Responsabilidade civil dos fabricantes de cigarros por danos atribuídos ao consumo do produto – Doutrina, jurisprudência e Direito comparado

31 de dezembro de 2011

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O livre-arbítrio do fumante: a assunção de risco e a culpa exclusiva da vítima como forma de exclusão de responsabilidade do fabricante

O princípio do Estado democrático de Direito, considerado um dos fundamentos da República, é a base estruturante do Estado brasileiro, figurando expressamente no caput do artigo primeiro da Constituição de 1988. Princípio de ordem maior, a democracia está inelutavelmente assentada na liberdade de escolha do cidadão. O indivíduo que habita em um Estado democrático tem a possibilidade de decidir, escolher o seu destino em função da própria vontade, contanto que não infrinja os ditames legais impostos pelo Estado.

Ao publicar o livro Espírito das leis, no ano de 1748, Montesquieu já defendia essa assertiva ao lecionar, na página 141, que:

Dans un État, c’est-à-dire dans une société où Il y a des lois, la liberté ne peut consister qu’à pouvoir faire ce que l’on doit vouloir, et à n’être point contraint de faire ce que l’on ne doit pás vouloir. […] La liberté est le droit de faire tout ce que les lois permettent.

“Em um Estado, isto é, numa sociedade em que existem leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e em não ser forçado a fazer o que não se tem o direito de querer. […] a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem.”

Em sendo assim, vale salientar, como se sabe, que a fabricação, a comercialização e o consumo do tabaco são atividades consideradas lícitas pelo Estado. Como o cidadão tem  o direito de fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, o livre-arbítrio emerge, assim, como fundamento essencial das sociedades livres e democráticas. No Brasil, a prerrogativa de escolha é um direito básico do indivíduo, podendo ele decidir livremente sobre o que mais lhe convém, com a única condição de que as suas escolhas pessoais não acarretem prejuízo a outrem. É dever do Estado, aliás, assegurar o exercício desse direito, sem intromissões indevidas, como forma de garantir a ideia de uma sociedade livre, justa e plural.

No caso específico do cigarro, a escolha por iniciar o seu consumo é uma decisão exclusiva da pessoa que opta em fumar. Na verdade, o início do consumo decorre de um comportamento multifatorial, além de ser, logicamente, uma questão relativa ao livre-arbítrio do indivíduo.

Estudos mais avançados sobre a decisão de começar a fumar indicam que a opção pelo consumo (ou não) depende de diversos motivos, tais como: perfil sociodemográfico (idade, gênero masculino ou feminino, desempenho escolar, etnia); influências sociais que afetam o uso do fumo (amigos fumantes, comportamento dos pais em relação ao fumo, normas sobre o fumo de grupos de referência); competência pessoal e social (capacidade de tomar decisões, assertividade, eficácia); e particularidades de cada indivíduo (autoestima, bem-estar psicológico) (TYAS, 1998, p. 411).

O uso do tabaco, portanto, encontra-se dissociado da publicidade do produto. Fumar ou não é um conceito relativo que varia de pessoa para pessoa, a depender de inúmeros fatores sobre a vida do indivíduo (quer sejam sociais, culturais, econômicos, psicológicos etc.). Os efeitos da publicidade não podem nem devem ser avaliados de modo objetivo, sem levar em consideração todos esses aspectos mencionados. Tanto é verdade o que se aduz que países de raízes comunistas, como os do leste europeu, onde não havia propaganda, atualmente dominam o top 15 do ranking entre as nações que mais consomem cigarros no mundo (The Economist, 2007, “Addicted in Europe”).

Desse modo, cai por terra a alegação de eventual nexo causal entre a publicidade veiculada e o fato de as pessoas começarem a fumar, estando comprovado, por estudos, que o início do consumo do produto possui íntima ligação com o ambiente social em que a pessoa se insere.

