Reflexões sobre complementação de aposentadoria

30 de setembro de 2011

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A previdência privada assume, a cada dia, papel relevante na economia nacional e internacional, por ser uma fonte de poupança que propicia desenvolvimento por conta dos investimentos realizados, pelos fundos de pensão, nas diversas etapas da produção industrial, nas empresas em geral, em infraestrutura, em grandes empreendimentos imobiliários etc., gerando empregos, além de sua principal missão, que é proporcionar uma renda alternativa durante a aposentadoria.

Acresça-se a essa relevância, a previsão constitucional trazida pela Emenda Constitucional no 41, de criação dos fundos de pensão também para os servidores dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo.

O presente estudo tem por objetivo tecer uns poucos comentários sobre a previdência privada fechada, os fundos de pensão, distinguindo-os da previdência privada aberta. No sítio eletrônico da Previdência Social destinado à Secretaria de Previdência Complementar, os internautas operadores do Direito encontrarão noções e orientações muito oportunas e didáticas sobre a previdência complementar.

O primeiro grande marco regulatório sobre previdência privada é a Lei no 6.435, de 15 de julho de 1.977, substituída pelas Leis Complementares 108 e 109, de 29 maio de 2001, as quais regulamentam o art. 202 da Constituição Federal.

A previdência complementar, ou previdência privada, é parte da Previdência Social, a qual é composta de outros dois pilares: o Regime Geral de Previdência Social e os Regimes Próprios de Previdência dos Servidores Públicos. Esses dois regimes são de caráter obrigatório e administrados por órgãos públicos, que recolhem contribuição e pagam, dentro do mesmo exercício financeiro, benefícios aos aposentados e pensionistas. É o denominado regime de caixa. Por sua natureza, a previdência complementar tem caráter facultativo e visa a proporcionar ao trabalhador proteção previdenciária adicional, de acordo com sua respectiva necessidade e vontade.

Às entidades que administram o regime complementar cabe recolher as contribuições, aplicar o patrimônio acumulado e pagar os benefícios aos assistidos. Essa forma de financiamento, em que o pagamento dos benefícios depende também do rendimento do patrimônio, denomina-se regime de capitalização. A previdência complementar é composta de duas vertentes: a previdência privada aberta e a previdência privada fechada.

Previdência Privada Aberta
A previdência privada aberta, também conhecida por previdência complementar aberta, é formada por empresas e instituições com fins lucrativos (seguradoras e bancos) que comercializam planos de previdência no mercado. A adesão é livre.

As seguradoras e instituições que comercializam planos de previdência complementar aberta no mercado são acompanhadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro.

Os planos de previdência privada aberta ou complementar aberta mais divulgados e comercializados no mercado são o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). Aqui se verifica nitidamente uma relação de consumo, pois se trata de um produto que uma empresa está vendendo, bem diferente do que acontece na relação entre os fundos de pensão e seus associados/participantes.

Previdência Privada Fechada – Fundos de Pensão
A previdência privada fechada, por sua vez, não tem fins lucrativos e é constituída de instituições ligadas a determinadas empresas ou órgãos públicos, das quais somente podem ser participantes os trabalhadores/servidores da entidade patrocinadora. Quando se fala de fundo de pensão, está-se referindo à previdência privada fechada.

A Secretaria de Previdência Complementar, do Ministério da Previdência Social, é quem tem a responsabilidade de orientar, aprovar os planos e regulamentos de benefícios e fiscalizar os fundos de pensão.

O fundo de pensão, na verdade, é uma grande poupança que, se bem administrada, pode propiciar aos seus participantes uma mensalidade de complementação de aposentadoria, em média, após 30 (trinta) ou 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, por ocasião da aposentadoria.

Os fundos de pensão também podem ser comparados ao cooperativismo e ao associativismo. De um lado, está o empregador, que concorda em incluir nas suas despesas gastos com a futura aposentadoria de seus empregados, e do outro, estão os trabalhadores, que também contribuirão com sua parte, descontada de seus vencimentos. O empregador e os associados são os gestores do fundo de pensão.

Corroborando essa semelhança ao cooperativismo e ao associativismo, de acordo com o artigo 10 e seguintes da Lei Complementar nº 108, de 29/5/2001, a administração das entidades de previdência privada fechada, os chamados fundos de pensão, é paritária, e cabe ao conselho deliberativo a responsabilidade pela definição da política geral de administração da entidade e de seus planos de benefícios. Essa realidade legal coloca os fundos de pensão em situação bem diferente das entidades de previdência privada aberta.

