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Simpósio internacional coloca em pauta as relações Brasil – Estados Unidos – China no âmbito do agronegócio

21 de março de 2016

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Washington College of LawEvento realizado em fevereiro, nos Estados Unidos, integra o Programa de Estudos Judiciais Brasil-Estados Unidos, uma iniciativa da American University Washington College of Law (WCL), Banco Central do Brasil e Instituto Justiça & Cidadania

Depois que deixou de ser uma colônia portuguesa, o Brasil abandonou suas características de nação essencialmente extrativista. Porém, logo outra atividade baseada nas riquezas naturais substituiu a principal fonte de renda do então império. Assim, a jovem nação começou a ver sua economia se constituir como eminentemente agrícola. Vão longe, no entanto, os ciclos produtivos, como o da borracha e do café, que durante muito tempo deram conotação de monocultura à produção nacional. Hoje, um dos principais exportadores de diferentes produtos, nosso país está consolidado em suas atividades no chamado agronegócio. E definitivamente amparado por um conjunto leis que fornecem seguras garantias aos parceiros comerciais.

No simpósio “Aspectos Legais do Agronegócio: Brasil, Estados Unidos da América & China”, realizado em 11 e 12 de fevereiro, em Washington D.C. (Estados Unidos), não apenas a pujança brasileira no setor agropecuário teve lugar. Antes de tudo, o evento foi a oportunidade de debater sobre as normas legais que regem a produção e a exportação de itens do agronegócio. Participaram do evento, organizado pelo Instituto Justiça & Cidadania e Banco Central do Brasil, ministros, juízes, advogados, professores e estudantes de Direito.

A abertura oficial foi feita pelo diretor do Programa de Estudos Judiciais Brasil-Estados Unidos, uma iniciativa da American University Washington College of Law (WCL), Banco Central do Brasil e Instituto Justiça & Cidadania, da qual o evento faz parte. O juiz federal dos Estados Unidos Peter J. Messitte declarou que o objetivo do evento era levar conhecimentos sobre o desenvolvi-mento do agronegócio no mundo contemporâneo, principal-mente no contexto da interação do Brasil com os Estados Unidos, mas também com algumas observações adequadas sobre a atividade da China nesse aspecto. “O Brasil emergiu como uma fonte global de abastecimento para uma variedade de commodities alimentícias agrícolas. É um dos exportadores líderes mundiais de carne bovina, aves, açúcar, café e suco de laranja. Também é um grande exportador de milho e porcos e tem centenas de milhões de hectares de terra disponíveis, além dos muitos milhões de hectares já cultivados. O negócio norte-americano está no Brasil há muito tempo, Nestlé e Anderson Clayton, por exemplo. Nos últimos anos chegaram Kraft, Nabisco, General Foods, Cargill, Archer Daniels Midland e Tyson, dentre outras”, declarou, para ressaltar a escolha do tema do simpósio.

Sua apresentação foi seguida da fala de Claudio Grossman,reitor da WCL. “O agronegócio tem papel central na economia brasileira, é um setor extremamente dinâmico, provê empregos para milhares de pessoas e garante o sustento de grandes e pequenos produtores rurais. Por um longo tempo, o Brasil vem ocupando lugar de destaque na exportação de diferentes produtos agrícolas. Assim como os Estados Unidos, nossas nações têm de dividir a responsabilidade de alimentar populações mundiais”, disse Grossman.

Tiago Salles, presidente do Instituto Justiça & Cidadania, agradeceu a todos os parceiros e participantes e declarou quais foram os objetivos do simpósio. “Nós, organizadores, acreditamos que o Poder Judiciário é hoje o principal pilar da democracia brasileira. Daí a importância de proporcionar estudos neste sentido e dar visibilidade ao judiciário brasileiro.” Em seu pronunciamento, ele começou por destacar a atual crise política e institucional que afeta a economia brasileira. “À primeira vista, o país parece estar sitiado em problemas insolúveis, mas é neste momento que podemos enxergar uma novidade: a afirmação da lei. De um lado, temos a Constituição de 1988, que emerge como um documento fundamental para o direito à liberdade e garantia do Estado de Direito. Por outro lado, o Poder Judiciário passa a ser o efetivo centro de poder no país. Talvez não seja uma situação permanente pela necessidade de equilíbrio entre os poderes, mas é um fator excepcional de segurança. Atualmente, significa que as vias estão abertas para a participação do cidadão brasileiro nas mudanças, e estas serão profundas.”