Cabe observar que apesar de todas as influências que levam ao consumo do tabaco, sejam elas quais forem, não se pode desprezar a livre escolha do indivíduo. É ele quem decide e assume exclusivamente o risco por iniciar o consumo. Os riscos associados ao uso de cigarros são de conhecimento público e notório, de sorte que os referidos riscos são por todos razoavelmente esperados. Além disso, o dever de informar sobre os malefícios do consumo é obrigatório e decorre da própria legislação. As advertências quanto à sua utilização são claras e as restrições no que tange à publicidade do produto são severas. Chega a ser despiciendo mencionar a boa-fé, a lealdade e a transparência existente na relação entre consumidor e fabricante.

Assim, conclui-se que a culpa é exclusiva da vítima no que toca ao consumo de cigarros, tendo em vista que a decisão de fumar ou não fumar é tomada por um público esclarecido e informado que faz uma opção comportamental, e nada impede que, mesmo depois de feita tal opção, os fumantes venham a tomar a decisão de parar de fumar e, efetivamente, a ponham em prática.

Independentemente da questão da dependência, o fato é que as pessoas param de fumar e a nicotina, em si, não é capaz de intoxicar o consumidor afetando a sua autodeterminação (ALVES, 2009, p. 240-241).

Portanto, o ato de fumar ou de parar o consumo é consequência da livre opção de cada pessoa. A dificuldade de parar pode ser comparada a fazer uma dieta, por exemplo, ou a interromper qualquer outro comportamento habitualmente praticado, mormente os prazerosos. A título ilustrativo, o surgeon general norte-americano estimou que 50 milhões de americanos fizeram dieta no ano de 1992, mas somente poucos, talvez 5%, obtiveram êxito em manter o novo peso, a longo prazo (U.S. Department of Health and Human Services, “The facts about weight loss products and programs”).

Denota-se que vencer um vício aprazível independe de consumo de nicotina. Assim, o ato de parar de fumar, como qualquer outro que gere satisfação, é, sobretudo, uma questão de força de vontade – de querer. Nessa linha, Denis Rosenfield, professor de Filosofia na UFRGS, faz arguta observação:

Para Aristóteles, não haveria dúvida. O indivíduo que se encontra numa condição de vício, álcool e/ou fumo, por exemplo, aí se encontra por uma decisão sua, ao se ter colocado nessa situação e podendo dela sair, por mais dificuldades que isso possa provocar. O livre-arbítrio conduziu a pessoa a essa condição, tendo ela feito uma escolha, da qual é e permanece responsável […] Logo, uma pessoa, à qual é atribuído um vício, é dele responsável por ter entrado nessa situação a partir de determinado processo de escolha seu. […] Voluntariamente, ela se colocou nessa condição. Não teria sentido dizer que um desejo irresistível a fez agir dessa maneira, pois, aqui, não estaríamos tratando o homem em sua dignidade de homem, porque o consideraríamos como um animal, desprovido da capacidade de escolha, incapaz de exercer a razão que o distingue dos animais (2009, p. 28).

Enfim, não sobram dúvidas de que o livre-arbítrio do indivíduo e a consequente assunção do risco em consumir o tabaco deságua, retilineamente, como forma de se reconhecer a responsabilidade exclusiva da vítima. Sustentar que o fumante se tornou viciado com a nicotina e, por sua dependência física e mental, não teve forças para se livrar de tal vício, não encontra respaldo sério na experiência comum (TJRS. AC no 70006270508).

O certo e o exato é que nenhum consumidor é obrigado a consumir os produtos postos à venda no mercado e se o faz pratica ato de seu exclusivo arbítrio, de sua exclusiva vontade e de sua exclusiva responsabilidade (TJRJ. AC no 2002.001.02666). O homem e a mulher são dotados de raciocínio, inteligência e livre-arbítrio para assumirem, na vida, as consequências de suas condutas, que não devem ser transferidas aos outros. Caso se puna a empresa fabricante de cigarros, ter-se-á de punir, também, os fabricantes de bebidas, em relação a quem sofre de cirrose, e de outros produtos que podem causar prejuízos à saúde de pessoas que não conseguem dominar a própria vontade e o prazer do consumo (TJSP. AC no 994.07.085566-0).

