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Rioprevidência: os desafios do assessoramento jurídico de uma autarquia em reestruturação

31 de agosto de 2008

Procurador do Estado, Diretor Jurídico do Rioprevidência

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Ao final de setembro de 2007, recebi da Procuradora-Geral do Estado, Dra. Lúcia Léa Guimarães Tavares, e dos Subprocuradores-Gerais, Dr. Rodrigo Mascarenhas e Dr. Henrique Rocha, um “convite” e tanto: ocupar o cargo de Diretor Jurídico do Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro – Rioprevidência.  O convite, na verdade, era uma missão institucional de enorme relevância. Finalmente, o Estado se apercebeu de que o fundo de pensão de seus servidores, com patrimônio de cerca de R$ 54 bilhões, é o segundo maior do país, perdendo apenas para a Previ, do Banco do Brasil.  Era necessário instituir uma gestão independente e profissional na autarquia, para o que foram trazidos o atual Diretor-Presidente, Wilson Risolia Rodrigues, e outros técnicos de grande capacidade.
A administração competente dos ativos do Rioprevidência envolvia a adoção de medidas que ampliassem a rentabilidade de sua carteira imobiliária e, sobretudo, o bom aproveitamento dos royalties do petróleo que lhes foram incorporados ao patrimônio pelo Estado, de modo a garantir as reservas de longo prazo e, paulatinamente, reduzir o déficit atuarial do regime próprio de previdência social dos servidores públicos do Estado. Por óbvio, exigiam-se soluções tecnicamente corretas, juridicamente sustentáveis, criativas e, sobretudo, transparentes, de modo a que os servidores públicos, ativos e inativos, e pensionistas do Estado, bem como toda a população fluminense, tivessem inteiro conhecimento de tudo o que se fizesse com os recursos do Fundo.
Toda essa agenda positiva, no entanto, também trouxe consigo uma contrapartida urgente e necessária: com o então recente advento da Lei Estadual no 5.019/2007, havia sido extinto o Instituto de Previdência do Estado do Rio de Janeiro (Iperj), que foi sucedido pelo Rioprevidência em seus direitos e obrigações.  Em cumprimento ao que determina o art. 40, § 20, da Constituição Federal, passou a ser do Rioprevidência, como ente gestor único, não apenas a gestão do ativo previdenciário, como também do passivo.
Não é novidade que o extinto Iperj, de há muito, já não mais atendia adequadamente os seus propósitos.  A defasagem dos benefícios previdenciários à luz da regra constitucional da paridade entre ativos, inativos e pensionistas criou a enxurrada de ações judiciais que, hoje, representam cerca de 250 novos mandados de citação por mês.  Em passado relativamente recente, o Iperj possuía um lastimável histórico de descumprimento de decisões judiciais, que ocasionavam a cominação de pesadas multas ou mesmo outras medidas coercitivas mais extremas, como intimações para cumprimentos de ordens em 30 minutos ou mandados de condução à autoridade policial, que, ainda que de legalidade discutível, normalmente advinham de justo motivo.
Qual o papel da Diretoria Jurídica do Rioprevidência nesse cenário?  Antes de tudo, era preciso dar tranqüilidade aos órgãos técnicos para trabalharem nas atividades-fins da autarquia, que agora também envolviam o atendimento aos segurados e beneficiários do regime próprio de previdência.  Impunha-se reduzir o risco jurídico/judicial do Rioprevidência, o que deveria começar, é claro, pela mais elementar das medidas: organizar e promover, a qualquer custo, o cumprimento célere das decisões judiciais.
Com essa disposição, convidei a Dra. Juliana Caldeira e Teixeira para assumir o cargo de Coordenadora Jurídica e chefiar uma equipe 100% dedicada à administração do cumprimento de ordens judiciais – temos, atualmente, 23 pessoas exclusivamente voltadas para essa atividade.  Reorganizamos procedimentos internos e, periodicamente, revisitamos nossas rotinas sob uma análise crítica, otimizando as relações com o Grupo de Trabalho de Processos Judiciais da Diretoria de Seguridade e com a Procuradoria Geral do Estado (que representa o Rioprevidência em juízo) e uniformizando os documentos de comunicação com o Tribunal de Justiça e com as Varas de Fazenda Pública.
