Questões relevantes no transporte coletivo

31 de outubro de 2010

Membro do Conselho Editorial e Direto Executivo da Fetranspor

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(Palestra proferida no VI Seminário – Questões Jurídicas Relevantes no Transporte Coletivo, realizado pela Emerj)

Gostaria de convidá-los a uma reflexão sobre o que está acontecendo hoje no País, especificamente na cidade do Rio de Janeiro em relação ao transporte e à mobilidade. Temos tido ao longo dos anos na cidade do Rio, e também no País e no mundo, uma série de transformações que nos impõem uma nova agenda. A realidade dessas mudanças nos leva a fazer algumas reflexões.
Estamos iniciando um novo tempo, uma nova era no Rio de Janeiro, particularmente no transporte, iniciando a fase de uma mobilidade inteligente. Uma série de fatores concorrem para essas mudanças. É sobre isso que pretendo refletir hoje.
Essas alterações são, na realidade, parte de uma mudança maior que tem acontecido no mundo inteiro. Estive recentemente no congresso “IBM Fórum 2009”, que, como grande empresa que é, tem feito estudos sobre a importância de se ter um planeta inteligente, sem desperdício, sem grandes diferenças sociais, ambientalmente sustentável, sem que deixemos para as próximas gerações perdas que comprometam o futuro delas.
Para fazer um planeta inteligente, precisamos construir na cidade onde vivemos uma realidade amigável, agradável, em que possamos ter prazer em viver. A nossa cidade depende da qualidade de vida, do ambiente em que estamos. E a nova agenda do Rio de Janeiro está condicionada a grandes eventos e à mobilidade inteligente, uma grande transformação na forma como as pessoas irão se movimentar na cidade.
Escolhi essa imagem da revista The Economist, “Brazil takes off”, ou “O Brasil decola”. Simbolicamente, o Rio está “decolando” também. E o transporte está inserido nessa mudança, nessa decolagem que vai acontecer na cidade e no País. Haverá investimentos em diversas áreas como infraestrutura e segurança, e eu diria que a área jurídica vem tendo avanços constantes e permanentes. Temos aqui hoje juristas que são referência no País. Se estamos atualizando outras áreas, a Justiça já estava na nossa frente há muitos anos.
A necessidade de melhoria é evidente. Vou apresentar agora alguns números que nos mostram a necessidade de construir um planeta mais inteligente. Por exemplo, só nos EUA, 170 bilhões de Kw/hora são desperdiçados a cada ano por consumidores, devido à insuficiência de informações sobre o uso de energia. O impacto anual de vias congestionadas gera, apenas naquele país, 3,7 bilhões de horas perdidas e 2,3 bilhões de galões de gasolina perdidos no trânsito, por falta de uma mobilidade inteligente.
No Brasil, o tempo médio para exportar um contêiner no Porto de Santos, maior do País, é de 18 dias, enquanto em Hong Kong é de 5 dias. O tempo médio de espera anual nos portos brasileiros é de 20 horas, enquanto em outros países é de 6 horas. O custo médio por dia de um navio à espera para descarga é de R$40 mil, gerando um custo anual pago pelas empresas brasileiras, devido ao tempo de espera, na ordem de R$480 milhões. As perdas anuais estimadas para o agronegócio brasileiro, devido à falta de eficiência de portos, chegam a R$2,7 bilhões.
Indo para a área de transporte urbano, as perdas anuais, somente para a economia de São Paulo, devido a estradas congestionadas, atingem R$18 bilhões. As despesas anuais das empresas brasileiras em reparos de veículos, devido à condição de estradas, somam R$435 milhões. Há uma correlação enorme entre atividade econômica, qualidade de vida e a falta de uma infraestrutura adequada. No entanto, entendo que estamos transformando essa realidade através de uma série de medidas das quais vou tratar agora.
Vejamos agora outros números, para mostrar a importância que tem a mobilidade, para que a cidade tenha um planejamento urbano e de transportes que melhore a qualidade de vida das pessoas. Apenas no Rio de Janeiro, os custos com congestionamentos (tempo perdido, consumo de combustível, poluição e sistema viário ineficiente) chegam a R$188 milhões. A Coppe/UFRJ estima que o Rio de Janeiro tem uma perda anual de R$12 bilhões (10% do PIB local). Outros estudos apontam que um profissional que faça deslocamentos diários de 1h30min, perderá 3 anos de sua vida em congestionamentos, considerando 35 anos de trabalho. As cidades com boa qualidade de vida não têm essas perdas. A solução é uma grande mudança, com investimentos em transporte coletivo, como acontece nas principais cidades do mundo.
Como solucionar esse problema? Quais são as propostas, quais são as mudanças, em que essa realidade do crescimento econômico, do desenvolvimento do Estado, das mudanças políticas, do investimento em grandes eventos, irá contribuir? E qual será o resultado dessa mudança para o setor de transportes?
