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“Quero ser o presidente do mais eficiente tribunal do País”

3 de setembro de 2018

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Novo presidente do STJ, o ministro João Otávio de Noronha ficará no cargo durante o biênio 2018-2020 e tem como principal proposta de gestão a eficiência para garantir os melhores resultados da Corte.

Eleito pelo plenário para assumir a presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 6 de junho, o Ministro João Otávio de Noronha ocupará o cargo nos próximos dois anos, sucedendo Laurita Vaz. Ele contará com a ministra Maria Thereza de Assis Moura na vice-presidência. Em pronunciamento feito logo após a eleição, o ministro declarou que buscará “incessantemente um resultado chamado eficiência” e que pretende promover um “choque comportamental e cultural”, mostrando-se propício a realizar investimentos em inteligência artificial para dar andamento aos estoques de recursos repetitivos da corte.

No STJ desde dezembro de 2002, onde ingressou pelo quinto constitucional, João Otávio de Noronha é natural de Três Corações (MG). Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (1981), possui especialização em Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Processual Civil pela mesma instituição. Exerceu a função de corregedor-geral da Justiça Federal (2011-2013), foi ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de 2013 a 2015, e diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) no mesmo período.

Sua carreira teve início em 1974, como funcionário do Banco do Brasil, tornando-se, depois, advogado da instituição, consultor jurídico geral (1994-2001) e diretor jurídico (2001-2002). Em 1987, foi aprovado em primeiro lugar no concurso público para o cargo de juiz de Direito de Minas Gerais, porém permaneceu na advocacia. Foi professor da cadeira de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito de Varginha. Ocupou o cargo de conselheiro da Seção de Minas Gerais da Ordem dos Advogados do Brasil (1993-1994) e, posteriormente, foi conselheiro federal da OAB (1998-2002).

Confira a seguir a íntegra da entrevista:

Revista Justiça & Cidadania – Quais serão as prioridades de sua gestão na presidência da Corte?

João Otávio de Noronha – As prioridades estão concentradas em cinco grandes pontos e terão como norte a adoção de medidas que melhorem a eficiência do órgão, a saber: investir em inteligência artificial com o propósito de acelerar os julgamentos dos recursos e processos em trâmite no STJ; otimizar a utilização dos recursos tecnológicos; fundar e instalar a Escola do Servidor do STJ com o propósito de investir na formação e no aperfeiçoamento de nossos servidores; implementar política de reconhecimento e valoração dos servidores mediante a adoção de práticas que despertem a dedicação à prestação de serviço de melhor qualidade ao cidadão; por fim, desenvolver meios de melhor integração com os usuários do serviço jurisdicional, entre os quais se destaca dispensar maior atenção à advocacia.

RJC – De seu ponto de vista, quais são os desafios que se impõem, hoje, na missão do STJ de uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil?

JON – Hoje, o desafio do STJ no que tange à missão constitucional de uniformizar a interpretação da legislação federal consiste, sobretudo, em dissipar as divergências: primeiro, internas e, segundo, nos tribunais. Há teses já fixadas pela Corte que não vêm sendo adotadas pelos tribunais estaduais e pelos tribunais regionais federais. Isso é ruim na medida em que os processos necessariamente acabam chegando ao STJ para que faça prevalecer sua jurisprudência. Por isso, é importante trabalhar para convencer os tribunais de que deve haver uma disciplina jurídica. A Constituição criou um órgão de cúpula com a missão de uniformizar a jurisprudência. Atingido esse objetivo, não tem cabimento os tribunais estaduais, os regionais federais e os juízes de primeiro grau desconsiderarem a orientação traçada pela Corte superior.

RJC – Em pronunciamento feito quando de sua eleição, o senhor declarou que a busca pela eficiência é o que sobressai como uma de suas prioridades enquanto presidente do STJ. Qual é o grau de eficiência da Corte hoje e o que falta para que se torne, como o senhor mesmo mencionou “o mais eficiente tribunal do País”?

JON – Registro que o STJ sempre foi um tribunal eficiente, mas os tempos passaram e hoje existem instrumentos que podem torná-lo bem mais eficiente. Cito, por exemplo, na área de TI, a adoção da inteligência artificial. Tomando uma série de providências e promovendo reformas estruturais internas, será possível movimentar servidores da atividade meio para a atividade fim e, com isso, diminuir o tempo de retenção de processos ou recursos. Em termos de eficiência, poderemos avançar, e isso significa que o jurisdicionado será o grande beneficiado, pois atingiremos o intento da duração razoável do processo.

RJC – O senhor também mencionou a necessidade de um “choque comportamental e cultural”. Qual seria o viés, a abrangência e o objetivo dessa medida?

JON – Iremos trabalhar para que ocorra uma mudança comportamental e, consequentemente, uma mudança cultural dos servidores da casa, os quais, diga-se de passagem, são muito competentes e comprometidos. A ideia é desburocratizar, simplificar, abolir trabalhos repetidos ou trabalhos desnecessários. O objetivo, portanto, é vincular a ação dos servidores a um resultado que traduza a eficiência do órgão.

