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Responsabilidade civil das empresas de ônibus por assalto a empregado

15 de dezembro de 2013

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José Geraldo da FonsecaIntrodução

Não há consenso nos tribunais sobre a possibilidade de imputar responsabilidade civil às empresas de ônibus pela obrigação de indenizar empregado, por dano moral, nos casos de assalto aos coletivos na via pública. Parte da doutrina entende que as empresas de ônibus exercem, por delegação do poder público, atividade pública de transporte de passageiros e devem, tanto quanto o Estado, responder objetivamente pela lesão causada aos passageiros ou a seus próprios empregados em caso de assalto. Outra parte entende que o assalto a passageiros é caso fortuito externo, e a empresa de ônibus somente poderá responder por alguma indenização, inclusive por dano moral aos empregados, em caso de dolo ou culpa.

Os tribunais do trabalho enfrentam essas questões diariamente, mas as soluções são díspares até mesmo entre as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho, a quem cabe uniformizar a jurisprudência. Muita vez, as premissas em que a indenização se funda são eleitas equivocadamente: ou os juízes se arrimam em regras próprias dos contratos de transporte ou de seguro, que não se aplicam ao caso, ou em surrada ponderação de princípios que, decididamente, não tem nenhuma pertinência com a hipótese julgada.

Responsabilidade civil objetiva e subjetiva

Não há indenização sem dano, mas nem todo dano é indenizável. Somente o dano ilícito o é. A obrigação de indenizar exige que o dano tenha sido causado por um ato ilícito do agressor. Ato ilícito é todo aquele que, praticado por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.Também comete ato ilícito aquele que exerce um direito excedendo manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.2 Logo, a responsabilidade civil no direito brasileiro é, em regra, subjetiva, e funda-se em um ato ilícito3. A responsabilidade civil objetiva é exceção que tem de estar expressa na lei ou decorrer do risco que a atividade normal do causador do dano criar para o direito de terceiros.

Nas ações de indenização por ato ilícito fundadas na responsabilidade subjetiva do agressor, a vítima tem de provar a culpa do agente. Se não há prova da culpa, não há dever de indenizar. Mas o Código Civil também diz que pode haver responsabilidade sem culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem4.

A regra, portanto, é esta: se a responsabilidade do causador do dano é subjetiva, exige-se da vítima a prova da culpa do agressor; se não houver prova dessa culpa, a indenização não será devida; se a responsabilidade do autor do dano já está prevista em lei como objetiva, ou se a atividade normalmente desenvolvida pelo causador do dano implicar, por si mesma, risco para os direitos de terceiros, a responsabilidade é objetiva e, portanto, presumida, e a vítima não precisa provar nenhuma culpa, cabendo ao causador do dano a prova de que não houve o dano, que ele decorreu de caso fortuito, força maior ou de culpa exclusiva da vítima, em qualquer de suas modalidades (negligência, imperícia, imprudência).

Caso fortuito e força maior

O art. 393, do Código Civil, diz que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito, ou força maior, exceto se houver expressamente responsabilizado por eles. O caso fortuito, ou de força maior, retira do fato jurídico o “nexo de causalidade entre o inadimplemento e o dano, de modo que não haverá obrigação de indenizar”5. Como regra, portanto, o devedor de qualquer obrigação somente responderá pelo dano decorrente do caso fortuito ou da força maior se disser expressamente que o fará. Caso fortuito, ou de força maior, é o fato necessário cujos efeitos não era possível evitar ou impedir6. Se os efeitos do fato não podiam ser evitados, ou impedidos, há caso fortuito, ou de força maior, e não é possível imputar a alguém a sua culpa nem pedir indenização.

Um exemplo talvez explique melhor: se alguém, em condições normais de tráfego, dirige um carro em meio a uma tempestade, e esse veículo é atingido por um raio e, por causa disso, se desgoverna e atinge outro veículo, não há culpa nem indenização. O raio é um fato natural cuja ocorrência danosa era impossível evitar ou impedir.