A responsabilidade do fabricante de cigarros sob o enfoque da jurisprudência no Brasil e no exterior

À parte do que foi explicado, independentemente do fundamento jurídico utilizado, é de suma importância averiguar como os tribunais no País e no exterior estão se posicionando acerca da responsabilidade do fabricante pelo fato do produto. Como se observará a seguir, tanto na América Latina quanto na Europa e nos Estados Unidos, as ações de cunho indenizatório formuladas contra as fabricantes de cigarros vêm restando infrutíferas. A jurisprudência, tanto nacional quanto estrangeira, já se encontra há algum tempo consolidada no sentido de inadmitir as pretensões ajuizadas pelos consumidores.

No ano de 2010, mais precisamente em abril, o Superior Tribunal de Justiça deparou-se, pela primeira vez, com o tema sobre a responsabilidade civil dos fabricantes de cigarros (REsp no 1.113.804). Avaliando o mérito, os ministros da 4a Turma decidiram, unanimemente, dar provimento ao recurso, não avalizando as pretensões do consumidor. Eis o trecho da ementa:

1. […]

2. […]

3. O cigarro é um produto de periculosidade inerente e não um produto defeituoso, nos termos do que preceitua o Código de Defesa do Consumidor, pois o defeito a que alude o Diploma se consubstancia em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço.

4. Não é possível simplesmente aplicar princípios e valores hoje consagrados pelo ordenamento jurídico a fatos supostamente ilícitos imputados à indústria tabagista, ocorridos em décadas pretéritas – a partir da década de cinquenta –, alcançando notadamente períodos anteriores ao Código de Defesa do Consumidor e as legislações restritivas do tabagismo.

5. Antes da Constituição Federal de 1988 – raiz normativa das limitações impostas às propagandas do tabaco –, sobretudo antes da vasta legislação restritiva do consumo e publicidade de cigarros, aí incluindo-se, notadamente, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9.294/96, não havia dever jurídico de informação que impusesse às indústrias do fumo uma conduta diversa daquela por elas praticada em décadas passadas.

6. Em realidade, afirmar que o homem não age segundo o seu livre-arbítrio em razão de suposta “contaminação propagandista” arquitetada pelas indústrias do fumo é afirmar que nenhuma opção feita pelo homem é genuinamente livre, porquanto toda escolha da pessoa, desde a compra de um veículo a um eletrodoméstico, sofre os influxos do meio social e do marketing. É desarrazoado afirmar-se que nessas hipóteses a vontade não é livre.

7. A boa-fé não possui um conteúdo per se, a ela inerente, mas contextual, com significativa carga histórico-social. Com efeito, em mira os fatores legais, históricos e culturais vigentes nas décadas de cinquenta a oitenta, não há como se agitar o princípio da boa-fé de maneira fluida, sem conteúdo substancial e de forma contrária aos usos e aos costumes, os quais pré-existiam de séculos, para se chegar à conclusão de que era exigível das indústrias do fumo um dever jurídico de informação aos fumantes. Não havia, de fato, nenhuma norma, quer advinda de lei, quer dos princípios gerais de Direito, quer dos costumes, que lhes impusesse tal comportamento.

8. Além do mais, somente rende ensejo à responsabilidade civil o nexo causal demonstrado segundo os parâmetros jurídicos adotados pelo ordenamento. Nesse passo, vigora do Direito Civil brasileiro (art. 403 do CC/02 e art. 1.060 do CC/16), sob a vertente da necessariedade, a “teoria do dano direto e imediato”, também conhecida como “teoria do nexo causal direto e imediato” ou “teoria da interrupção do nexo causal”.