Ao mencionar a longa relação que o Brasil tem com os Estados Unidos, na indústria e em outras diferentes frentes do mundo dos negócios, Salles reforçou a importância desse protagonismo do Judiciário. “Aos poucos, as leis modelam uma cultura mais ética, o que tem sido uma conquista no Brasil. É um processo em que cada brasileiro dá uma imprescindível contribuição. Somos um grande país, estamos integrados à comunidade internacional, o desafio é voltar a crescer e encontrar a estabilidade. Nesse sentido é o Poder Judiciário que tem dado as principais contribuições. Este evento demonstra que contamos com a confiança de nossos irmãos norte-americanos, sempre referência nas relações de justiça e democracia e na superação construtiva dos impasses.”

Sua apresentação foi seguida da fala do embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Luis Alberto Figueiredo, que destacou a importância do evento para o incentivo e para a ampliação do comércio bilateral entre os dois países.

Peter Messitte voltou ao púlpito para apresentar o tema “Agronegócio, uma visão global”. Após breve explicação sobre a atividade, ele declarou: “O agronegócio veio para ficar. É um fato da vida e tem claramente um papel fundamental no enfrentamento dos desafios da segurança alimentar mundial. Não obstante, está sujeito a restrições e, claro, incentivos legais, e é sobre isso que vocês vão ouvir falar nestes dois dias.”

Messitte lembrou que, distante da agricultura familiar tradicional, o agronegócio sugere envolvimento de grande escala da indústria alimentícia e, coletivamente, essas empresas lidam com toda gama de atividades, desde o desenvolvimento de tecnologias avançadas e agroquímicos, propriedade e/ou financiamento de operações de fazendas, processamento, armazenamento e distribuição de commodities fazendárias, e até mesmo a venda de produtos ao consumidor final.

A palestra na sequência, “Alimentando o mundo: o ambiente regulatório”, foi apresentada por Eric Trachtenberg, sócio no escritório de consul-toria McLarty Associations, de Washington. Ele começou destacando as mudanças pelas quais passa a indústria do agronegócio nos últimos anos, um fato que ocorre por uma série de fatores, especialmente por questões legais. “Uma nova onda de mercados emergentes está surgindo. Haverá mudanças de longo prazo que afetarão a todos, são o que chamo de megatendências.”

Uma delas, segundo ele, tem a ver com a China. “O país não tem condições de abastecer a sua demanda interna, portanto, os Estados Unidos e o Brasil estão em boa posição de fazê-lo. E para isso será necessário aumentar o fluxo comercial e a tecnologia de produção. Será importante para atender as demandas no futuro a intensificação do uso da Tecnologia da Informação. Mas também teremos que nos deparar com outras questões, como a biotecnologia e a nanotecnologia. Temos que pensar em reforma agrária, acesso a crédito, liberalização do comércio e, assim, encontrar um reequilíbrio no sistema comercial”, declarou.

Trachtenberg abordou ainda a questão da disponibilidade de terras agricultáveis, apontando a América Latina e a África subsaariana como dois locais do planeta com potencial de expansão. Pesam ainda, nessa equação, questões fitossanitárias, de segurança alimentar, concorrência por recursos naturais, volatilidade de preços, sistema de transporte e logística, redução de barreiras de importação/exportação, entre outros fatores-chave. “As demandas por alimento têm se modificado mundo afora e temos que estar preparados para suprir esse novo cenário. Há também um desperdício de 40% de nossa produção de frutas e legumes, 15% de carne bovina e 20% de aves, não podemos continuar a fazer isso. Enfim, temos que nos ajustar ao aumento de consumo, restrição nos transportes e reduzir as barreiras comerciais.” Para concluir, o palestrante lembrou da necessidade de criar consumidores “pró-ciência”, ou seja, o agronegócio precisa explicar melhor à sociedade como funcionam determinadas tecnologias e os motivos de utilizá-las em prol da produção de alimentos. “Olhando para 2030 teremos que nos preocupar com todas essas questões e não apenas em colocar o pão sobre a mesa. Os países estão tomando iniciativas próprias no que diz respeito a politicas – o Tratado Transpacífico é um exemplo –, mas é muito difícil imaginar como serão as negociações interpaíses daqui a alguns anos. Um sistema internacional global seria o ideal, mas não vejo isso acontecendo em um futuro próximo. O desafio para os formuladores de políticas e os profissionais da área jurídica é como levar adiante a questão de agricultura. Precisaremos de boas políticas de regulamentação, que deixem de afastar os mercados do comércio internacional.”