A jurisprudência e a questão dos assaltos

Na questão dos assaltos, o STJ tem duas linhas de jurisprudência. Se o assalto ocorre dentro de uma agência bancária, por exemplo, a responsabilidade é do estabelecimento bancário, porque zelar pela integridade física dos clientes que ali comparecem por força das obrigações como correntistas é obrigação própria da atividade-fim dos bancos. A possibilidade de ocorrer um assalto no interior de uma agência bancária é um evento previsível e evitável. Embora se trate de caso fortuito, diz-se que é fortuito interno, isto é, insere-se na atividade normal da empresa bancária. Mas, se o assalto ocorre dentro de um ônibus, por exemplo, é caso fortuito externo, isto é, não está no rol daqueles eventos previsíveis que a empresa de ônibus poderia evitar mesmo que tivesse tomado alguma providência.

Responsabilidade das empresas de ônibus em relação aos empregados

Ninguém duvida que assaltos possam deixar sequelas emocionais na vítima. Essa é uma ilação que decorre do senso comum, daquilo que ordinariamente acontece. Tratando-se, todavia, de assalto ocorrido no interior de coletivos, embora se admita, a priori, a possibilidade de existência do dano psicológico, não há base legal que permita estabelecer nexo de causalidade entre o fato criminoso e a atividade da sociedade empresária. Logo, nesses casos, empregados (motoristas, cobradores ou fiscais de tráfego, entre outros) não têm direito a nenhuma indenização por dano moral.

É equívoco presumir a responsabilidade civil da empresa de ônibus no assalto pelo simples fato de transportar pessoas, porque essa atividade não é do tipo que cria risco potencial para o direito de outrem. A atividade normalmente desenvolvida pelas empresas de ônibus é o transporte de pessoas, e nisso não reside aquele perigo potencial de dano a outrem de que fala o parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Ora, se a responsabilidade objetiva das empresas de ônibus, no caso de assaltos, não está em nenhuma lei, nem o transporte de pessoas é daquele tipo de atividade que traga em si o risco para terceiros, não se trata, obviamente, de responsabilidade objetiva, e não se pode presumir culpa do empresário. Se trata-se de responsabilidade subjetiva, o fundamento da indenização é a culpa do causador do dano, como está nos arts. 186 e 187 do Código Civil, mas ambos falam em indenização por ato ilícito, isto é, ação contrária ao direito que exige prova cabal da culpa pela parte que reclama a indenização. Se o assalto é crime praticado por terceiros, não há fundamento algum em dizer que a empresa de ônibus praticou “ato ilícito” ou nele teve algum tipo de culpa. Parece-me claro que nenhuma indenização por dano moral é devida ao empregado que, circunstancialmente, estiver trabalhando no veículo assaltado. Como visto, trata-se de fortuito externo, e não é possível estabelecer, juridicamente, nexo de causalidade entre o evento danoso e a responsabilidade da empresa de ônibus.

Alguns julgados do TST fiam-se na Súmula 187 do STF para legitimar a condenação das empresas de ônibus. O equívoco é manifesto. Segundo a súmula, a “responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”. Fala-se, aqui, em acidentes com passageiros em que a lesão é causada por terceiros. A hipótese é de interpretação do contrato de transporte. No contrato de transporte, quando o passageiro paga o bilhete, firma com o transportador um contrato tácito por meio do qual o transportador se obriga a transportá-lo são e salvo do local de embarque ao ponto de destino. Se, a meio caminho, um terceiro impede a realização desse contrato, o transportador responde pelo inadimplemento do contrato de transporte, indeniza o passageiro e vai buscar ressarcimento contra o causador do dano. Não é disso que estamos tratando. Assaltos são crimes. A responsabilidade civil é do Estado, a quem cabe garantir a incolumidade física das pessoas e de seu patrimônio.

Notas ___________________________________________________________________

1 Código Civil, art. 186.

2 Código Civil, art. 187.

3 Código Civil, art. 927.

4 Código Civil, art. 927, parágrafo único.

5 BDINE JR., Hamid Charaf. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenação Ministro Cezar Peluso. São Paulo: Manole, 2007, p. 282.

6 Código Civil, art. 393, parágrafo único.