SUB-ROGAÇÃO. PLANO (SEGURO) SAÚDE X SEGURO AUTOMÓVEL – NO VELHO E NO NOVO CÓDIGO CIVIL

5 de maio de 2002

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O tema da ementa me foi posta através de consulta conforme abaixo formulada. “Um indivíduo sofre danos físicos causados por um veículo de terceiro (atropelamento ou colisão). É levado para um pronto socorro (provavelmente de hospital publico­ SUS) e posteriormente encaminhado a um hospital privado “credenciado” (ou não), onde permanece por certo tempo e incorre gastos elevados ate a alta definitiva. Ao se internar no hospital (credenciado ou não), este indivíduo utiliza seu próprio plano de saúde. Pergunta-se: (1) Como poderia ser interpretada a questão da sub-rogação de direitos nesta situação? Esta interpretação difere de acordo com o tipo de operadora (Seguradora, Cooperativa, Santa Casa, Medicina de Grupo)? (2) Admitindo-se que a operadora obtenha declaração do seu beneficiário (o paciente) sub-rogando os seus direitos, pode a mesma acionar o condutor do veiculo causador do     dano, e consequentemente a sua seguradora, na cobertura de RCF DP? (3) Nos casos de planos coletivos, em especial aqueles “administrados” (risco por conta do estipulante), pode o estipulante exigir de sua operadora que entre com ação de ressarcimento contra o causador dos danos, visando reduzir o custo dos sinistros de seu plano administrado? (4) Há no novo Código Civil algo relacionado ao tema, que deva ser ressaltado para as seguradoras (tanto de saúde como de automóvel)? Gostaria de receber as considerações jurídicas sobre as questões colocadas assim como sobre outras derivadas do mesmo tópico que venham a ser levantadas pelo consultor.”

Posta assim a questão, permito-me arriscar as seguintes ponderações sobre o tema. Senão, vejamos.

Não seria demasiado desde logo lembrar de que o direito sub-rogatório do segurador e assegurado na lei, não raro no contrato e, depois de copiosa discussão no judiciária, também pelo entendimento jurisprudencial sumulado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal através do verbete 188 de suas Sumulas.

É como que se o segurador substituísse a vítima do dano, no caso o segurado por ele indenizado, com todos os consectários pertinentes, para agir contra o causador. Di-lô o próprio artigo 988 do Código Civil ainda vigente quanto a abrangência da transferência de direitos que ela produz, verbis: “A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação a divida contra o devedor principal e fiadores“.

O Novo Código reproduz o dispositivo acima, ipsis literis, em seu artigo 349. Nesse conseguinte, aduza-se desde logo, o segurado indenizado pelo segurador transfere a este, junto aos direitos, ações, privilégios e garantias, o prazo prescricional que tiver, como também o direito de acionar o causador para reparação de dana sob a égide da responsabilidade objetiva (sem necessidade de demonstração de culpa) se for essa a situação, como por exemplo o dano decorrente do fato do produto ou do serviço consoante o CPDC. Assim é que, se tiver o segurado, por exemplo, um prazo prescricional de vinte anos contra o terceiro causador do dano, como soe ser no que tange a ação de reparação de dano causado por veiculo – prazo esse que será reduzido para três anos pelo Novo Código Civil, conforme seu art. 206, § 3° – , ou cinco anos se o dano decorrer de relação de consumo, esse prazo e transferido ao segurador por força do direito sub-rogatório, legal ou contratual.

Sub-rogação e instituição do seguro são co-irmãs de uma mesma placenta, pois tem a transferência como célula comum. Enquanto no segura o segurado transfere para o segurador os efeitos econômicos do risco temido, na sub-rogação o segurado transfere para o segurador todo direito e ação contra aquele, denominado terceiro, que causara o evento, ou seja, que transformara o risco temido em realidade concreta, materializada em sinistro, indenizado pelo segurador. Só que no seguro, diferentemente do que ocorre na sub-rogação, não se opera a substituição nem de pessoas nem de coisas. Enquanto na sub-rogação o segurador substitui o segurado satisfeito com a indenização do sinistro de que fora vitima, assumindo o seu posta para agir contra o terceiro causador do dano, no seguro o segurador, ao aceitar o risco não esta, a rigor, substituindo o segurado, mas apenas garantindo a ele uma indenização futura e incerta, pois o risco é e sempre será do próprio segurado (in Direito de Seguro no Cotidiano, Editora Forense, pag.530, de autoria do signatário).