“A importância do agronegócio para a economia brasileira” foi o tema da palestra seguinte, apresentada por Isaac Sidney Menezes Ferreira, procurador-geral do Banco Central do Brasil. Além de apresentar algumas atribuições da instituição financeira voltadas à política monetária e regulação do crédito rural, ele trouxe um panorama da contribuição do agronegócio para o Brasil. De acordo com ele, cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é uma contribuição direta do agronegócio, mesmo percentual que se aplica aos empregos gerados pela atividade – no último ano, aliás, a agricultura foi um dos poucos setores a gerar novos postos de trabalho com carteira assinada. Em termos de produção de grãos, no ano passado alcançamos o sexto ano consecutivo de recorde da safra de grãos: 209 milhões de toneladas, e a projeção para 2016 é de 210,7 milhões. O PIB da agropecuária cresceu 86% de 2000 para cá, enquanto que o PIB geral cresceu 51%. “Quase 50% de nossa pauta de exportação vêm do agronegócio. O Brasil ocupa a primeira posição no que diz respeito à exportação de açúcar, café, suco de laranja, etanol e carne bovina. Com relação à produção ocupa este mesmo posto no que diz respeito a açúcar, café e suco de laranja. Nossos principais parceiros comerciais são a China, Estados Unidos, Países Baixos e Japão. Os cinco principais países com os quais o Brasil tem negócios, representam 55% do total do total de suas exportações geradas pelo agronegócio.”

Ferreira comentou que, do ponto de vista das políticas públicas, estas abrangem todo o ciclo de produção, em todos os aspectos. A agroindústria também está coberta em todos os segmentos de atuação e ainda no tocante à logística e à distribuição, no escoamento da produção, pesquisa, assistência técnica e defesa fitossanitária. “Em termos de investi-mentos, comparando 2014-15, com 2015-16, há uma previsão de aumento de 21% no crédito rural. Em relação à aquisição de máquinas, quando o câmbio estava favorável, o setor do agronegócio soube apro-veitar e, nos últimos cinco anos, importamos mais de 300 mil máquinas, o que significa agregar tecnologia a toda a cadeia produtiva. No seguro rural, uma garantia para o investidor, nos últimos cinco anos triplicaram os recursos disponíveis. Há uma previsão para 2016 de cerca de 200 milhões de dólares. “O BC integra o sistema nacional de crédito rural, cujo órgão de cúpula é o Conselho Monetário Nacional. O BC vem acompanhando a política de preços do agronegócios, o que é muito relevante para o controle inflacionário. Também somos o órgão regulador das políticas de crédito rural, o que nos permite controlar ou mitigar o choque na oferta. Na última safra houve uma disponibilização de cerca de 67 bilhões de dólares para o crédito rural, sendo 86% para a agricultura empresarial e 13,4% para a familiar.”

Em seguida, foi a vez de Luiz Claudio Caruso, adido da Embaixada do Brasil nos Estados Unidos para a área de Agricultura, apresentar a palestra “Agronegócio brasileiro: e sua relação com os Estados Unidos”. Ele começou por destacar que, distribuído em diferentes regiões e tipos de biomas, o setor agrícola representa 30% do território brasileiro, sendo que 64% do território está protegido por leis ambientais, além de mencionar os avanços tecnológicos recentes no setor, que são fruto da pesquisa e desenvolvimento oriundos das faculdades. “Brasil e Estados Unidos são parceiros naturais em agricultura. Temos uma ligação histórica bastante ampla e devemos promover e ampliar esta cooperação no mundo inteiro. Há também as pesquisas científicas, aspecto sobre o qual os dois países estão alinhados no sentido da importância de esclarecer à sociedade as questões fitossanitárias e de Organismos Geneticamente Modificados (OGM)”, informou. O palestrante também comparou as potencialidades, diferenciais, mercados abrangidos e aspetos fitossanitários de cada um dos países, no que diz respeito a determinados tipos de produtos exportados em comum por ambos, como a soja, a carne bovina e o frango.

