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Réquiem para um povo

30 de setembro de 2007

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Há tempos ela agoniza, agora não tem mais jeito, morreu mesmo, embora o corpo ainda espere sepultura.

Refiro-me à classe média, esse imenso povo que se comprime entre os miseráveis deste país e a elite dos endinheirados. Afinal, a família não tem sequer como pagar os serviços fúnebres. No Cemitério “Parque da Colina”, em minha cidade de Niterói, um jazigo perpétuo custa doze mil reais na bucha, sem parcelamento.

A morte esperada ocorreu porque a tênue luz que ainda brilhava no fim do túnel apagou-se. Uma imensa carga de impostos, a sustentar um Estado paquidérmico, desorgani-zado, caótico, que não presta serviço algum, ensanchado pelos apaniguados de sucessivos governos ineptos, foi, dizem, a causa mortis mais direta e provável.

Dias atrás, ao referir-se às vaias que sofreu, o ocupante do Planalto disse que “azelites” – entidade abstrata que o guru metalúrgico criou – não têm de fazer queixa, porque nunca ganharam tanto dinheiro quanto em seu governo. Pura verdade. Também apregoou seu prestígio entre os pobres, aos quais brinda com esmolas cada vez mais gordas e repetidas. Só esqueceu de dizer quem paga a conta: nós, classe média, esse cadáver insepulto.

Enquanto os ricos refugiam-se em seus bunckers e os pobres continuam em seus tugúrios, o João Classe Média sai de casa para ganhar o difícil dinheiro do qual o governo tunga mais de um terço e despede-se da mulher e dos filhos como quem parte para o front de guerra. O crime, organizado ou não, age nas ruas com a sensação de uma impunidade que o aparato policial gera, por seu despreparo, e a lei fomenta, por sua leniência.

A bandidagem arma-se como quem vai enfrentar uma guerra, enquanto os policiais, esses coitados, mal pagos e muito pior armados, tentam, heroicamente, impedir o avanço do crime. E, quando em um lance de sorte, conseguem prender e obter a condenação de um facínora, a passagem deste pelo cárcere é lépida, faceira e breve.

Basta dizer que, se um bandido receber pena de 24 anos, curtirá apenas 4 na cadeia. E ainda com visitas íntimas, saídas nos fins de semana e outras vantagens que a sociedade, suicidamente, lhes assegura.

E a classe média, o que faz? Tenta mobilizar-se para assegurar uma melhoria da sociedade? Certamente, não.  Acomoda-se. A pobreza é seu fantasma e o brilho de ouro dos ricos é sua única ideologia. Sabe que, se vacilar, cairá da prancha que mantém seu frágil equilíbrio. Lá embaixo, só a esmola do Bolsa Família e outras benesses com que o governo compensa a choldra e garante sua fidelidade na boca da urna.

Um pouco de sensatez não faria mal à classe média. Embora a relutância, talvez a união da imensa legião dos medianos com o proletariado, desse uma razão à existência e salvaria ambos do caos.

Agora, por exemplo, perpetua-se o mais degradante, repulsivo e espoliativo ato de humilhação nacional, com a cobrança da CPMF. Aquela contribuição provisória que Adib Jatene criou para injetar recursos na saúde. Esta continua em petição de miséria, mas a arrecadação, cada vez maior para o caixa do governo, vai muito bem. Não seria o momento de voltarmos às ruas, ou, como ovelhas obedientes, vamos, mais uma vez, baixar a cabeça e dobrar-nos à imposição?