9. Reconhecendo-se a possibilidade de vários fatores contribuírem para o resultado, elege-se apenas aquele que se filia ao dano mediante uma relação de necessariedade, vale dizer, dentre os vários antecedentes causais, apenas aquele elevado à categoria de causa necessária do dano dará ensejo ao dever de indenizar.

10. A arte médica está limitada a afirmar a existência de fator de risco entre o fumo e o câncer, tal como outros fatores, como a alimentação, o álcool, a carga genética e o modo de vida. Assim, somente se fosse possível, no caso concreto, determinar quão relevante foi o cigarro para o infortúnio (morte), ou seja, qual a proporção causal existente entre o tabagismo e o falecimento, poder-se-ia cogitar de se estabelecer um nexo causal juridicamente satisfatório.

11. As estatísticas – muito embora de reconhecida robustez – não podem dar lastro à responsabilidade civil em casos concretos de mortes associadas ao tabagismo sem que se investigue, episodicamente, o preenchimento dos requisitos legais.

12. […]

Ainda no ano de 2010, a própria 4a Turma afastou mais duas pretensões indenizatórias por danos materiais e morais atribuídos ao consumo do tabaco (REsp no 703.575 e REsp no 886.347). Em 2011, o STJ proferiu mais quatro decisões nesse mesmo sentido (REsp no 982.925, REsp no 866.728, REsp no 889.559 e REsp no 1.165.556). O leading case acima colacionado comunga com o mesmo entendimento de outros tribunais localizados fora do País. No cenário judicial, ao redor do mundo, vem prevalecendo as teses dos fabricantes, ex vi:

Argentina – La Cámara Nacional de Apelaciones en lo Civil – j.31.10.2008 (Yacussi De Perez et al. vs. Nobleza Picardo et al.)

Debo agregar también, que la publicidad relacionada con el consumo de cigarrillos – dentro del marco establecido por la normativa vigente – también es una actividad lícita tendiente a la venta del producto que tal industria fabrica, por lo que este hecho no puede ser generador de responsabilidad alguna. […] En consecuencia, no puede calificarse de “víctima inocente” a quien sabiendo de los riesgos que entrañaba el desmesurado hábito de fumar siguió haciéndolo.

Argentina – A Câmara Nacional de Apelações – j.31.10.2008 (Yacussi De Perez et al. vs. Nobleza Picardo et al.)

Devo também acrescentar que a publicidade relacionada ao tabagismo – dentro do quadro estabelecido pela legislação vigente – é também uma atividade legal visando à venda do produto que esta indústria fabrica, de modo que este fato não pode ser gerador de responsabilidade alguma. […] Por conseguinte, não pode ser descrito como “vítima inocente” a quem, sabendo dos riscos envolvidos no excesso de fumar, continuou a fazê-lo[1].

Chile – El 20o Juzgado Civil de Santiago – j. 16/12/2008 (Andrés Javier Rada Meza vs. Chiletabacos)

Los cigarrillos no constituyen un producto defectuoso, sino uno riesgo y, por lo tanto, la construcción argumental que se intenta aplicar al caso es del todo improcedente. […] En efecto, la sola lectura de la demanda deja de manifiesto que fue el proprio demandante quien decidió fumar. No obstante existir a su disposición información y antecedentes en relación a que esto podía incidir negativamente en su salud, el se decidió a hacerlo y mantuvo dicha decisión por largo tiempo. […] No puede, por tanto, pretender después transferir la responsabilidad por sus decisiones a terceros.

Chile – O 20o Tribunal de Justiça de Santiago – j. 16/12/2008 (Andrés Javier Rada Meza vs. Chiletabacos)

Cigarros não constituem um produto defeituoso, mas de risco e, portanto, a construção de argumentação que tenta aplicar ao caso é completamente irrelevante. […] De fato, a mera leitura da aplicação deixa claro que foi a própria autora quem decidiu fumar. Embora houvesse informações disponíveis a respeito de que isso poderia afetar negativamente sua saúde, ela decidiu fazê-lo e manteve a decisão por um longo tempo. […] Não pode, portanto, pretender depois transferir a responsabilidade por suas decisões para terceiros[2].