“Agronegócio: uma perspectiva brasileira” foi o tema da palestra apresentada na sequência pelo professor Fernando Curi Peres, da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (USP). “A perspectiva que lhes darei agora é de um economista, a fim de permitir um enfoque mais alinhado com as questões jurídicas sobre a matéria”, anunciou, fazendo um resgate histórico da agricultura no contexto brasileiro desde o início do século 20. “Na nossa sociedade, hoje, existe um viés contrário à agricultura, embora tenhamos dois ministérios, um para grandes empresas e outro para a propriedade familiar. Os valores anti-rurais começaram a surgir a partir de 1930 e foram até 1980, com o processo de industrialização incentivado pelos sucessivos governos que ocuparam o poder nesse período. Com isso, o PIB agrícola em 1930 era mais de 60% e a população do Brasil representava mais de 80% em áreas rurais. Nesse período de 50 anos houve uma mudança dramática. Como foi possível penalizar um setor por tanto tempo como nós fizemos? Um dos resultados foi que no meio da década de 1950 houve problemas para alimentar a população, por isso uma das metas do presidente Juscelino Kubistchek foi expandir a área cultivável, quando se construíram prédios e armazéns, mas isso não incluiu aumentar a produtividade. Algumas políticas de preços de créditos subsidiados começaram a surgir, mas as consequências foram que usamos o sistema bancário como filtro para atingir o setor agrícola – e o setor bancário tem seus próprios critérios para escolher os clientes. Eles não iam aos pobres, mas aos empresários mais desenvolvidos para aumentar o crédito com uma política de preços mínimos. Isso foi muito eficiente e permitiu a modernização, mas cerca de 3 a 5 milhões de unidades agrícolas não tiveram acesso a isso e a lacuna só fez aumentar.”

Peres comentou que tudo isso influenciou também um atraso na pesquisa agrícola, a despeito dos investimentos em legislação para suprir esse viés nos últimos dez anos pelo menos. “Outro aspecto que prejudica o agronegócio são as políticas de taxas de juros”. Ele também tocou na questão das cooperativas agrícolas que dependem essencialmente do chamado capital social institucional. “Nas colônias europeias do Sul, vemos cooperativas muito bem desenvolvidas. Deslocando-se para o Norte, notamos a falência total do modelo, porque o nível de capital social é muito baixo nessas regiões. O governo tenta impor o modelo, por exemplo, nos assentamentos rurais. Mas isso não funciona como desejado.”

Com o ponto de vista oposto, Jason Hafemeister, coordenador de políticas comerciais, do Departamento e Agricultura dos Estados Unidos, apresentou a palestra “Agronegócio brasileiro: uma perspectiva norte-americana”. Ele falou sobre o futuro das negociações comerciais agrícolas no que se refere aos interesses entre os dois países. A palestra abordou quais são os interesses de seu país como exportador, quais os mercados de interesse, as barreiras existentes e as ferramentas disponíveis para superá-las. “Brasil e EUA têm muito em comum e isso se depreende do que ouvimos nas palestras anteriores. Temos desafios em comum, somos muitos competitivos, possuímos abundância de terra agricultável, produzimos cada vez mais commodities agrícolas cujo valor está em queda. Isto torna mais difícil para os agricultores se manterem rentáveis. Nossos mercados internos são pequenos para vender todos os nossos produtos e por isso procuramos exportar.”

De acordo com Hafemeister, o valor da produção nos EUA, chega a 400 bilhões de dólares entre gado e lavoura. “Os agricultores dependem do mercado para obter rentabilidade, por isso a importância de fomentar as exportações. Quando falamos em interesses em comum, significa que os dois países estão visando mercados no exterior e um dos principais alvos são as nações em desenvolvimento. Temos acordos de livre comércio com o México, Canadá e Coreia do Sul. Acabamos de concluir um negócio com o Japão. Agora estamos negociando com a União Europeia”, enumerou o palestrante, elencando também os entraves às exportações. “Há mais que tarifas. São muitas cláusulas não tarifárias existentes nesses acordos. Por exemplo, procedimentos de gestão de risco, indicações geográficas, nome dado aos produtos em cada localidade e a aprovação legal de itens que sejam fruto de algum novo recurso de biotecnologia.”

