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Recurso administrativo direito do contribuinte

30 de novembro de 2006

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Com base no artigo 126, da lei nº 8.213/91, com a redação dada pela lei nº 10.684/03, a autoridade administrativa do Instituto Nacional do Seguro Social, vem exigindo dos contribuintes o depósito em dinheiro de 30% (trinta por cento) sobre o valor do débito, para que o recurso interposto ao Conselho de Recursos da Previdência Social seja recebido. Nem sequer a substituição por arrolamento de bens autorizada pelo decreto nº 70.235/72, com a redação dada pela lei nº 10.522/02, que disciplina a substituição do depósito prévio por uma garantia de bens é aceita. O argumento é de que a substituição só é possível quando se tratar de questão em face da União Federal (débitos da União).

Entendo que o recurso administrativo voluntário é um direito que está acobertado pelo princípio da ampla defesa, corolário do devido processo legal.

A prevalecer o entendimento da exigência do aludido depósito (verdadeiro limite de acesso aos recursos administrativos), haverá a impossibilidade do acesso à ampla defesa, na esfera administrativa, e somente aqueles que tenham recursos financeiros é que poderão desembolsar boa parte de seu patrimônio, acarretando sérios problemas, para os que não possuem recursos próprios, tendo por conseguinte lançar mão de empréstimos bancários de elevado custo, implicando o empobrecimento da “empresa”.

Penso que tal situação não é justa. Não havendo efetivação do depósito exigido, o débito será inscrito em dívida ativa e, nesta condição, a empresa estará seriamente prejudicada, posto que não conseguirá certidões negativas de débito, o que comprometerá toda sua atividade.

A Justiça não pode se omitir, e deve fazer preponderar o justo sobre o injusto.

A despeito da enorme controvérsia existente sobre a questão, vislumbro que a exigência do depósito prévio de 30% (trinta por cento), para fins de interposição de recurso administrativo, constitui uma arbitrariedade, a despeito do amparo legal. A não substituição pelo arrolamento de bens, uma enorme ofensa ao direito e à Justiça.

Para a elucidação sobre o tema, cabe transcrever o dispositivo legal (incluindo o caput e seu §2º), in verbis:

 “Art. 126. Das decisões do Instituto Nacional do Seguro Social-INSS nos processos de interesse dos beneficiários e dos contribuintes da Seguridade Social caberá recurso para o Conselho de Recursos da Previdência Social, conforme dispuser o Regulamento. (Redação dada pela lei nº 9.528, de 10.12.97)

 §1º Em se tratando de processo que tenha por objeto a discussão de crédito previdenciário, o recurso de que trata este artigo somente terá seguimento se o recorrente, pessoa jurídica ou sócio desta, instruí-lo com prova de depósito, em favor do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, de valor correspondente a trinta por cento da exigência fiscal definida na decisão. (Redação dada pela lei nº 10.684, de 30.5.2003)

§2º Após a decisão final no processo administrativo fiscal, o valor depositado para fins de seguimento do recurso voluntário será: (parágrafo e incisos acrescentados pela lei nº  9.639, de 25.05.98

 I – devolvido ao depositante, se aquela lhe for favorável;

 II - convertido em pagamento, devidamente deduzido do valor da exigência, se a decisão for contrária ao sujeito passivo”.

Da exigência do depósito prévio de 30% (trinta por cento)

Por oportuno, cumpre observar que a questão é polêmica, perante a doutrina e a jurisprudência. Muitos têm sido os argumentos, tanto dos contribuintes, que defendem a violação de diversos princípios constitucionais, como do contraditório e da ampla defesa, como do Fisco/INSS, que alegam, em suas razões, que os contribuintes já haviam exercido seu direito de defesa, ao apresentarem a impugnação na primeira instância julgadora, sem a necessidade de qualquer tipo de garantia.

A jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, inclusive, com base em precedentes do Supremo Tribunal Federal, é assente no sentido da constitucionalidade da exigência do indigitado depósito. Isto porque, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, não há ofensa à Constituição Federal a exigência de depósito prévio, para recorrer administrativamente, não importando que se trate de depósito do valor integral da multa ou de 30% do débito total. Outro argumento, para sustentar tal posição, seria o de que tal exigência, como pressuposto de admissibilidade do recurso administrativo, não ofende o princípio do devido processo legal, dado que a Constituição não assegura o princípio do duplo grau no procedimento administrativo.

Chamado a se pronunciar sobre a questão, o Pretório Excelso houve por bem considerar a exigência constitucional, por ocasião do julgamento do RE nº 210.246, ocorrido em sessão plenária, com a apertada votação de seis votos a cinco, e sendo o relator para o acórdão, o ministro Nelson Jobim.

Dentro desta linha de entendimento, transcrevo os elucidativos arestos :

“TRIBUTÁRIO. RECURSO ADMINISTRATIVO. DEPÓSITO PRÉVIO. EXIGIBILIDADE. COMPATIBILIDADE COM O ARTIGO 151, III, DO CTN. PRECEDENTES DO STF E STJ.

1. A exigência do depósito prévio não contraria o artigo 151, III, do CTN. Satisfeitos os requisitos de admissibilidade, nos termos da legislação específica, a exigibilidade do crédito tributário é suspensa com a interposição do recurso administrativo.

2. É legítimo condicionar a interposição do recurso administrativo ao depósito prévio, já que a Constituição Federal de 1988 não garante o duplo grau de jurisdição administrativa (ADIMC n.º 1.049, ADIns n.ºs 836-6/DF, 922/DF e 1.976/DF, RE n.ºs 210.244/GO e 235.833/GO).

3. Agravo regimental improvido”.

(AgRg no RESP nº 803.263/SP, segunda turma, relator ministro Castro Meira, j. em 27.06.2006, DJ 21.08.2006, pág. 244)

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL. APRECIAÇÃO POR DECISÃO MONOCRÁTICA.  POSSIBILIDADE. DEPÓSITO PRÉVIO DE 30% DO VALOR DA EXAÇÃO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DO RECURSO ADMINISTRATIVO. LEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. Tratando-se de recurso manifestamente inadmissível, é perfeitamente possível o relator negar-lhe seguimento, a teor do artigo 557, do CPC, podendo fazê-lo nos próprios autos do agravo de instrumento, conforme lhe faculta o §3º, do artigo 544, do mesmo código.

2. A orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal está firmada no sentido da legalidade da exigência do depósito prévio para fins de interposição de recurso administrativo. Precedentes: EAG 459.961/RJ, 1ª seção, min. Luiz Fux, DJU, de 27/04/2005; RMS 16874/RJ, 1ª Turma, min. Denise Arruda, DJU, de 02/05/2005; AgRg no RESP 686337/SP, 2ª Turma, min. Eliana Calmon, DJU, de 22/03/2005.

3. Agravo regimental a que se nega provimento”.

(AgRg no Ag nº 749.255/SP, primeira turma, relator ministro Teori Albino Zavascki, j. em 09.05.2006, DJ 18.05.2006, pág. 195).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSO ADMINISTRATIVO – MEDIDA LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA – DEPÓSITO PRÉVIO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO – CONSTITUCIONALIDADE – PRECEDENTES DO STF E   STJ.

I – Conforme entendimento predominante no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a exigência do depósito de 30% (trinta por cento) do valor do débito para recebimento do recurso administrativo não viola os princípios constitucionais do  devido processo legal e da ampla defesa.

II – Agravo de Instrumento  improvido”.