España – El Tribunal de Justicia de Alicante – j. 07.01.2003 (Dominguez Lopez vs. Altadis)

La fabricación y distribución de tabaco es una actividad lícita en nuestro país, sin que se haya demostrado que la demandada pusiera en el mercado un producto defectuoso o que careciese de la información exigida por las normas reglamentarias con relación a los perjuicios que el tabaco puede originar a la salud. Es un hecho notorio conocido por todos, que el tabaco es una sustancia legal con advertencia en la cajetilla desde hace casi veinte años de los riesgos que comporta su consumo, habiéndose efectuado desde la década de los años sesenta numerosas campañas en los medios de comunicación advirtiendo de los peligros que puede comportar el consumo de tabaco para la salud.

Espanha – O Tribunal de Justiça de Alicante – j. 07.01.2003 (Dominguez Lopez vs. Altadis)

A fabricação e a distribuição de tabaco é uma atividade lícita em nosso país, sem que se tenha demonstrado que o arguido colocou no mercado um produto defeituoso ou que carecesse de informações exigidas pela regulamentação em relação ao potencial dano do tabaco à saúde. É um fato de notório conhecimento que o tabaco é uma substância legal com um aviso na embalagem há quase vinte anos sobre os riscos associados ao seu consumo, tendo sido feitas, desde o início dos anos sessenta, muitas campanhas, na mídia, de alerta aos perigos para a saúde os quais podem resultar do consumo de tabaco[3].

Da França, extrai-se interessante precedente em que os herdeiros de uma vítima de câncer de pulmão, que tinha começado a fumar aos 13 anos, consumindo, em média, dois maços por dia, processou a SEITA, fabricante do ramo tabagista. A Corte de Cassação, localizada em Paris, tribunal de última instância em matéria civil e criminal (uma espécie de STJ francês) julgou improcedente a pretensão formulada pelos autores, alegando que, entre outros argumentos, a ninguém é dado desconhecer os malefícios causados pelo tabaco.

France – La Cour de Cassation (2o Chambre Civile, 20 nov. 2003, Dalloz 2004, chr., p. 653)[4]

Le lien de causalité entre le dommage invoqué et les fautes de la SEITA n’est pas établi. […] il ne peut lui être reproché d’avoir manqué à une obligation d’information avant la loi Veil de 1976.

França – A Corte de Cassação (Câmara Civil 2, 20 nov. 2003, Dalloz 2004, chr., p. 653)

O nexo de causalidade entre o dano alegado e as falhas da SEITA não está estabelecido. […] Ele não pode ser acusado de ter violado o dever de informação perante a lei Veil, de 1976[5].

 Na Alemanha, o leading case ocorreu no ano de 2004. O Tribunal Regional de Arnsberg julgou improcedente o pleito formulado pelo consumidor de tabaco. Em grau de recurso, o Tribunal Regional Superior de Hamm manteve, definitivamente, a decisão, negando provimento ao pedido de indenização pleiteado por Wolfgang Heine, que consumia cigarros desde 1964. Colhe-se importante passagem da decisão:

Deutschland – Gericht: Oberlandgericht Hamm. Beschluss verkündet am 04.06.2004. Rechtgebiete: ProdHaftg, BGB[6]

Das Landgericht hat zutreffend ausgeführt, dass eine Haftung der Beklagten als Zigarettenproduzentin der Umstand entgegensteht, dass die von ihr vertriebenen Zigaretten keine fehlerhaften Produkte darstellen. Entgegen der Auffassung des Klägers ist ein haftungsrelevanter Konstruktionsfehler bei Zigaretten nicht zu bejahen, was gleichermaßen für den Bereich der unerlaubten Handlung wie die Regelungen des Produkthaftungsgesetzes gilt. Die vom Zigarettenrauchen für den Konsumenten ausgehenden Gefahren für die Gesundheit sowie die Gefahr des Abhängigwerdens bzw. der Entstehung einer Sucht sind seit langer Zeit in der gesamten Bevölkerung allgemein bekannt.

