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Reforma política já!

10 de setembro de 2017

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As recentes pesquisas de opinião apontam as causas do descrédito das autoridades e das instituições, consequência dos péssimos serviços oferecidos aos contribuintes e dos escândalos noticiados com assustadora regularidade. A perniciosa corrente de tolerância com a corrupção, o empreguismo desenfreado, o compadrio, a irresponsa­bilidade com as verbas públicas, o conjunto de abusos que configuram flagrante desrespeito ao cidadão, enfim, a impunidade, exigem providências urgentes. Vem a propósito lembrar o diálogo entre dois personagens do dramaturgo alemão Bertolt Brecht na peça A Vida de Galileu. Um deles afirma enfaticamente: “Infeliz do país que não tem heróis”; e o outro rebate: “Não, amigo, infeliz do país que precisa de heróis”. Os intermitentes casos de corrupção e os problemas que acontecem no cotidiano nacional demonstram que o Brasil — apesar de todos os esforços e avanços verificados na ética e na valorização da cidadania —, lamentavelmente, ainda se enquadra no segundo caso.

Seria muita ingenuidade supor que alguma nação consiga ter pleno êxito em suas metas de desen­vol­vi­mento, em uma era cujo principal valor é a consciência ética, sem que seu princípio fundamental esteja for­te­mente arraigado em todas as instituições. À hu­ma­nidade não interessam apenas as promessas de faci­li­dades, o progresso econômico, a tecnologia de ponta e o conforto contidos no ideário comunitário. Ser ético, correto e honesto é essencial.

O arcebispo de Lyon, Monsenhor Philippe Barbarin, respondendo à pergunta sobre quais as condições de um exercício ético de poder, afirmou que em primeiro lugar está a retidão interior; depois, o respeito às regras da sociedade e, sobretudo, o bem comum daqueles pelos quais somos responsáveis (in LAFAY, Denis. A sociedade, a economia, a política, a empresa… Sob outro olhar. Acteurs de L’économie, 2009 p. 35).

De quem é a culpa pelo atual sistema político? Os principais culpados são os partidos, que aceitam filiações irresponsáveis, funcionam como legendas de aluguel, abrem as portas aos arrecadadores de votos, meros candidatos-iscas para robustecer a bancada partidária no Poder Legislativo. Os partidos políticos são cada vez menos representativos da comunidade — representam a si mesmos, vivem descolados da base social. O Brasil precisa com urgência passar a limpo o atual sistema político e reformá-lo. Os políticos precisam se conscientizar de que “a cidadania virou gente”, na feliz expressão do prof. José Murilo de Carvalho (Cidadania no Brasil: o longo caminho, 2001).

A legislação pós-1985 foi liberal. Enquanto o regime militar colocava obstáculos à organização e ao funcionamento dos partidos políticos, a legislação atual é pouco restritiva. O número de partidos cresceu desordenadamente. Em 1979, existiam dois partidos; em 1986, 29; e, hoje, quase 40. É preciso corrigir a distorção regional da representação popular. Temas relevantes permanecem na pauta da reforma do sistema político-eleitoral: redução do número de partidos; reforço da fidelidade partidária e da fidelidade ao voto; eleição direta dos vices (República e governos estaduais e municipais); redução do mandato de Senador para quatro anos e modificação do atual sistema de substituição e sucessão para o mais votado; proibição de reeleição dos parlamentares após dois mandatos; e a introdução de um sistema eleitoral que combine o critério proporcional em vigor com o majoritário, aproximando mais os representantes de seus eleitores e reforçando a disciplina partidária. Outro tema relevante é o relativo ao financiamento das campanhas eleitorais. Não é possível que a cada eleição tenhamos de assistir mazelas em razão de proble­mas relacionados ao financiamento das cam­panhas eleitorais.

A cidadania virou gente! A discussão urgente de uma agenda de reforma política é inadiável.

A verdadeira força de governantes, no dizer de H. G. Wells, não reside nos exércitos e nas forças armadas, mas no fato de os homens acreditarem que eles são inflexivelmente abertos, verdadeiros e legais. No momento em que se afastam desse padrão, o governo passa a ser apenas a “gangue no poder”, e seus dias estão contados.

Reforma política já!