(TRF/2ª Região, AG nº 107578, UF: RJ, primeira turma, relator Reis Friede, DJU, 01.12.2005, pág. 117)

Destarte, o pedido de abstenção, por parte da autoridade administrativa, na hipótese da impetração de um mandado de segurança, a exigência do depósito prévio relativo a 30%  do valor do débito, tendo em vista a iterativa jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, não mereceria acolhida. Penso que a postura mais adequada, seria a imediata adoção da orientação emanada dos Tribunais Superiores, uma vez que, inevitavelmente, as decisões proferidas nas ações dessa natureza seriam reformadas na instância superior, acarretando prejuízos e transtornos aos jurisdicionados e à própria Justiça.

Entretanto, ressalvo o entendimento pessoal deste magistrado, no sentido de que a exigência do depósito prévio de 30% (trinta por cento) do valor do débito, para fins de interposição do recurso administrativo, contraria o texto constitucional vigente. Tal entendimento tem guarida em vários argumentos. Apenas para citar alguns: a) há verdadeira ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal (artigo 5º, LIV), aplicável ao processo administrativo, e da ampla defesa (artigo 5º, LV). Ora, a Constituição Federal é fundamento de validade de qualquer norma infraconstitucional. Sem sombra de dúvida, há verdadeiro conflito entre a exigência do depósito, constante em lei infraconstitucional e o texto constitucional. Vale dizer, é evidente que, se a Constituição Federal assegurou o contraditório e a ampla defesa, também, em processos administrativos, qualquer norma inferior que condicione ao prévio depósito dos valores impugnados a possibilidade de recurso às instâncias decisórias estará vulnerando frontalmente esses princípios básicos de nosso ordenamento constitucional, b) tal exigência, como condição de admissibilidade do recurso administrativo, a meu ver, é incompatível com o artigo 151, III, do C.T.N., c) a imposição da referida condição exige, em vias transversas, parte do montante questionado, o que  acaba por se traduzir em uma verdadeira execução forçada, em flagrante ofensa à ratio da Constituição Federal, d) a exigência do depósito prévio, além de ilegítima, é absolutamente discriminatória, tendo em vista que, apenas, os economicamente favorecidos teriam a possibilidade de esgotar as instâncias administrativas, enquanto que, aos demais, estaria vedada, por razões meramente pecuniárias, a revisão dos julgados, e) a imposição do depósito de valor equivalente a 30% (trinta por cento) da controvérsia, como preço do exercício do direito de petição, é, evidentemente, frustrar a garantia insculpida no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal, limitando-se o espectro do direito de petição ali expressamente assegurado, f) o STF está revendo seu posicionamento, no tocante à exigência do depósito prévio, ao retomar julgamento do RE nº 388.359, em que se discute a constitucionalidade da exigência do depósito prévio como condição de admissibilidade do recurso na esfera administrativa (informativo nº 423/STF). O ministro Joaquim Barbosa, em voto-vista, acompanhou o voto do relator (ministro Marco Aurélio), para conhecer e prover o recurso, no sentido de que a indigitada exigência ofende a garantia constitucional da ampla defesa (artigo 5º, LV), bem como o direito de petição (artigo 5º, XXXIV). Em acréscimo aos fundamentos expendidos pelo relator, afirmou, em síntese, que a impossibilidade ou inviabilidade de se recorrer administrativamente impede que a própria administração pública revise a licitude dos atos administrativos, o que ofende o princípio da legalidade e, muitas vezes, leva à violação de direitos fundamentais. Acompanharam o voto do relator, os ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Carlos Britto. Em divergência, o ministro Sepúlveda Pertence, reportando-se ao voto que proferira no julgamento da ADI 1922 MC/DF (DJU de 24.11.2000), conheceu e negou provimento ao recurso, ao fundamento de que exigência de depósito prévio não transgride a Constituição Federal, que não assegura o duplo grau de jurisdição administrativa. Após, o Ministro Cezar Peluso pediu vista dos autos. Até a presente data, portanto, são cinco votos favoráveis à inconstitucionalidade da exigência do depósito prévio contra um desfavorável.