A paridade na administração e a ausência de fins mercantilistas da previdência privada fechada (fundos de pensão) retiram dos associados ou participantes a condição de meros consumidores, como é o caso da previdência privada aberta, que tem fins lucrativos. Nos fundos de pensão, o patrocinador (empresa) e os participantes ou associados (empregados e aposentados) são os responsáveis pelo sucesso ou fracasso da entidade. É o que estabelecem os artigos 10 e 11 da Lei Complementar 108/2001:

“Art. 10. O conselho deliberativo, órgão máximo da estrutura organizacional, é responsável pela definição da política geral de administração da entidade e de seus planos de benefícios.
Art. 11. A composição do conselho deliberativo, integrado por no máximo seis membros, será paritária entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores, cabendo a estes a indicação do conselheiro presidente, que terá, além do seu, o voto de qualidade.
§ 1o A escolha dos representantes dos participantes e assistidos dar-se-á por meio de eleição direta entre seus pares.”

Regulamento ou Plano de Benefícios
Outro ponto importante a ser destacado é que todo fundo de pensão, além de seu estatuto, tem um regulamento ou plano de benefícios, nos quais são estabelecidas as obrigações e os direitos dos participantes e do patrocinador. O plano de benefícios é a alma do fundo de pensão. Os benefícios mais comuns são: I – Aposentadoria por tempo de contribuição; II – Aposentadoria por invalidez; III – Pensão por morte.

Para que os benefícios sejam efetivamente garantidos no futuro, a legislação estabelece regras rígidas de controle e acompanhamento. O participante ingressa no fundo e contribui por 30 (trinta) ou 35 (trinta e cinco) anos, para que depois comece a receber o seu benefício. A preocupação do legislador é garantir que isso venha a ocorrer.

No momento de se estabelecerem os benefícios, entra em ação o importante papel dos atuários, os quais elaboram as chamadas tábuas atuariais capazes de estabelecer, com base no benefício que se quer dar, a contribuição necessária ou vice-versa. Na elaboração das chamadas tábuas atuariais, é levado em conta o tempo médio de vida da população daquele país ou do segmento ao qual se destina o plano de aposentadoria.

Quando um trabalhador se associa a um fundo de pensão, está “de olho” na complementação de aposentadoria, que é um valor que tem por objetivo amenizar as perdas entre o que o empregado ganhava na ativa e o que passará a receber da Previdência Social. Normalmente, os fundos de pensão, de acordo com o estabelecido nos seus regulamentos, calculam uma mensalidade de aposentadoria levando em conta o tempo de serviço na patrocinadora e o valor da contribuição mensal do indivíduo.

A complementação de aposentadoria é bem diferente da aposentadoria estatutária, a dos servidores públicos, na qual a isonomia com o pessoal da ativa sempre foi o ponto de destaque. Nos fundos de pensão, não existe essa isonomia compulsória, pois o benefício dependerá do que ficar estabelecido no plano ou regulamento de benefícios.

O legislador pátrio teve o cuidado de deixar expressa, tanto na Lei 6.435/77 como nas Leis Complementares 108 e 109/2001, a importância dos regulamentos ou planos de benefícios, os quais passam por rigorosa avaliação antes de serem aprovados e, depois, são acompanhados para que se evitem desequilíbrios econômico-financeiros, com prejuízos aos participantes. Os artigos abaixo transcritos revelam essa preocupação do legislador:

Lei 6.435/77:
“Art. 39. As entidades fechadas terão como finalidade básica a execução e operação de planos de benefícios para os quais tenham autorização específica, segundo normas gerais e técnicas aprovadas pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social.”
“Art. 40. Para garantia de todas as suas obrigações, as entidades fechadas constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões em conformidade com os critérios fixados pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, além das reservas e fundos determinados em leis especiais.”

Lei Complementar 109/2001:
“Art. 7o Os planos de benefícios atenderão a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial.
Parágrafo único. O órgão regulador e fiscalizador normatizará planos de benefícios nas modalidades de benefício definido, contribuição definida e contribuição variável, bem como outras formas de planos de benefícios que reflitam a evolução técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de previdência complementar.” (grifos acrescentados)

O legislador também traçou regras sobre como deve ser tratada a questão dos reajustes dos benefícios ou das mensalidades de complementação de aposentadoria, com expressa determinação de que, nos regulamentos ou nos planos de benefícios, deve constar a forma desses reajustes. A Lei 6.435/77 tratou desse assunto da seguinte forma:

Lei 6.435/77:
“Art. 42. Deverão constar dos regulamentos dos planos de benefícios, das propostas de inscrição e dos certificados dos participantes das entidades fechadas, dispositivos que indiquem:
IV – sistema de revisão dos valores das contribuições e dos benefícios;
§ 1o Para efeito de revisão dos valores dos benefícios, deverão as entidades observar as condições que forem estipuladas pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, baseadas nos índices de variação do valor nominal atualizado das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN).
§ 2o Admitir-se-á cláusula de correção dos benefícios diversa da de ORTN, baseada em variação coletiva de salários, nas condições estabelecidas pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social.”