As cidades são as mais antigas organizações humanas. Elas se adaptam, mudam. A cidade de Jericó tem mais de 10 mil anos, Jerusalém 5 mil anos. As universidades mais antigas, mil anos. E as empresas,  apenas 700 anos. O que propomos é uma adaptação aos novos tempos. E qual é essa realidade?
Estamos vivendo uma mudança de ciclo na história da humanidade. A ONU apontou que até 2008, mais da metade da população mundial ainda vivia no campo, mesmo após a Revolução Industrial. Em 1970, quando o Brasil tinha 90 milhões habitantes, 60% viviam na zona rural. Hoje, 83% dos brasileiros moram em cidades. Há uma demanda grande por todo o tipo de serviço público, infraestrutura, saúde, educação, justiça e também transporte.
E qual é o nosso desafio? O Brasil tem mais de 20 cidades com mais de um milhão de habitantes. Temos duas grandes megalópoles, São Paulo e Rio de Janeiro, a primeira com 18 milhões de habitantes na região metropolitana e a segunda, com 11 milhões. Isso traz desafios para nós do setor de transportes, temos a responsabilidade de contribuir para essas mudanças.
O Rio de Janeiro, incluindo a região metropolitana, é, segundo a ONU, a 14ª maior megacidade do mundo. Como aproveitar a oportunidade para mudar? Temos uma agenda de transformações, com grandes eventos como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos, que terão um impacto muito forte na economia. Não são apenas as semanas em que se realizam os jogos que divulgam o País para o mundo, antes há um efeito catalisador, o País se mobiliza para realizar bem aquele evento. A China, para as Olimpíadas de Pequim, preparou não apenas um projeto para os jogos, mas um projeto de país para ser mostrado ao mundo. Isso traz investimentos em infraestrutura e isso fica como legado para a cidade, como em Barcelona. Temos também exemplos contrários, como Atlanta, onde nada ficou para a cidade. É preciso projetos estruturantes para organizar bem os eventos e para que haja um legado para toda a população.
Já realizamos grandes eventos. O Carnaval todos os anos atrai 735 mil visitantes, o Réveillon reúne 2 milhões. Já tivemos o show dos Rolling Stones com 1 milhão de pessoas, entre outros. Se não houver um sistema de transporte adequado, fica quase impossível realizar esses grandes eventos. Com a mobilidade inteligente, teremos, depois de muito tempo, uma prioridade para o setor de transportes no Rio de Janeiro, uma infraestrutura adequada, a partir de uma nova realidade jurídica que começou a ser construída pela Prefeitura.
Em 1908, o então prefeito Souza Aguiar concedeu a primeira permissão para a importação de ônibus e para a inauguração das primeiras linhas. Esse foi o primeiro grande marco histórico. Depois, o governo Lacerda, nos anos 60, reorganizou o sistema com as lotações, promovendo uma grande transformação. Cabe-nos agora fazer um rito de passagem para o futuro, com o novo sistema em que a prioridade para o transporte foi definida na aprovação do projeto para as Olimpíadas. Teremos uma melhoria da qualidade de vida na cidade e a construção de uma infraestrutura adequada.
Teremos, interligando toda a cidade, uma rede de transporte coletivo de grande capacidade. Ouviremos falar muito do BRT, o Bus Rapid Transit, como usado em Curitiba há 25 anos. Procurou-se “metronizar” o transporte por ônibus, ou seja, aproveitar as características positivas do metrô no sistema de ônibus. Primeiro, porque há uma via única, de corredores de transporte, que dá rapidez ao deslocamento. Não há sobreposição de linhas, as estações de pagamento são retiradas de dentro dos ônibus e colocadas nos terminais, há mais acessibilidade, monitoramento por GPS e câmeras de vídeo.
O transporte se define pela capacidade que possui de  levar passageiros. Um ônibus normal consegue transportar 6 mil pessoas por hora; um trem, no sistema antigo, 12 mil; e o metrô, até 45 mil. O sistema inteligente do BRT transporta essa mesma quantidade de passageiros, só que com um custo por Km2 até 10 vezes menor. Com o mesmo investimento, que possibilita fazer 426 km do sistema BRT, pode-se construir apenas 40 km de Veículo Leve sobre Trilhos; 14 km de trem e 7 km de metrô.
Por isso, a opção pelo projeto moderno do BRT, com ônibus melhores, articulados, com suspensão a ar, GPS, televisão e outros fatores de modernidade e conforto. Através do BRT, temos a possibilidade de reorganizar a cidade. Nos grandes eixos como a Av. Brasil, o novo sistema irá liberar gabaritos, adensando a ocupação da área em torno do eixo para aproveitar a qualidade do transporte. Curitiba fez isso há anos, e deu certo.