Para falar sobre “Agronegócio e Indústria da Carne”, subiu ao púlpito o vice-presidente sênior de Relações Internacionais do North American Meat Institute, William Westman. “Nós representamos 95% da produção de carne vermelha e 70% da de peru nos EUA, desde as empresas que trabalham com processamento até as de equipamentos. Temos sócios internacionais em vários países e nossa prioridade número um é a segurança alimentar. Nossa perspectiva para o mercado mundial de carnes é que a produção não está atendendo a demanda. Embora em nosso país o consumo esteja diminuindo, se expande em outros países, como a China. Por isso o comércio internacional é tão importante para nós quanto para o Brasil.”

Ele enumerou os fatores que incidirão sobre os negócios de seu setor neste ano, como a diminuição do poder de compra, a taxa maior de desemprego. “Há também a questão energética, mas há o lado positivo, pois podemos dizer que vimos alcançando desempenho excepcional nas exportações de carne, com 19% da produção comercializados. Em junho passado tínhamos oito fábricas aprovadas para exportação para a China. Existem boas perspectivas de negócios futuros, como a abertura de novos mercados e compra de carne congelada do Brasil, enfim, tudo isso dependerá da definição de leis e normas.”

Continuando no tema, Antonio Augusto de Souza Coelho, diretor do escritório de Advocacia Gonçalves Coelho, de São Paulo, apresentou a palestra “O ponto de vista de um produtor de carne brasileiro”. Ele destacou que a atividade do agronegócio requer o planejamento completo do ciclo e, nesse aspecto, o Brasil é extremamente dinâmico. Um panorama numérico mostrou que o rebanho brasileiro é formado por cerca de 212 milhões de cabeças, que ocupam área de pastagem superior a 200 milhões de hectares. Na exportação, a vantagem importante é que a produção no Brasil custa aproximadamente 50% menos que na Austrália e nos EUA – e isso faz toda a diferença. Ainda segundo ele, o valor da produção agropecuária estimado para 2016 é de R$ 178 bilhões, com um total de 33 estabelecimentos habilitados para exportar para a Rússia. “Há perspectivas de acordos e várias consultas para negociações com diferentes países, inclusive os Estados Unidos. Esses números mostram a pujança do setor no país, que possui, ainda, estudos de ponta na biotecnologia. É claro que existem problemas, como a falta de estrutura de logística, mas o setor privado tem procurado investir em melhorias. Resolvendo-se esta questão, não teremos limites para as exportações de carne bovina brasileira.”

Para encerrar o programa do primeiro dia de simpósio, o diretor jurídico da Itaipu Nacional, Cesar Ziliotto, convidou os presentes a assistirem o vídeo do programa “Oeste em desenvolvimento” (bit.ly/1RdOz1Z), do qual é um dos patrocinadores, mostrando as ações da empresa na iniciativa de governança regional, que visa promover o desenvolvimento econômico da região por meio de um processo de cooperação entre os setores público e privado.

Investimentos e regulação

O segundo dia de simpósio, 12 de fevereiro, começou com a palestra “Agronegócio e a indústria de grãos”, de Lorraine Riffle Hawley, diretora de relações governamentais internacionais da Archer
Daniels Midland Company (ADM). Com operações no Brasil, a companhia atua no processamento e transporte de grãos destinados à produção de ração animal, combustíveis e produtos químicos. “Hoje, existe uma demanda crescente por itens agrícolas, isso só pode ser atendido na medida em que os produtores conseguem fornecer fontes acessíveis, seguras e estáveis de alimentos e combustíveis. Regimes regulatórios consistentes, ambientes propícios para o comércio, infraestrutura adequada e políticas inteligentes são formas ideais para fornecer e fomentar o comércio agrícola, tornando-o cada vez mais forte. Daí a importância do relacionamento entre Brasil e EUA, que são duas das maiores potências do setor agrícola. Por isso mesmo, as decisões de investimento que tomamos são de extrema importância.”

A ADM do Brasil vem investindo no país desde 1997. Seus ativos incluem quatro usinas de moagem de soja e semente de girassol, diferentes instalações empacotadoras, usinas de biodiesel e de etanol e 40 elevadores de grãos ou silos, o que coloca a empresa como o sétimo maior exportador do território nacional. “Escopo jurídico e aprovação das autoridades governamentais vêm permitindo que continuemos a atuar no Brasil, pois as autoridades regulatórias do estado do Mato Grosso do Sul reconhecem o valor do nosso projeto”, comentou a diretora, elencando uma série de iniciativas de melhoria em portos e infraestrutura que ultrapassam os 200 milhões de dólares.