Os resultados não demoraram a aparecer.  Até o final de julho deste ano, foram cumpridas e informadas ao Poder Judiciário, somente quanto aos processos de revisão de pensão, 2186 decisões judiciais, contra 918 de todo o ano passado – até o final do ano, alcançaremos um aumento de 200% no atendimento das determinações dos magistrados.  Na medida do possível, temos respondido às requisições de informações da forma mais completa que nossas competências nos permitem e em tempos bem inferiores aos anteriormente praticados.  Conseguimos municiar a PGE das informações necessárias à defesa do Rioprevidência com muito maior eficácia.  Apesar de ainda haver, vez por outra, algumas surpresas desagradáveis – e, ouso dizer, alguma teratologia –, os antes justificáveis atritos com o Judiciário reduziram-se sensivelmente.  Parece-me que conseguimos a compreensão de que, nesta quadra, trabalha-se com vontade e na forma da lei.
Tais resultados foram alcançados com muito empenho e dedicação. Nossa equipe administrativa foi treinada, submetendo-se a curso de noções elementares de Direito ministrado pelos próprios integrantes da Diretoria Jurídica a custo zero, para compreender a prioridade do cumprimento das decisões judiciais e os indesejáveis efeitos de seu desatendimento.  Com o perdão da imodéstia, é impossível não notar a diferença.
Evidentemente, de nada adiantaria tanto esforço sem que se adotasse qualquer providência para que novas ações não precisem mais ser intentadas.  Anunciado pelo Governo do Estado o objetivo de atualizar os benefícios previdenciários e repactuar o passivo perante os pensionistas, judicial e extrajudicial, a Diretoria Jurídica do Rioprevidência, com o auxílio inestimável da Procuradoria Geral do Estado e da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, já concluiu os estudos que viabilizarão esse projeto histórico, elaborando as minutas dos instrumentos que fornecerão o respectivo arcabouço jurídico.
Até que a operação se inicie, algumas outras medidas pontuais já foram adotadas. Fornecemos lastro jurídico para a habilitação das pensões previdenciárias por morte de policiais militares que, apesar de consolidada jurisprudência do Tribunal de Justiça, ainda vinham sendo fixadas a menor ou simplesmente não eram concedidas, ficando o Tesouro obrigado a custear pensões provisórias por períodos excessivos e irrazoáveis.  Milhares de pensionistas, literalmente, terão suas pensões concedidas pelo Rioprevidência nos valores constitucional e legalmente corretos.
Mesmo com tanto a fazer nessa área, a Diretoria Jurídica do Rioprevidência não descurou das outras frentes de ação.  Daqui saiu o anteprojeto de lei de unificação dos regimes próprios de previdência do Estado, que, em calorosos e profícuos debates com notáveis integrantes dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado, culminou na edição da Lei no 5.260/2008, diploma elogiado noutros cantos do país, que permitiu ao Estado a manutenção do Certificado de Regularidade Previdenciária, condição indispensável para o recebimento de transferências voluntárias de recursos da União.
A Diretoria Jurídica atuou, ainda, em outras questões relacionadas à transparência na gestão da autarquia.  Atendendo às normas da Lei no 3.189/99, fizemos a minuta do Decreto no 41.356/2008, que fixa os prazos de contratação e de interstício de recontratação de auditor externo independente pelo Rioprevidência – medida posteriormente estendida para todo o Poder Executivo.  Em conjunto com a Diretoria de Investimentos da autarquia, elaboramos a Portaria no 136/2008, que disciplina os procedimentos para o credenciamento e a seleção das instituições financeiras autorizadas a operar com o Rioprevidência – agora, é possível saber com clareza o que levou o Fundo a manter aplicações financeiras num ou noutro banco.
Estamos presentes, ainda, no assessoramento jurídico para as licitações (este ano, já foram mais de 40) e nas futuras operações do Rioprevidência no mercado de capitais.  Com a indispensável ajuda da Gerente de Apoio Jurídico, Dra. Cristiane Dias Carneiro, estamos trabalhando na estruturação da licitação para securitização de bem imóvel do Rioprevidência, mediante a constituição de fundo de investimento imobiliário, um projeto inédito nos regimes próprios de previdência social de todo o país.  A Diretoria Jurídica participou do programa de certificação profissional do Rioprevidência – somos quatro os profissionais certificados pela Associação Nacional dos Bancos de Investimento – ANBID (CPA-10).  E muito mais foi feito, além do que se poderia contar neste espaço.
Tudo isso tem sido possível graças à independência que vem sendo assegurada ao trabalho da Diretoria Jurídica e à confiança franqueada pela PGE, que supervisiona constantemente nossa atuação.  Tem sido gratificante fazer parte da novidade e do que, ao meu sentir, vem sendo uma verdadeira revolução na gestão da coisa pública, sem jamais perder de vista o rumo da ética, da legalidade e da transparência.  Aguardem-nos: outras inovações virão por aí.