Em suma, extraio de nosso mesmo livro DIREITO DE SEGURO NO COTIDIANO, paginas 227, as. seguintes ilações, aplicáveis ao tema presente, verbis: “O fundamento da sub-rogação legal para o contrato de segura se planta, radicalmente, na utilidade prática mesmo da instituição, beneficiando, de certo modo, ate mesmo o devedor, que pode ver substituído seu credor por outro, ate mais tolerante e suscetível a acordo. Em síntese, a sub-rogação legal representa uma realidade jurídico- econômica benéfica e ate solidaria, por isso que a lei deve estimulá-la, já que resulta indubitável sua utilidade, inclusive do ponto de vista social, porquanto facilita o cumprimento das obrigações. A sub-rogação legal, ademais, quando plasmada no contrato de seguro, propicia a redução do premio, tornando-o mais acessível ao consumidor, considerando que a ação do segurador contra o causador do dano atende: a) a tutela do principio indenizatório; b) a impedir que o terceiro responsável fique exonerado da responsabilidade; c) observando-se, assim, uma norma técnica securitária ligada ao principio da repetição mutualista do risco, diminuindo o custo de gestão do seguro, em beneficio da massa de segurados”.

No Novo Código Civil, tal como se inferia também do Velho, resta claro de seus artigos 346 e seguintes, que a sub-rogação, seja convencional ou legal, ope­ra-se de pleno direito, dentre o mais, em favor: do credor que paga a divida e; do terceiro interessado, que paga a divida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte. A esse efeito, a sub-rogação convencional no Novo Código, todavia, opera-se, ademais, quando o credor (segurado) recebe o pagamento de terceiro (segurador) e expressamente lhe transfere todos os seus direitos (art. 347). Na sub-rogação legal, entrementes, o sub-rogado (no caso o segurador) não poderá exercer os direitos e as ações do credor (segurado), senão ate a soma que tive desembolsado para desobrigar o devedor (art. 350). Por isso que o credor originário (segurado) só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado (segurador) na cobrança da divida restante, se os bens do devedor (terceiro) não bastarem para saldar inteiramente o que a um e a outro dever (art. 351).

Com efeito, tendo sido agitado o tema no judiciário, ha algum tempo atrás, e isso se devendo em parte ao fato de não haver previsão especifica da sub-rogação no capitulo próprio do contrato de seguro, as controvérsias se pacificaram finalmente com a mencionada Sumula 188 do STF, que de uma vez por todas consagrou o direito sub-rogatório do segurador, para haver do responsável o ressarcimento do que indenizou ao segurado, em qualquer modalidade de seguro, terrestre, marítimo ou aeronáutico, todavia restrito aos seguros de dano, de natureza indenizatória, por isso que excluídos dessa possibilidade os seguros de vida e, quiçá, os de acidentes pessoais, dado o caráter próprio desses seguros conforme reconhecido na doutrina que passeia por todo o mundo, já que a vida humana e a integridade física do individuo, para esse efeito, seriam insuscetíveis de apreciação econômica, embora se admita no campo da responsabilidade civil a possibilidade de se indenizar uma vida humana ceifada por ação de outrem. E que, somado a isso, em tais seguros o segurador a rigor não indeniza o segurado mas paga a ele e ou a seus beneficiários um capital previamente ajustado sem que represente tanto por tanto o prejuízo sofrido.