A segunda palestra do dia foi “O código ambiental brasileiro”, apresentada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão. Depois de uma revisão histórica, que nos mostra que um decreto da Coroa Portuguesa, ainda nos tempos de colônia, com normas sobre extração do pau-brasil, configura-se como a primeira regra florestal do Brasil. “O que quero dizer é que, desde aqueles tempos, é o Judiciário quem é chamado a decidir sobre questões de exploração da terra”, explicou o ministro.

Salomão comentou que não há, propriamente, um código ambiental, mas o que ele define como “um cipoal de leis” que, conjugadas, tratam da matéria, além do código florestal de 2002, que é o mais recente. “O primeiro código é de 1934, e foi um avanço na ocasião por ser bastante protetivo das matas nativas, já trazia a ideia de estabelecer os instrumentos de defesa do meio ambiente, sem amarrar a atividade do agronegócio. Em 1965, veio o segundo código florestal, quando já começavam os primeiros manifestos ambientalistas no mundo todo, corrente essa que chegou ao Brasil. E agora temos a lei de 2002, que chegou estabelecendo redução significativa da proteção ambiental, mas isso não ocorre de fato justamente por conta da jurisprudência.”

De acordo com o ministro, o código de 2002, que atinge também as áreas urbanas, tem como principais instrumentos de preservação as APPs (Área de Preservação Permanente) eáreas de Reserva Legal. “A APP marca uma inovação do legislador ao estabelecer as regras de preservação para matas ciliares e regiões de encosta, entre outras. Por sua vez, a Reserva Legal, que acaba estabelecendo o uso sustentável da propriedade rural, também foi grande avanço, criando o Cadastro Ambiental Rural e o Programa de Regularização Ambiental.”

Salomão encerrou sua apresentação relatando precedentes no STJ para a consolidação do código florestal. Entre eles, a função ecológica da propriedade; campo de aplicação do código florestal; natureza da obrigação de reflorestar; princípio in dubio pro natura; a questão das queimadas; regime jurídico do dano ambiental; e o papel do juiz. “Hoje, se discute se o magistrado precisa fazer o ativismo judicial para defesa do meio ambiente. Chego à conclusão de que não há necessidade de qualquer ativismo, efetivamente é a própria lei quem procura balancear os interesses aparentemente contraditórios. E basta que nós tenhamos a sensibilidade de equilibrar ade-quadamente esses instrumentos com a necessidade que o país tem de investimentos no agronegócio para que tudo funcione adequadamente como deve ser. É este exatamente o nosso papel, permitir que cada vez mais o agronegócio se desenvolva na base de um conceito com o meio ambiente razoável para que o possamos deixar para a geração seguinte.”

“Agronegócio e Biotecnologia”, painel apresentado pelo executivo David Lyons, Diretor da Faegre BD Consulting, Washington, foi o tema explanado na sequência. O assunto foi abordado apenas na referência ao milho e à soja, apresentando quais são as características embutidas em certas variedades de sementes com o uso da biotecnologia. “Fazemos pesquisas nos Estados Unidos, mas como as empresas norte-americanas atuam no Brasil essas inovações estão presentes nos produtos exportados para o país, aplicadas sob a aprovação do governo.”

Ele explicou que, atualmente, está em reforma o processo de consecução das autorizações de uso de OGM nos Estados Unidos – algo que o Brasil pode ter servido como modelo, uma vez que o trâmite costuma ser mais rápido. “O termo OMG tem conotação negativa, mas nada mais é do que o processo de tomar conteúdo genético de outro organismo e inseri-lo pra conseguir algumas benesses, como a resistência maior a pesticidas, por exemplo. Para o produtor, a biotecnologia significa lucro, bons resultados e produtividade. Para o consumidor que se opõe aos OMG, acredito ser muito mais uma questão de desconhecimento sobre as vantagens que a biotecnologia pode trazer para a produção de alimentos”, disse, relatando também alguns casos judiciais que en-volvem o comércio internacional de grãos, processos que chegaram a milhões de dólares. Um reflexo que implicou na redução, desde 2013, no volume de milho embarcado pelos Estados Unidos para a China.

