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Representatividade eleitoral da mulher no Brasil

8 de março de 2016

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Cristiane de Medeiros Brito Chaves FrotaO Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio de estatística nas Eleições de 2014, revelou que quase 53% dos eleitores brasileiros são mulheres.[1] Em contraste, o percentual feminino de representantes no Congresso Nacional é de ínfimos dez por cento do total de seus membros.

Estes números remontam à própria história eleitoral brasileira. Embora documentos historiográficos apontem que as primeiras mulheres brasileiras votaram no ano de 1905, oficialmente, a pioneira no voto feminino foi a professora Celina Guimarães Viana, no município de Mossoró, no Rio Grande do Norte, em 1926.

No entanto, a consagração expressa do voto da mulher somente ocorreu em 1932, ocasião em que a Justiça Eleitoral foi normatizada por meio do Decreto no 21.076/1932, o primeiro Código Eleitoral Brasileiro.

Passadas mais de oito décadas da conquista feminina do direito ao voto e apesar das inegáveis vitórias mais recentes, com a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente da República, a participação das mulheres na história política do Brasil se mantém proporcionalmente discreta e limitada até os dias de hoje.

No Brasil, o sistema de cotas para preenchimento de candidaturas de mulheres nos partidos políticos contou com a primeira manifestação favorável no Projeto de Lei no 783/1995, de autoria da então Deputada Federal Marta Suplicy. A parlamentar propunha que no mínimo 30% das vagas de candidaturas partidárias, em todos os níveis, deveriam ser preenchidas por mulheres. Em sua justificativa para o projeto, a subscritora do texto argumentava que:

Se pensarmos no parlamento brasileiro, veremos que a participação feminina nos cargos legislativos tem avançado muito pouco. Somos hoje menos de 7% e caminhamos a passos de tartaruga. Na Assembleia Constituinte, tínhamos 4,5% de mulheres e passamos para 5% na legislatura de 1991/1995. Diferença de apenas 0,5% em seis anos! Sem ações afirmativas, esta velocidade não será aumentada de maneira que nós mulheres avaliamos como adequada.[2]

Não obstante a iniciativa da deputada federal, o primeiro importante avanço na matéria veio por meio da Lei no 9.100/1995, que no parágrafo 3o do seu artigo 11 estabeleceu que “Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidos por candidaturas de mulheres”.

Contudo, os debates sobre a participação feminina nas candidaturas por partido político não cessaram. Somente com o advento da Lei no 9.504/1997 – Lei das Eleições –, reconheceu-se a relevância do tema, tornando obrigatória aos partidos políticos uma reserva de, no mínimo, 30% de suas vagas para candidaturas de cada sexo.[3]

Este novo contexto, porém, não trouxe uma mudança efetiva e, já nas primeiras eleições após a edição da Lei no 9.504/1997, um estudo apresentado na Câmara dos Deputados[4] demonstrou que a representação feminina naquela casa sofreu retrocesso, passando de 6,38% (33 deputadas eleitas em 1994), para 5,65% (29 deputadas eleitas em 1998), em um universo de 513 deputados federais.

Alguns fatores foram atribuídos ao insatisfatório resultado após a adoção da política das cotas partidárias, destacando-se a falta de apoio financeiro dos partidos para as candidaturas femininas, o que inviabilizava a eleição das mulheres.

Somente na década seguinte, a Lei no 12.034/2009, que alterou a Lei no 9.096/1995 – Lei dos Partidos Políticos, inovou, obrigando os partidos políticos a investirem 5% de seu fundo partidário na “criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres”.

A iniciativa representou valorosa conquista para o público feminino, mas não foi suficiente para solucionar a sistêmica falta de representatividade das mulheres na política brasileira.

Ainda na incessante busca de melhores resultados, a recente reforma eleitoral de 2015, Lei no 13.165, promoveu algumas mudanças no inciso V do art. 44 da Lei no 9.096/1995, no que se refere à aplicação do Fundo Partidário e sua destinação como incremento do incentivo à participação feminina na política.[5]

Com o mesmo objetivo, o parágrafo 7o do artigo 44, também acrescentado pela Lei de Reforma Eleitoral de 2015, trouxe uma novidade. A partir de agora, os recursos do Fundo Partidário, a critério da Secretaria da Mulher ou de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política tratados nos incisos IV e V, poderão ser acumulados em diferentes exercícios financeiros, desde que mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em campanhas eleitorais de candidatas do partido.

O artigo 9o da Lei no 13.165/2015 especifica ainda que, nas próximas três eleições, as legendas deverão reservar, em contas bancárias específicas, no mínimo 5% e no máximo 15% dos recursos do Fundo Partidário destinados ao “financiamento das campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o inciso V do art. 44 da Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995”.

A despeito de todos os incentivos norteadores das políticas de cotas femininas partidárias, a discreta participação das mulheres na política atual está longe de representar, na sua devida proporção, a sociedade brasileira.