RJC – O senhor é um defensor da capacitação prévia para magistrados lidarem com os aspectos administrativos da carreira. Quais de suas experiências administrativas melhor o capacitaram para o atual cargo?

JON – Sempre fui favorável à capacitação dos juízes para a liderança, sobretudo, para a administração da vara, do fórum ou, mais tarde, do próprio tribunal. Administrar requer informação. Assim, os juízes precisam participar de cursos de formação para receber informações de como atuar, de como planejar, de como decidir, de como liderar os servidores. O gestor deve ser um líder. Deve conduzir sua equipe de modo que a energia de cada um convirja para um resultado efetivo. Existem magistrados com deficiência nessa área, o que pode ser sanado por meio de cursos que pretendemos implementar por intermédio da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).

RJC – Ainda sobre seu pronunciamento na eleição, o senhor afirmou que a inteligência artificial pode ser um aliado na redução do estoque de recursos repetitivos. De que maneira isso pode ser feito? Há alguma proposta nesse sentido em seu plano de gestão?

JON – Não há dúvida de que a inteligência artificial permitirá a redução de estoque de processos, sobretudo de recursos repetitivos. A inteligência artificial vem sendo utilizada na indústria, no comércio, na pesquisa científica, e o Judiciário não pode ficar atrás. É sabido que a inteligência artificial trabalha dados, ou seja, primeiro, precisamos dos dados. Segundo, precisamos de acesso digital aos dados. Terceiro, os dados precisam ser lidos, catalogados, separados de acordo com a matéria ou o tipo de decisão para que, então, o sistema informatizado possa sugerir formatos ou modelos de decisão. O Superior Tribunal de Justiça precisa modernizar-se todos os dias, e hoje modernização e gestão compreendem a adoção de técnicas da inteligência artificial.

RJC – Os recursos repetitivos são apontados por integrantes do Judiciário como uma das questões a ser solucionada no que tange à busca de eficiência. Além de reduzir o estoque que já existe, o que poderia ser feito para que ele não volte a crescer?

JON – Soa estranho a outros países falar em recurso repetitivo em uma corte superior cuja missão é unificar o entendimento jurisprudencial ou interpretar por último a lei federal. Interpretado ou unificado o entendimento, não devem mais os órgãos subordinados, como os tribunais de justiça e os tribunais regionais federais, julgar de modo contrário. No Brasil, porém, a situação é peculiar. Há uma quantidade enorme de recursos que ainda nem chegou ao STJ e está congestionando os tribunais estaduais do país. Daí a necessidade de adotar uma técnica especial de julgamento – o julgamento de recursos repetitivos –, em que se separam alguns processos que serão decididos com força vinculante. Interpretada a norma federal, como se resolve a questão naqueles casos que estão sob julgamento? Uma vez definida a tese, cabe aos tribunais aplicá-la de imediato. Caso não o façam, a lei prevê que os processos sejam devolvidos às instâncias ordinárias para que os juízes ajustem suas decisões à decisão do STJ, o que ensejará celeridade processual e, ao mesmo tempo, maior eficácia das decisões judiciais.

RJC – Em sua opinião, quais são hoje, os problemas que o Judiciário enfrenta que mais rapidamente carecem de solução?

JON – O Judiciário enfrenta uma série de problemas, entre eles, o corte orçamentário. Todavia, entendo que o maior desafio é a mudança de comportamento e de cultura. O Judiciário precisa ver com mais atenção o que vem ocorrendo na sociedade. Hoje ninguém mais tolera aquela morosidade que faz parte da cultura judicial. É preciso mudar essa mentalidade, melhorando a técnica de julgamento, a técnica de publicação, a técnica de divulgação das decisões dos tribunais, além de imbuir os servidores do espírito de resultado. É importante lembrar que o juiz é um servidor e, como tal, precisa atingir resultados. Ele trabalha para um destinatário, que é o cidadão.

RJC – O Judiciário como um todo vem passando por um processo de exposição cada vez maior. O que pode ser feito para salvaguardar o Judiciário de críticas infundadas?

JON – A Justiça vem passando por uma exposição cada vez maior, e isso é consequência da democracia, traduzida nas liberdades fundamentais que imperam no País. Isso expõe mais o Judiciário, que é questionado por resultados, cobrado por eficiência, cobrado por coerência das decisões. Se, de um lado, é bom que isso aconteça, de outro, faz surgir críticas que ora procedem, ora não. Como lidar com a situação? Tendo humildade para aceitar as críticas construtivas e usá-las para a construção de novo modelo de Judiciário. As críticas improcedentes, incoerentes e injustas devem ser rebatidas, caso em que o esclarecimento pode levar o jurisdicionado a rever seu entendimento ou compreensão acerca do Judiciário.