Alemanha – Tribunal: Tribunal de Recurso de Hamm. Decisão anunciada em 04.06.2004. Áreas do Direito: Lei de Responsabilidade de Produto, Código Civil

O Tribunal Regional argumentou de maneira exata que se opõe a uma responsabilidade da acusada como fabricante de cigarros o fato de os cigarros por ela vendidos não se tratarem de produtos defeituosos. Contra a concepção do acusador, não se pode confirmar uma falha de construção que fosse relevante a uma responsabilidade, o que igualmente vale para a área de um delito como a regulamentação da lei da responsabilidade do produto. Os perigos para a saúde que acompanham o fumar de cigarros, bem como o perigo de se tornar dependente relativamente ao surgimento de um vício, são de conhecimento geral, há muito tempo, por toda a população[7].

Já na Escócia, no Reino Unido, mais precisamente em Edimburgo, a pretensão também foi recusada pela sua mais alta Corte de Justiça. No caso em apreço, Margaret Mctear formulou pedido de indenização contra a empresa Imperial Tobbacco. Dentre as várias razões levantadas, vale mencionar importante trecho do julgado:

UnitedKingdom – Outer House, Court of Session – [2005] Csoh 69 – Opinion of Lord Nimmo Smith in the cause Mrs Margaret Mctear against Imperial Tobacco Limited[8].

I am satisfied that at all material times, and in particular by 1964, the general public in the United Kingdom, including smokers and potential smokers, were well aware of the health risks associated with smoking, and in particular of the view that smoking could cause lung cancer. I am also satisfied that Mr. McTear was aware, in common with the general public, well before 1971 of the publicity about the health risks associated with smoking, and in particular the risk of lung cancer. As with many other aspects of his life, he chose to ignore it.

ReinoUnido – Casa Exterior, Sessão da Corte – [2005] Csoh 69 – Parecer do Senhor Nimmo Smith na causa Sra. Margaret Mctear contra a Imperial Tobacco Limited

Estou convencido de que em todos os momentos relevantes, e em particular em 1964, o público em geral, no Reino Unido, incluindo fumantes e fumantes em potencial, estavam bem cientes dos riscos de saúde associados ao consumo de cigarros, e em particular da opinião de que fumar pode causar câncer de pulmão. Também estou convencido de que o Sr. McTear estava ciente, assim como o público em geral, bem antes de 1971, da publicidade dos riscos à saúde associados ao consumo de cigarros, e em particular do risco de câncer de pulmão. […] Tal como acontece com muitos outros aspectos de sua vida, ele optou por ignorá-los[9].

Nos Estados Unidos, as decisões, de um modo geral, também não abrem divergência em relação às proferidas pelos demais países. No entanto, necessário se faz relembrar que o sistema norte-americano é fundado na common law, pelo qual o precedente judicial é determinante para a sorte do processo. Característica singular é que, diferente do Reino Unido, que também é baseado no mesmo sistema, o júri, nos Estados Unidos, possui legitimidade para apreciar pedidos de caráter indenizatório por danos atribuídos ao consumo de cigarros. Portanto, fica nas mãos de um júri leigo, sem qualquer formação jurídica, a decisão sobre a responsabilidade do fato do produto.

Ainda assim, em recente decisão, de abril de 2011, o júri de Saint Louis, Missouri, acolheu os argumentos das empresas fabricantes de cigarros, cuja alegação foi no sentido de que os cigarros não são projetados de forma negligente ou defeituosa (Wiston-Salem Journal, 2011, “Tobacco companies wins favorable verdict”).

