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Sobre o sistema penitenciário

5 de maio de 2003

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Para limitar o caráter despótico do homem, que procura sem cessar não só retirar da massa comum sua porção de liberdade, mas ainda usurpar a dos outros, surgiram, como determinante de preservação, as penas, como instrumento de inibição dos infratores, no dizer admirável de Cesare Bonesana, o marques de Becaria, em sua célebre obra Dos Delitos e das Penas.

Com a evolução da sociedade, o confinamento prisional do infrator perde o caráter de punição como fim para transformar a pena num instrumento de reintegração do homem ao convívio social. Passa a ser instrumento de ressocialização do apenado.

Uma leitura atenta da exposição de motivos da Lei nº 7.210, de 11.07.1984, que instituiu no Brasil a chamada Lei de Execuções Penais, revelar, com surpreendente clareza, que ela simplesmente ainda não foi aplicada em sua inteireza.

A lei e eficiente, em suas linhas gerais. Estabelece a classificação dos presos, observados os seus antecedentes e personalidades, como instrumento de individualização da execução penal, medida de extrema importância para o objetivo da ressocialização; determina a realização de exame criminológico para igual c1assificação prisional; com o mesmo propósito determina a assistência material do preso, a sua saúde, a assistência jurídica, educacional, social e religiosa; garante-lhe, como forma de dignidade humana, o direito ao trabalho remunerado, estabelecendo, desde logo, a destinação da renda como meio de indenização dos danos causados a vítima do delito, desde que determinado na sentença condenatória; destina esse rendimento a sua assistência familiar, as suas despesas pessoais e ao ressarcimento do Estado, estabelecendo ainda que os sair os porventura existentes serão depositados, por constituição de pecúlio, em caderneta de poupança em seu nome, como forma de facilitar o seu retorno a sociedade; fixa normas de assistência ao egresso, enfim, contém os elementos necessários e fundamentais para a sua ressocialização. Estabelece as progressões da pena, que vão do regime fechado ao aberto, passando necessariamente pelo semi-aberto, desde que cumprido um sexto da pena e tenha o preso bom comportamento e condições psicológicas indicativas de recuperação.

A Lei de Execuções Penais também faculta ao juiz da execução determinar o cumprimento da pena em comarca diferente daquela em que se deu a condenação (art. 86). E, entretanto, uma simples faculdade, que não é usada na prática, vez que a regra e a da competência jurisdicional, isto é, que o apenado cumpra a pena no local da prática do crime. Em situações excepcionais, no interesse da segurança pública e do próprio condenado, pode dar-se o cumprimento da pena, em especial as superiores a 15 anos e em regime fechado, em locais diversos dos da condenação. Não é o que se vê, entretanto, na prática, sobretudo em razão direta da jurisdição descentralizada do sistema penitenciário, que não obriga um determinado governo estadual a receber preso condenado pela justiça de outro estado, conhecido o custo financeiro, social e político dessa transferência, como acontece, no momento, com o conhecido condenado cognominado Fernandinho Beira-Mar. E ai, a meu juízo, está a curro prazo, a solução não só do problema da superlotação carcerária, impeditiva da realização da melhor política penitenciaria, como também do ideal da ressocialização do preso.

Para atingimento desse desiderato, entretanto, é preciso que seja transferido, por lei, para a União Federal o controle da política penitenciaria, atualmente confiada aos estados. Poderia então determinar-se á União que as penas fossem cumpridas onde o condenado tivesse a base de sua família. Lá, conscientes dessa nova regra, as pessoas teriam um freio inibitório maior na perpetração do crime, pelo juízo de reprovação e de censura que elas teriam no local onde nasceram, cresceram e está situada a sua base familiar. Seria, sem duvida, uma Fonte importante de inibição da prática infracional, além de fator de redução da superlotação das prisões.

Com essa alteração estrutural e institucional poderia o sistema penitenciário funcionar de conformidade com os parâmetros básicos da sua Lei de Execuções: com seleção dos criminosos, segundo seus antecedentes e personalidade de cada qual, objetivando a individualização da execução penal; como terapia de ressocialização, a oferta de trabalho, de acordo com a formação profissional do preso; a adoção de treinamento profissional, a sua formação cultural, moral, religiosa, enfim, a efetiva prática de uma política prisional, como consta da lei, nunca efetivamente posta em pratica, na sua inteireza.

O ideal seria também que os presídios fossem constituídos de pequenos núcleos, com no Maximo 100 presos. Poderiam ser até construídos em círculos, com uma área central comum para instalação de oficinas, parques de trabalho. Terminada a jornada de trabalho diária de oito horas, retornariam os presos a seus presídios, todos próximos. Alavancar-se-ia uma efetiva política prisional, inexistente sem o componente trabalho, diuturno e remunerado.

Outro instrumento admissível de atingimento do ideal da ressocialização são os chamados juízos Especiais Criminais e a aplicação das chamadas penas alternativas aos condenados a penas iguais ou inferiores a quatro anos de prisão. Existem atualmente no pais cerca de 170.000 pessoas encarceradas e só cerca de 2% de aplicação das penas alternativas, enquanto na Alemanha, em Cuba e no Japao, o índice é de 85%, nos Estados Unidos, 68%, e na Inglaterra, 50%.

Por que não fazer? E tarefa facílima fazer-se. Basta ter a chamada, e nem sempre presente, vontade política.