O público não percebe que a quantidade de ônibus necessária para transportar passageiros a 20 km/h é a metade do número necessário quando a velocidade comercial é apenas 10 km/h. São projetos estruturantes, para os quais nos reunimos, contratamos consultorias, participamos de um processo de licitação acreditando que o futuro da cidade passa por um novo projeto que trará mais qualidade de vida para as pessoas que moram na cidade.
Isso não é novo no Brasil, Curitiba já tem isso há 25 anos. Mesmo cidades como Nova Iorque e Paris estão construindo grandes corredores para ônibus. O BRT já é realidade em dezenas de cidades dos cinco continentes, e em todo o mundo temos 83 cidades com o sistema em fase de implantação. Portanto, o Brasil não está “inventando”, está buscando uma solução de qualidade com boa relação custo-benefício. É uma nova agenda, uma nova realidade no transporte, que vai permitir mais qualidade de vida.
Nós, que representamos as 222 empresas de ônibus do Estado, nas quais trabalham 102 mil funcionários, temos a responsabilidade de ajudar nessa transformação. Os investimentos serão elevados, e as empresas terão que se preparar. Para isso, a Prefeitura criou uma nova realidade jurídica, para garantir que os investimentos em infraestrutura fossem acompanhados pelo sistema de transporte. Foi feita uma licitação esse ano, que atraiu investidores brasileiros e estrangeiros, e a cidade foi dividida em quatro áreas de planejamento. Foi exigido dos consórcios vencedores que se comprometessem com a implantação do bilhete único para integrar o sistema. Isso muda as características do transporte, os ônibus passarão a ter a mesma identidade visual, operando em redes integradas, evitando linhas superpostas, com ganho para a população. É uma nova lógica, preparando a cidade para o BRT, que deverá ficar pronto em 2012. Um sistema planejado racional, inteligente, e que mudará a mobilidade da cidade e da região metropolitana.
Outro ponto são os terminais que nós teremos a obrigação de operar. São investimentos vultuosos, mas houve essa exigência no edital de licitação e nós aceitamos o desafio. E começa agora, em outubro, a implantação do Bilhete Único Carioca, que terá uma característica mais abrangente, permitindo duas viagens em um período de duas horas, com uma única tarifa de R$2,40, sem subsídio. Isso mudará a vida de muitas pessoas. A redução de gastos vai gerar uma economia de 600 reais/ano, o que será praticamente outro salário para algumas pessoas, representando um 14º salário. E posteriormente, haverá a integração com o Bilhete Único Estadual.
A Fetranspor teve a honra de criar a Riocard, com equipamentos de grande capacidade, que conseguem monitorar diariamente as operações de transporte, fazendo a prestação de contas online ao governo do Estado. Essa economia aumenta inclusive a empregabilidade de quem mora longe, resultado desse projeto do qual participamos. É uma referência em tecnologia, “case” internacional citado pela IBM em seus congressos mundiais pela abrangência, rapidez, segurança e transparência.
A partir de 30 de outubro, os ônibus já começam a alterar a identidade visual. Com padronização por área, pelas cores a população saberá para onde irá o ônibus. A Prefeitura assim exigiu, e o transporte não é das empresas, é um serviço público, pelo qual a Prefeitura é responsável. Até 2014, todos os ônibus terão elevadores para acessibilidade. Serão veículos articulados, com grande capacidade de passageiros, semelhante à do metrô. O sistema de monitoramento por GPS, com fiscalização por parte da Prefeitura em tempo real, também entra em vigor agora. O sistema de câmeras de vídeo, em todos os ônibus, terá ligação direta com a Secretaria de Segurança. Os investimentos serão altos, no total de 1 bilhão e 803 milhões de reais, o que só é possível no quadro de segurança jurídica que está sendo criado.
Também estamos investindo em pesquisas para uso do biodiesel, com baixo índice de emissão de poluentes. Criamos um programa de responsabilidade ambiental chamado “selo verde”, que produz ônibus sem emissão de poluentes. Temos ainda o desenvolvimento de um ônibus híbrido, com energia elétrica e solar, e ainda ônibus movido a hidrogênio com pilha combustível, ambos em parceira com a Coppe/UFRJ.
Mas nada disso se faz sem bons profissionais. Você pode ter a melhor infraestrutura, os melhores ônibus, alta tecnologia, mas sem pessoas capazes, educadas e com bom treinamento, não vamos conseguir. O desafio é tão grande, que elaboramos uma resposta à altura: a Universidade Corporativa do Transporte, que funciona na Rua da Assembleia, inclusive com uma TV para ensino à distância, e oferece cursos para funcionários e executivos das empresas de transporte, em parceria com universidades e centros de pesquisa.
Se as empresas tiverem condições de acompanhar o poder público nessas transformações, com segurança jurídica, nós certamente teremos um transporte melhor e uma melhor qualidade de vida para a população da nossa cidade.
Muito obrigado.