Um artigo divulgado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), da Presidência da República, evidenciou, nas eleições de 2014, aumento de 46,5% no número de candidatas aos cargos públicos elegíveis, em comparação às eleições de 2010. Esse aumento, entretanto, não fez que a presença da mulher na Câmara dos Deputados ultrapassasse os inexpressivos 10% de suas vagas, apesar de as mulheres serem a maioria da população brasileira, concluiu o estudo.

A configuração do Congresso Nacional após as eleições de outubro de 2014 apresentou pequeno aumento de mulheres em números reais. Foram eleitas 51 deputadas federais nesse último pleito e cinco mulheres para o Senado Federal.[6]

De outro turno, comparativamente ao comprovado aumento de candidaturas femininas por partido político em 2014, o TSE revelou, em números, disparidade no percentual de candidatas mulheres efetivamente eleitas, que não atingiu o resultado esperado com a implementação da política de cotas impostas aos partidos.

Isso ocorreu porque a legislação que discorre sobre as cotas estabelece aos partidos políticos a obrigatoriedade da inclusão de mulheres como candidatas. No entanto, não reserva a elas um número mínimo de vagas por legislatura. Esta lacuna normativa possibilitaria aos líderes partidários recrutarem mulheres sem, contudo, contemplá-las com o investimento mínimo de capital necessário para o sucesso de suas candidaturas.

Por esta razão, a lei de cotas partidárias pode ter impacto limitado, por não exigir uma eleição mínima de mulheres, garantindo a elas, dessa forma, maior representatividade no parlamento brasileiro.

Em contrapartida, as iniciativas para mudar esse quadro e melhorar a participação feminina no universo político do País são frequentes nas pautas do legislativo brasileiro. Em junho de 2015 foi votada, na Câmara dos Deputados, antiga Proposta de Emenda Constitucional, a PEC no 182/2007, que, entre vários temas de reforma política, visava garantir o preenchimento de um percentual mínimo de vagas para mulheres no legislativo, em todos os níveis das eleições proporcionais. Nesse particular, o texto foi rejeitado pelos Deputados Federais. Dos 513 parlamentares, apenas 293 votaram a favor da reserva de vagas, entendendo os parlamentares que esta retenção se contraporia ao princípio da igualdade entre homens e mulheres.

Já outro projeto de mesmo teor, de iniciativa da Comissão de Reforma Política do Senado, foi votado no plenário do Senado Federal em setembro de 2015, e, em segundo turno, a maioria absoluta dos Senadores foi favorável à PEC no 98/2015, que prevê reserva mínima de cotas de vagas femininas de modo gradual.

O texto aprovado pelo Senado Federal não estabelece cotas permanentes, incentivando a maior participação da mulher gradativamente, por um período de três legislaturas. Assim, nas eleições de 2018, as mulheres terão de totalizar 10% da composição da Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais e Câmara Legislativa do Distrito Federal. Este percentual mínimo subirá para 12% em 2022 e para 16% em 2026.

A matéria, contudo, ainda precisa ser votada no plenário da Câmara dos Deputados, onde projeto semelhante foi recentemente rejeitado.

O Brasil hoje ocupa a 129a posição no ranking mundial[7] de representação feminina no legislativo entre 189 países. A aprovação das cotas femininas partidárias, bem como a reserva de vagas no legislativo, sem dúvida, representam grande avanço e marco na história eleitoral brasileira, diante do quadro de desigualdade entre gêneros no âmbito da representatividade política do País.

Pesquisadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – que não consideraram a criação de política de reserva de vagas hoje em votação no plenário do Congresso Nacional, e que poderia acelerar o processo – projetam para os próximos anos um ritmo lento no incremento da igualdade entre homens e mulheres na política do País. Nessa projeção, o público feminino atingiria uma igualdade de vagas do Senado somente em 2083, nas Câmaras Municipais em 2160 e na Câmara dos Deputados em 2254.[8]

A par da expectativa de aprovação das políticas hoje em pauta, torna-se indispensável refletir sobre a democratização da política no Brasil, descortinando novos métodos de integração das mulheres e a solução do problema da desigualdade de gêneros na representatividade da população de nosso País.

 

NOTAS__________________________________________________

1 Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais 2014-eleitorado>.

2 Disponível em: <htpp://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD19AGO1995.pdf#page=57>.

3 Lei no 9.504/1997

Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo: (Redação dada pela Lei no 13.165/2015)

I –

II –

§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. (Redação dada pela Lei no 12.034/2009).

4 Estudo apresentado na Câmara dos Deputados de autoria da Deputada Federal Iara Bernardi.

5 Lei no 9.096/1995 – Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: […] V − na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e mantidos pela secretaria da mulher do respectivo partido político ou, inexistindo a secretaria, pelo instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política de que trata o inciso IV, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total; (Redação dada pela Lei no 13.165/2015).

6 Dados divulgados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), da Presidência da República.

7 Dados divulgados pela UIP (União Interparlamentar) em junho de 2015.

8 Levantamento do doutor em estatística José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE), com base em dados da Câmara e do TSE. Disponível em: <http://m.folha.uol.com.br/asmais/2015/09/1675183-no-ritmo-atual-fim-da-desigualdade-entre-homens-e-mulheres-demoraria-240-anos.shtml>.