Mantendo essa mesma linha de entendimento de que os reajustes dos benefícios devam estar previstos e seguir o que estiver estipulado nos regulamentos ou planos de benefícios, o legislador estabeleceu, na Lei Complementar 108/2001, o seguinte:

“Art. 3o Observado o disposto no artigo anterior, os planos de benefícios das entidades de que trata esta Lei Complementar atenderão às seguintes regras:
Parágrafo Único: “Os reajustes dos benefícios em manutenção serão efetuados de acordo com critérios estabelecidos nos regulamentos dos planos de benefícios, vedado o repasse de ganhos de produtividade, abono e vantagens de qualquer natureza para tais benefícios.” (grifo acrescentado)

Como visto nos dispositivos legais acima, nos casos dos fundos de pensão/previdência privada fechada, a regra a ser seguida quando da aplicação de reajustes ou da alteração do valor das mensalidades de complementação de aposentadoria é a que estiver prevista nos regulamentos ou planos de benefícios, os quais são específicos para cada fundo, o que desautoriza aplicar tratamento idêntico para participantes de fundos diferentes, posto que cada fundo tem o seu próprio regulamento ou plano de benefícios.

Ainda quanto a essa questão de benefícios, não há na legislação previsão de equiparação ou isonomia com o pessoal da ativa, ficando essa questão para o que dispuser o regulamento de cada fundo de pensão. Na Lei 6.435/77, no § 2o do art. 42, havia a possibilidade, desde que prevista no regulamento ou plano de benefícios, de que o reajuste anual fosse o mesmo da variação coletiva de salários, ou seja, dos reajustes salariais nos denominados acordos e convenções coletivas de trabalho.

A preocupação do legislador em estabelecer regras claras e critérios que preservem o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial das entidades de previdência privada é resposta à determinação prevista no art. 202 da Carta Magna, a qual exige a constituição de reservas que garantam o benefício contratado. Em outras palavras, a criação de benefícios ou o acréscimo de benefícios devem ser baseados na constituição de reservas:

“Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.” (grifo acrescentado)

Reserva de Poupança e Reserva Matemática ou de Benefícios a conceder
A constituição das reservas se dá por meio da contribuição patronal (da entidade empregadora) e da contribuição de cada participante/associado, o que pode acontecer durante o período do vínculo empregatício e continuar na aposentadoria, dependendo do que dispuser o regulamento ou plano de benefícios de cada fundo de pensão.

Os recursos amealhados pelos fundos são aplicados no mercado, entre outros, em compra de ações na Bolsa de Valores, empreendimentos imobiliários, títulos públicos, fundos de investimento etc., com o objetivo de alcançar rendimentos que façam aumentar os ativos de tal sorte a garantir, com maior solidez, os compromissos de complementação de aposentadoria.

Para dar transparência e administrar os recursos, o fundo de pensão cria duas contas: a reserva de poupança e a reserva matemática.

A reserva de poupança é o que o participante contribui somado ao que o patrocinador coloca, e tudo é atualizado ou corrigido mensal ou anualmente por um índice já previamente estabelecido no estatuto ou no regulamento de benefícios.

A reserva matemática ou reserva de benefícios a conceder, por seu turno, é o valor que é provisionado (separado e identificado) para fazer frente ao pagamento de todas as mensalidades de complementação de aposentadoria e eventuais pensões. Não necessariamente é o mesmo montante da contribuição feita pelo participante, ou sua reserva de poupança. Se ele está longe de se aposentar, sua reserva de benefícios a conceder é menor. Perto de se aposentar é maior, porque nesse momento o fundo de pensão tem a obrigação de separar o montante necessário para fazer frente aos benefícios a serem concedidos.

Quando um empregado é demitido ou pede demissão e decide se desligar também do fundo de pensão, o que ele pode resgatar é a sua parte da reserva de poupança, que são suas contribuições pessoais/individuais corrigidas pelos mesmos índices que o regulamento prevê para a correção das mensalidades de complementação de aposentadoria.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o resgate das contribuições ou da poupança é no sentido de que os valores devolvidos ou resgatados devam ser objeto de correção plena por índice que recomponha a efetiva desvalorização da moeda, conforme estipula a Súmula 289/STJ.

Conclusão
A previdência privada (fechada ou aberta) é de grande importância para os trabalhadores, os profissionais liberais e para o desenvolvimento da economia, tendo em vista os investimentos no setor produtivo com os recursos arrecadados de seus participantes e patrocinadores.

Por ser uma área especializada, naturalmente oferece certa complexidade aos operadores do Direito, e o presente artigo não tem a pretensão de esgotar a matéria, mas despertar o interesse sobre o tema, inclusive porque, no futuro, cumprindo previsão constitucional, até os servidores públicos terão seu fundo de previdência.
Massami Uyeda
Ministro do Superior Tribunal de Justiça