Portanto, pelo exposto, tendo em vista as decisões proferidas, é de se concluir pela não responsabilidade do fabricante de cigarros pelo fato do produto. Seja em virtude do livre-arbítrio do consumidor, seja pela ausência de defeito no cigarro, argumentos sólidos e robustos não faltam para avalizar tal entendimento. Como foi aventado, o cigarro é um produto de perigo inerente, no entanto, rigorosamente regulado e fiscalizado pelo Estado. A restrição imposta à publicidade e as constantes advertências quanto à nocividade de seu uso têm sido amplamente divulgadas por décadas. De modo que as Cortes internacionais, independentemente de estarem localizadas na Europa, nos Estados Unidos ou na América do Sul, vêm compartilhando os mesmos fundamentos jurídicos para isentar a responsabilidade do fabricante. Assim, a coincidência dos julgados, ao cruzar fronteiras, só respalda ainda mais a concepção democrática em relação ao homem de que tudo quanto aumenta a liberdade aumenta, também, a responsabilidade.

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Referências Bibliográficas

ALVES, José Carlos Moreira. Estudos e pareceres sobre livre-arbítrio, responsabilidade e produto de risco inerente (O paradigma do tabaco: aspectos civis e processuais). Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

Casa Exterior, Sessão da Corte – [2005] Csoh 69 – Parecer do Senhor Nimmo Smith na causa da Sra. Margaret Mctear contra a Imperial Tobacco Limited.

El Tribunal de Justicia de Alicante – j. 07.01.2003 (Dominguez Lopez vs. Altadis).

El 20o Juzgado Civil de Santiago – j. 16/12/2008 (Andrés Javier Rada Meza vs. Chiletabacos).

http://www.scotcourts.gov.uk/opinions/2005CSOH69.html#conclusions.

http://www.judicialis.de/Oberlandesgericht-Hamm_3-U-16 04_Beschluss_04.06.2004.html.

http://www.preziosi-handicap.org/fr/information/juridique/theme-15-principes-de-la-responsabilite-civile/id-14-victimes-du-tabac.

La Cámara Nacional de Apelaciones en lo Civil – j.31.10.2008 (Yacussi De Perez et al. vs. Nobleza Picardo et al.).

La Cour de Cassation (2e Chambre Civile, 20 nov. 2003, Dalloz 2004, chr., p. 653).

Montesquieu – L’esprit des lois. Nouvelle édition, Paris: Librairie Garnier Freres, livre XI, chapitre III, “Ce que e’est que la liberte”.

ROSENFIELD, Denis Lerrer. Liberdade de escolha. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.

STJ. REsp no 1113804/RS, rel. min. Luís Felipe Salomão.

The Economist: “Addicted in Europe”. http://www.economist.com/node/9177235.

TJRJ. AC no 2002.001.02666, rel. des. Miguel Ângelo Barros.

TJSP. AC no 994.07.085566-0, rel. des. José Roberto Bedran.

TJRS. AC no 70006270508, rel. des. Leo Lima.

Tribunal de Recurso de Hamm. Decisão anunciada em 04/06/2004. Áreas do Direito: Lei de Responsabilidade de Produto, Código Civil.

TYAS, S.L. and Pederson. L. L. Psychosocial factors related to adolescent smoking: a critical review of the literature. Tobacco Control, 7(4) 1998.

US Department of Health and Human Services, “The facts about weight loss products and programs”.

Wiston-Salem Journal, “Tobacco  companies wins favorable verdict”, 2011.


[1] Tradução feita pelo próprio autor.

[2] Tradução feita pelo próprio autor.

[3] Tradução feita pelo próprio autor.

[4] Disponível também em: http://www.preziosi-handicap.org/fr/information/juridique/theme-15-principes-de-la-responsabilite-civile/id-14-victimes-du-tabac.

[5] Tradução feita pelo próprio autor.

[6] Disponível também em: http://www.judicialis.de/Oberlandesgericht-Hamm_3-U-16 04_Beschluss_04.06.2004.html.

[7] Tradução feita pelo próprio autor.

[8] Disponível também em: http://www.scotcourts.gov.uk/opinions/2005CSOH69.html#conclusions.

[9] Tradução feita pelo próprio autor.