 

Da possibilidade da substituição da exigência do depósito pelo arrolamento de bens

Para o deslinde da questão, cabe trazer a definição de arrolamento de bens, que, na verdade, seria o ato material por meio do qual os contribuintes disponibilizam bens de sua propriedade para servir como garantia de exigências fiscais que lhe são imputadas mediante processo administrativo onde, diante de decisão de primeira instância desfavorável, os mesmos pretendam interpor recurso voluntário ao órgão superior. Nada mais é do que um ato instrumental, que servirá para caucionar a interposição do recurso administrativo perante os órgãos de segunda instância, servindo como um pressuposto de admissibilidade.

Todavia, a questão (arrolamento de bens), que agora se apresenta, não é menos polêmica do que a exigência do depósito prévio.

Isto porque o INSS insiste em negar vigência ao comando da lei 10.522/2002, para os débitos previdenciários, como a seguir será demonstrado, com dois argumentos principais: um, que a exigência de depósito já foi declarada constitucional pelo STF, não ofendendo os princípios da ampla defesa e do contraditório; dois, que a legislação em tela somente se aplica os débitos administrados pela receita federal, diante da situação peculiar das autarquias, as quais possuem autonomia administrativa e regras próprias para o seu processo administrativo, qual seja, a lei nº 8.213/91.

Assim, para dirimir a controvérsia, trago à colação os dispositivos pertinentes ao decreto nº 70.235, de 06 de março de 1972, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal, notadamente, seu artigo 33, §2º, com a redação dada pela lei nº 10.522/2002 (artigo 32),  e o artigo 304, do decreto nº 3.048, de 06.05.1999, que aprova o regulamento da Previdência Social, in verbis:

“Art. 33. Da decisão caberá recurso voluntário, total ou parcial, com efeito suspensivo, dentro dos trinta dias seguintes à ciência da decisão.

 §1o No caso de provimento a recurso de ofício, o prazo para interposição de recurso voluntário começará a fluir da ciência, pelo sujeito passivo, da decisão proferida no julgamento do recurso de ofício. (Incluído pela lei nº 10.522, de 2002).

§2o Em qualquer caso, o recurso voluntário somente terá seguimento se o recorrente arrolar bens e direitos de valor equivalente a 30% da exigência fiscal definida na decisão, limitado o arrolamento, sem prejuízo do seguimento do recurso, ao total do ativo permanente se pessoa jurídica ou ao patrimônio se pessoa física. (Incluído pela lei nº 10.522, de 2002).

§3o O arrolamento de que trata o §2o será realizado preferencialmente sobre bens imóveis. (Incluído pela lei nº 10.522, de 2002).

Art. 304. Compete ao ministro da Previdência e Assistência Social aprovar o Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência Social, bem como estabelecer as normas de procedimento do contencioso administrativo, aplicando-se, no que couber, o disposto no Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, e suas alterações”.

Hodiernamente, na mesma esteira dos julgados desfavoráveis ao contribuinte, já mencionados, sobre a exigência do depósito prévio, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a exigência do depósito prévio de 30% do valor da autuação do débito fiscal previdenciário, para se recorrer administrativamente, não pode ser substituída pelo arrolamento de bens, no tocante aos débitos previdenciários.

Segundo decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os débitos previdenciários são regidos por lei específica, o decreto nº 3.048/1999, alterado pelo decreto nº 4.862/2002, que manteve a exigência do depósito prévio, não podendo assim sofrer a incidência dos dispositivos destinados aos débitos de União, embora ambos tenham natureza tributária (RESP nº 835.801/RS, primeira turma, relator ministro Teori Albino Zavascki, julg. em 20.06.2006, DJU de 30.06.2006, pág. 206. Outros Precedentes: REsp 624.890/RS, 1ª turma, min. Francisco Falcão, DJU de 27.09.2004; REsp 649.469/SC, 2ª turma, min. João Otávio De Noronha, DJU, de 11.10.2004).