Em continuidade à ideia levantada pelo pales-trante anterior, o ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino falou sobre o tema “Biotecnologia e o consumidor: dever de divulgação de riscos do desenvolvimento”. Ele aproveitou o gancho para reforçar o conceito de OGM. “Já vimos que biotecnologia nada mais é que o conjunto de técnicas de recombinação de DNA, fazendo surgir os chamados OGM. Esses organismos têm sido utilizados em diferentes setores da atividade humana. Na medicina há várias pesquisas, por exemplo, no tratamento do diabetes. Na agricultura, um exemplo bem interessante é o da China, com o tomate, e os EUA, com milho e soja – aliás, mais de 60% dos alimentos vendidos no país contêm OGM. A discussão que se tem é sobre se as informações sobre isso devem ou não constar na rotulagem dos produtos.”

De acordo com ele, no Brasil a primeira lei sobre o tema é de 1995, mas tratava muito mais dos aspectos de engenharia genética. Dez anos mais tarde, o documento foi aperfeiçoado, passando a abranger ques-tões relacionadas à biossegurança e a biotecnologia. A discussão social localiza-se em duas grandes perspectivas: meio ambiente e consumidor. Na primeira, o foco é autorização de plantio e uso de novas técnicas de OGM, a fim de evitar supostos danos ambientais. Para o consumidor, o que pesa são as questões de direito à informação. “O dever de informação trata do aspecto da autonomia conferida ao consumidor para decidir acerca do consumo de alimento geneticamente modificado. Não existe comprovação de malefícios à saúde, mas as pessoas exigem esse tipo de informação e têm esse direito.”

Nos EUA, a Food and Drugs Administration (FDA) dispensa a rotulagem, mas os estados-membro têm autonomia para exigir caso desejem. No Japão, o percentual que determina a necessidade de informar o consumidor sobre a existência de OGM naquele determinado alimento é de 5% de sua composição. No Brasil, há bastante tempo, é de 1% – um nível inclusive mantido pela Lei de Biossegurança, de 2005. “No Brasil, a dificuldade que se tem é a ausência de previsão, pelo Código de Defesa do Consumidor, no rol de eximentes do artigo 12 paragrafo 3o. Isso enseja uma grande discussão doutrinária. A maioria da doutrina não aceita a eximente no Direito brasileiro. Isso porque o nosso legislador, que se inspirou na diretiva europeia, poderia ter expressamente colocado, entre as cláusulas de exclusão da responsabilidade civil do fornecedor, essa eximente, mas não o fez. Predomina o entendimento no sentido de não acolhimento dessa eximente. Portanto, não há afastamento da responsabilidade do fornecedor.”

Na sequência, com o tema “Revisão judicial e reforma de contratos”, foi a vez do professor
David Snyder, do WCL, se apresentar no simpósio. Ele começou explicando os váriospontos de vista diferentes sobre a lei de contratos. “Existe, na verdade, uma visão liberal e uma social. A primeira pode ser vista no Código Civil do Brasil de 1916, mais ligado a visão liberal de contratos. “É o papel do Estado respeitando e tornando possível o direito do público de fazer promessas vinculantes. As pessoas não conseguem se vincular sozinhas e precisam de um fator externo. Podem fazer promessas, mas se as quebrarem, o Estado tem o instrumento do contrato social, que torna essas promessas vinculantes.” A visão social de contrato, baseada na lei de 2002, que substituiu a de 1916, vê um contrato não só como um exercício de vontade individual, mas como um evento social cooperativo e, com este conceito, há uma variedade de consequências. “Com isso, é possível entender que também existem diferentes pontos de vista legais, no Brasil e nos Estados Unidos, nas questões contratuais de qualquer tipo de atividade, incluindo o agronegócio.”

Com essa introdução, o ministro seguiu com o tema abordando alguns pontos principais: precedentes, confiabilidade entre as partes, segurança jurídica e acordos extrajudiciais. “Talvez não seja tão surpreendente que eu lhes diga que muitas partes aqui nos Estados Unidos temem ter uma causa julgada em um tribunal brasileiro. É essa ideia que se tem às vezes em relação ao Brasil, embora relute em dizer isso perante um grupo de ilustres juristas brasileiros. Quando estava elaborando minha palestra comecei a pensar que isso pode ser motivado por um fato muito simples: não existe um entendimento profundo, por parte dos norte-americanos, sobre a legislação brasileira e suas diferenças em relação aos seus próprios códigos legais. Assim, muitas partes partem do pressuposto de que, se os tribunais brasileiros decidiram de uma forma diferente, então se trata de um país sem leis. Na verdade, os juízes brasileiros estão apenas honrando os valores nacionais no que tange ao direito contratual.” A palestra mereceu comentários da professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, titular do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), que é uma especialista no tema.

