado, todos os seus operadores têm tido uma margem de interpretação muita grande na aplicação da lei. Por isso, até o Judiciário está sendo taxado neste século, equivocadamente, muitas vezes, de ativista. Por acharem que está ultrapassando seus limites de atuação”, opina.

Por outro lado, o magistrado comenta sobre a necessidade de todos os operadores do Direito ampliarem seus conhecimentos para exercer suas funções de maneira mais eficiente. “O Direito é uma ciência cultural, como propõem vários jus filósofos. No Brasil, Miguel Reale, também assim pensava. Ele foi um dos únicos filósofos brasileiros que exportou para o resto do mundo uma doutrina jurídica reconhecida internacionalmente, a Teoria Tridimensional do Direito, inserindo outras disciplinas para boa interpretação do Direito. Hoje um dos maiores constitucionalistas da Alemanha, Peter Häberle, entre muitos outros juristas, demonstram a necessidade de um diálogo entre a Poesia e o Direito para uma boa interpretação dos conceitos jurídicos indeterminados. Neste sentido é muito importante este conhecimento e interlocução do direito com a arte de um modo geral”, declara Piragibe.

O curso começou a ser estruturado no ano passado, a partir das diretrizes traçadas por diferentes comissões responsáveis e coordenadores das mais diversas partes do Brasil. Elas são integradas pelos seguintes membros: Maurício Pizarro Drummond, Luciane ­Buriasco e Caetano Levy (Cinema e Direito); Claudia Pires, André Sena e Roberto Felinto (Cultura e ­Museus); e Marcelo Piragibe, André Sena e Rafael Mancebo (Imagens da Justiça na História). A direção e editoração de todos os conteúdos é responsabilidade de Walter Capanema.

A ENM continua oferecendo os programas tradicionais, e presenciais, em sua grade. “Teremos em 2018 todos os cursos que foram bem avaliados no ano passado em várias regiões do Brasil, nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Ceará, Paraíba e Maranhão. Eles abrangem as mais diversas matérias, como filosofia do Direito, ativismo judicial, família e sociedade entre outros, todos eles certificados pela ENFAM (STJ) e pela ENAMAT (TST)”, destaca o diretor. Também estão na oferta outros cursos EaD, que permitem atingir todos os associados da AMB, um contingente integrado por mais de 14 mil juízes que atuam em todos os tribunais do País. O conteúdo do projeto Justiça e Arte estará disponível no site da ENM em breve. Consulte www.enm.org.br para saber mais.