Contudo, este Magistrado, a despeito das respeitáveis decisões do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, tem entendimento diverso. Impor aos devedores do INSS, uma autarquia federal,  depósito prévio, em dinheiro,  de 30% (trinta por cento) da dívida, enquanto que se possibilita aos devedores da União Federal o arrolamento de bens, no mesmo percentual, limitado ao total de bens do seu ativo permanente, seria uma exigência desigual, violadora da isonomia constitucional.

Neste passo, tem sido o magistério do nobre constitucionalista Alexandre de Moraes, in verbis:

“O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio Executivo, na edição, respectivamente de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social.”

Dessa forma, se os devedores da União têm o direito de substituir o depósito recursal pelo arrolamento de bens, para interpor o recurso voluntário,  é de se admitir que aqueles que se encontram em débito para com o INSS, autarquia federal, tenham o mesmo tratamento,  em respeito ao princípio da isonomia garantido na Constituição Federal. Inclusive, o INSS já abarcou tal entendimento, posto que, em 10/05/2002, a autarquia previdenciária fez editar a Instrução Normativa 70, a qual, dispondo “sobre os procedimentos fiscais e sobre o planejamento das atividades de arrecadação relativas às contribuições arrecadas pelo INSS”, em seu artigo 255, §5º, foi incisiva em afirmar:

“Os bens e direitos arrolados por iniciativa do sujeito passivo com o objetivo de interpor recurso em processo administrativo fiscal deverão ter valor igual ou superior à exigência fiscal definida na decisão de primeira instância e se limitarão ao ativo permanente desse sujeito passivo, se pessoa jurídica, ou ao patrimônio, se pessoa física, devendo o arrolamento recair preferencialmente sobre bens imóveis, conforme disposto nos parágrafos 3º e 4º do artigo 33 do decreto nº 70.235, de 1972, alterado pela medida provisória nº 2.176-79, de 23 de agosto de 2001.” (Grifo nosso)

De igual sorte, inexplicavelmente, em 28/08/2002, foi publicada a Instrução Normativa nº 80, da Diretoria Colegiada do INSS, que, dentre outras alterações, expressamente revogou o artigo 255 da IN 70/2002, sem alinhar nenhuma razão para este ato, instaurando a incerteza e potencialmente ceifando o direito dos contribuintes.

Destarte, conforme já mencionado, entendo não ser razoável a dispensa de tratamento desigual aos contribuintes que se encontrem em situações semelhantes, não sendo outra a hipótese em exame, na medida em que, para os contribuintes que interpõem recurso administrativo contra decisão oriunda da administração direta, é facultada a prestação de garantias ou arrolamento de bens e direitos, em substituição ao depósito prévio de 30% do valor exigido, impondo-se, em contrapartida, aos contribuintes irresignados com a decisão de primeira instância administrativa da autarquia previdenciária (órgão da administração indireta da União) a obrigação de garantir o prosseguimento de seu recurso tão somente com o aludido depósito.

A autarquia previdenciária inegavelmente está subordinada aos comandos da lei nº 10.522/02, pelo simples fato de que sua posição jurídica, em nenhum momento, conferiu-lhe a prerrogativa de autolegislação, ou melhor, de assenhoramento de suas próprias razões.

Ademais, é evidente que, se o decreto 70.235/72 dispõe sobre o processo administrativo tributário, no âmbito da União federal, e sendo a autarquia previdenciária uma autarquia federal, é no todo evidente que sua atuação está, necessariamente, vinculada a esta legislação específica, com as alterações que a lei 10.522/02 lhe impôs.

Nesse contexto, a interpretação a ser adotada é sistêmica e, por analogia, perfeitamente suscetível de aplicação às regras ínsitas no decreto n.º 70.235/73, o qual regula os processos administrativos de créditos tributários da União, aos recursos administrativos intentados perante o INSS, assumindo caráter de complementariedade ao artigo 126 da lei n.º 8.213/91, e ao artigo 306, do decreto n.º 3.048/99, que a regulamenta, sem qualquer prejuízo para a autarquia previdenciária.