“Instrumentos para o financiamento público do agronegócio” foi o tema apresentado a seguir, pelo ministro do STJ João Otávio de Noronha. Seu histórico profissional o credencia para debater o tema, não apenas por sua experiência no Judiciário, mas pela carreira de mais de 40 anos no Banco do Brasil, onde começou atuando na carteira de crédito rural. “Quando falamos nos instrumentos de financiamento é necessário lembrar que nem sempre foi fácil a concessão de crédito para o agronegócio. Até 1956 todo financiamento era dado pelos tradicionais contratos submetidos ao registro público de títulos e documentos para constituir penhor e os contratos celebrados por escritura pública. Era altamente burocrático e dispendioso. Foi então que surgiu a nota de crédito rural, primeiro instrumento a facilitar esse tipo de financiamento. Mas era insuficiente porque não admitia garantias reais, mas apenas uma espécie de garantia, conhecida como aval.”

Desde então, reporta o ministro, houve uma preocupação muito grande do legislador brasileiro em atender a necessidade do agronegócio. Afinal, a atividade ocupa 46% da pauta nacional de exportações. “Esse processo continua em andamento. Tramitam no Congresso Nacional dois projetos de código comercial, um na Câmara e outro no Senado. Fui convidado a presidir a comissão de elaboração do anteprojeto do código comercial do Senado e ficamos oito meses debruçados sobre o tema. Agora, o documento já foi distribuído, será transformado em projeto e começaremos a discussão no Senado.”

De acordo com ele, a comissão de elaboração teve cinco propósitos: ampliação da segurança jurídica; modernização da legislação brasileira; fortalecimento das normas consuetudinárias e autorregulação; simplificação e desburocratização da vida empresarial; e melhoria do ambiente negocial no Brasil. Além disso, vale mencionar que o novo código conta com um capítulo dedicado ao agronegócio.

“Regulação e concorrência no campo da agricultura”, palestra do ministro do STJ Ricardo Vilas Bôas Cueva, trouxe visões distintas sobre os vários problemas que afetam o agronegócio. Ele começou abordando a questão dos transgênicos no Brasil, que, como em toda parte do mundo, padecem até certo ponto de visões muitos contrastantes. As percepções do que seja o risco e a tolerância são muito divergentes. “Nossa Constituição é muito analítica e minudente quanto à defesa do meio ambiente. Na área da regulação dos transgênicos, padecemos de um vício fundamental ao não observar o princípio da precaução e ao não exigir um estudo de impacto ambiental prévio à autorização destes, assim como um procedimento mais complexo de licenciamento ambiental.”

O ministro lembrou que o Brasil acabou optando por um arranjo institucional que tem funcionado. “Nós temos uma lei de biossegurança que tem dez anos, mas antes dela, em 1995, a Lei no 8974 já havia desenhado esse modelo no qual a CTNbio, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, com a alta qualificação técnica de seus membros e com a possibilidade de autorizar sem um estudo de impacto ambiental prévio, acabou sendo a pedra de toque do sistema e isso tem funcionado admiravelmente bem.”

Ele citou a recente criação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cegen), no âmbito no Ministério do Meio Ambiente, que informa sobre as questões de patrimônio genético e de biossegurança e acaba também se comunicando com o sistema, que tem como centro a CTNbio. Explicou, ainda, quais são as regras para quem burlar a legislação, multas e sanções aplicadas. E apresentou alguns dos produtos agrícolas que já se enquadram no conceito de OGM. O ministro encerrou a apresentação falando sobre as questões legais que envolvem o aspecto concorrencial. “Houve um cuidado da autoridade de se guiar pelos princípios da proporcionalidade, da intervenção mínima e análise de cada caso de acordo com a chamada regra da razão.”

Encerrado com a palavra final do juiz Peter Messitte, o evento teve apoio da Itaipu Binacional, da Escola da Advocacia-Geral da União, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e do Gonçalves Coelho Advocacia.