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Sobre fúria, ilusões e memórias

17 de março de 2015

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Nelida PinonAutora reconhecida e premiada em todo o mundo, Nélida Piñon selecionou três obras que marcaram sua vida e que recomenda como fundamentais para qualquer leitor. A tarefa não foi fácil. Ainda mais quando, na opinião da escritora, vivemos como que imersos em um verdadeiro universo de possibilidades literárias. “A literatura cobre o mundo. Para onde se vire, há um livro imprescindível para a civilização”, declara.

O primeiro livro que aponta a consagrada integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL) nos conduz ao século VIII a.C: as narrativas “Ilíada” e “Odisseia”, atribuídas ao poeta Homero. “Considero textos fundacionais para o entendimento da fúria humana”, defende Nélida. Em seus milhares de versos, a Ilíada tem como tema central as aventuras do herói Aquiles durante a Guerra de Troia, que teria ocorrido entre 1300 a.C. e 1200 a.C. Em “Odisseia” está relatado o conturbado retorno do guerreiro Ulisses para sua casa, após a guerra, onde o esperam sua esposa, Penélope, e o filho, Telêmaco. Considerados o marco inicial da literatura narrativa como se conhece hoje, e dois dos maiores poemas épicos da história, as epopeias refletem suas influências também em outras manifestações artísticas e culturais até os dias de hoje. São, ainda, importantes retratos sobre como eram a organização social, os costumes e as tradições da Grécia antiga.

Para a escritora, outra obra fundamental para qualquer leitor é “Dom Quixote”, do espanhol Miguel de Cervantes. “É uma aventura enriquecida pela ilusão e pelo embuste inocente, em que assumir outra identidade impulsiona o sonho e o ridículo. Uma criação inigualável.” A obra traz a saga do protagonista homônimo, que fora de seu perfeito juízo, decide correr o mundo inspirado pela ficção romanceada sobre heroicos cavaleiros medievais. Ao lado de seu fiel escudeiro, Sancho Pança, o fidalgo castelhano se torna um cavaleiro andante. Expoente da literatura espanhola, a narrativa deve ser vista não apenas pela ótica do choque entre o idealismo e a crueza da realidade, mas pela perspectiva dos conflitos entre os distintos valores nos quais acreditam os dois personagens centrais.

A escritora carioca, nascida em Vila Isabel, cita também a obra do conterrâneo Machado de Assis, que considera como “o que o Brasil tem de melhor”, sem citar título algum dos títulos das obras que compõem o importante legado de romances, crônicas, contos, poesias e dramaturgia. Com vasta produção iniciada na segunda metade do século XIX, o escritor e jornalista talvez seja mais conhecido por duas de suas obras: “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro” – de um total de nove romances e peças teatrais, duzentos contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos e mais de seiscentas crônicas. Machado influenciou grandes nomes da nossa literatura e ainda inspira todos aqueles que amam os livros. Fundador e primeiro presidente da ABL, ele é considerado o introdutor do Realismo no Brasil, mas sua obra é de tal forma rica que não se faz marcante apenas por sua impressionante habilidade de lidar com as palavras, mas está também celebrizada pelo testemunho escrito das mudanças políticas no Brasil em seus primeiros anos como República, e por um saboroso retrato da vida cotidiana da capital do País naquele período histórico.

Filha de Lino Piñon Muiños, comerciante, e Olívia Cuiñas Piñon, Nélida recebeu estímulos para a leitura desde criança, mas foi também influenciada por constantes viagens em família. Sua obra revela, sobretudo, o amor por duas pátrias: a Galícia, de seu pai e avós maternos, e o Brasil. Formada em Jornalismo pela Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, atuou em algumas das mais destacadas publicações nacionais e estrangeiras de conteúdo sociocultural. Ainda uma viajante, Nélida participa de congressos, seminários e encontros internacionais, proferindo conferências e palestras, sobre temas ligados à cultura, à literatura e à criação literária.

Seu romance de estreia, em 1961, foi “Guia-mapa de Gabriel Arcanjo”, obra que fala sobre pecado, perdão e a relação dos mortais com Deus por meio do diálogo entre a protagonista e seu anjo da guarda. Sua obra está traduzida para países como Alemanha, Itália, Espanha, União Soviética, Estados Unidos da América, Cuba e Nicarágua. Merecedora de diversos prêmios literários, Nélida é também autora de “Madeira feita cruz” (1963); “Tempo das frutas” (1966); “Fundador” (1969); “A casa da paixão” (1972); “Sala de armas” (1973); “Tebas do meu coração” (1974); “A força do destino” (1977); “O calor das coisas” (1989); “A república dos sonhos” (1984); “A doce canção de Caetana” (1987); “O pão de cada dia” (1994); “A roda do vento” (1996); “O cortejo do divino” e “Até amanhã outra vez” (1999), “O presumível coração da América” (2002) e “Vozes do deserto” (2004).

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