Corrobora, ainda, para valorização deste entendimento, o fato de que o decreto nº 3.048/99 prevê a aplicabilidade subsidiária do decreto nº 70.235/72 e suas alterações, ao contencioso administrativo do instituto previdenciário”.

Neste sentido, os julgados a seguir transcritos:

“MEDIDA CAUTELAR – LIMINAR – DEPÓSITO PRÉVIO – ARROLAMENTO DE BENS

I – O artigo 304 do dec. nº 3.048/99 determina a aplicação no  que couber, do decreto nº 70.235/72 aos procedimentos administrativos fiscais perante o INSS, sendo, por isso, viável que a nova redação do artigo 33 desse decreto, dada pelo artigo 32 da lei nº 10.522/02, seja aplicada ao caso em tela.

II – Cabível a concessão de liminar para determinar o prosseguimento do recurso voluntário apresentado na esfera administrativa, com o arrolamento de bens, vez que presentes os requisitos ensejadores, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

III – Agravo interno improvido.

(TRF/2ª região, AGTMC nº 16, UF:RJ, Terceira Turma Esp. Relatora Tania Heine, DJU, 17.06.2005, pág. 367)

“ADMINISTRATIVO – CRÉDITO TRIBUTÁRIO – RECURSO ADMINISTRATIVO – ARROLAMENTO DE BENS – APLICAÇÃO DO DEC. 70.235/72

I – Ainda que  se trate de crédito previdenciário, é possível a exigência de arrolamento de bens a despeito do depósito recursal.

II – O dec. 70.235/72, aplica-se aos créditos previdenciários.

III – Agravo interno improvido.

(TRF/2ª região, AGIAG nº 123158, UF: ES, quarta turma Esp. Relator Carreira Alvim, DJU, 02.06.2005, pág. 187)

“TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO – DEPÓSITO PRÉVIO COMO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DE RECURSO ADMINISTRATIVO NO ÂMBITO DO PROCEDIMENTO  FISCAL – CONSTITUCIONALIDADE – PRECEDENTES DO C. STF – DECRETO Nº 70.235/72, ALTERADO PELA LEI Nº 10.522/2002 – ARROLAMENTO DE BENS E DIREITOS – APLICABILIDADE NO ÂMBITO DO INSS POR FORÇA DO DECRETO Nº  3.048, DE 06.05.1999 – PRINCÍPIO DA ISONOMIA.

– Depósito prévio de 30% do valor correspondente à autuação como condição de procedibilidade do recurso administrativo.

Legitimidade. Precedentes do C. Supremo Tribunal Federal.

– A alteração promovida no decreto nº 70.235, de 06.03.1972, permitindo o arrolamento de bens e direitos no percentual de 30% da exigência fiscal, é aplicável nos recursos administrativos no âmbito do INSS, por força da previsão contida no artigo 32 do decreto nº 3048, de 06.05.1999.

– Garantia consagrada em homenagem ao princípio da isonomia. Art. 5º, inciso LIV da Carta Magna.

–  Recurso parcialmente provido.

(TRF/2ª região, AMS nº 50772, UF:RJ, segunda turma,  relator Sergio Feltrin Correa, DJU, 24.02.2005, pág. 143)

É mister observar que, de fato, que uma vez ingressando com defesa administrativa, que objetiva impugnar o lançamento efetuado, e a defesa sendo julgada improcedente, positivada está, portanto, a relevância do fundamento do pedido, para interposição do competente recurso voluntário.

Concluindo, entendo que o arrolamento de bens em substituição ao depósito prévio deve ser aceito pelo juiz, evitando enormes prejuízos ao contribuinte, até que o Supremo Tribunal Federal conclua o julgamento, que com certeza declarará a inconstitucionalidade da lei infraconstitucional aqui comentada.