Já agora, duvidas não mais poderão subsistir no que toca a sub-rogação no contrato de seguro, posto que o Novo Código, dando ênfase ao direito sub-rogatório do segurador, sem no entanto desprezar as regras gerais da sub-rogação, trouxe regras específicas para o bojo do capitulo que lhe e próprio, ao estabelecer, na seção do seguro de dano, mais precisamente no seu artigo 786 e parágrafos, que “paga a indenização, o segurador  sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”. Ressalva, entretanto, no § 1°, que, ”salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consangüíneos ou afins.  No § 2°, estabelece, de forma cogente, que é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos sub-­rogatórios.

Os parágrafos supra visam corrigir, a meu ver acertadamente, certas lacunas deixadas pela omissão do velho Código. Auma, ao consagrar a proteção a família do segurado, quando veda a ação de regresso contra o cônjuge e parentes próximos do mesmo, que, se demandados pelo segurador, decerto incomodaria o próprio segurado, também como se o seu próprio patrimônio, ou o patrimônio familiar, estivesse sendo ameaçado,no pressuposto de que são pessoas que presumidamente não seriam por ele acionadas, salvo por dolo, por isso o direito de ação não foi transferido ao segurador nesses casos, razão pela qual o legislador poupou o segurado de tais dissabores. Todavia, entendo que, se o segurador tomar conhecimento de que o segurado, uma vez indenizado pelo seguro, nada obstante intentou ação de reparação de dano contra tais pessoas, terá o seu direito sub-rogatório restabelecido nesses casos e, se o fato for caracterizado como fraude, o de anu­lar o pagamento reavendo o que pagou do próprio segurado, sem prejuízo das providencias legais outras cabíveis. A duas, ao consagrar a proteção do pró­prio direito sub-rogatório do segurador, e por conseguinte também da coletividade de segurados que integram o mutualismo, considerando que a sub-rogação reflete no custo do seguro, barateando-o, por isso que tal dispositivo tem por objetivo coibir certas manobras de segurados desavisados que transacionam com o causador do dano, antes ou depois de haver recebido a indenização do segura e a ele dando quitação total, ainda que a transação em verdade se resuma ao valor de uma franquia, por exemplo, toldando, assim o direito sub-rogatório total do segurador.

Com isso, penso, sem rebuços de duvidas,que o direito sub-rogatório, em regra, subsiste independentemente de não haver no contrato clausula sub-rogatória expressa, porque, agora, vem ela disciplinada na lei com muito mais clareza e precisão.

A consagração, pois, do direito sub-rogatório pela jurisprudência torrencial do judiciário, se fez de forma ampla, porquanto o direito sub-rogatório decor­ria não só das costumeiras clausulas constantes das apólices, como também da própria lei, embora parcimoniosamente, plasmado nos artigos 985 e 988 do vigente e já agonizante Código Civil, e reproduzido no Código próximo vindouro conforme antes mencionado, reconhecendo-se, descarte, a sub-rogação do segurador, seja legal ou contratual. Tanto assim que a jurisprudência muita vez , mesmo sob a égide do velo Código, chega a dispensar, na ação ressarcitória do segurador, a apresentação do contrato de seguro, bastando o recibo de quitação do segurado e a comprovação da responsabilidade civil do terceiro (ato ilícito, dano, nexo de causalidade), como que sinalizando com a ideia de que, acaso inexistisse na apólice clausula sub-rogatória expressa, o ressarcimento de qualquer sorte se faz pertinente pela sub-rogação legal.

O pagamento e forma de extinção de obrigações, por isso que o segurador, ao cumprir com sua obrigação indenizando o segurado pelo dano que o sinistro lhe fez experimentar, nos termos estipulados no contrato, extingue-a perante o segurado e assume o pólo ativo do direito a ser exercido contra o terceiro causador do dano. Ou seja, a lei e ou o contrato transferem ao segurador a titularidade do direito na mesma relação jurídica, considerando que esta não pereceu, a não ser diante do segurado (e de seus parentes próximos como reza o Novo Código), porque o causador do dano continua obrigado por sua reparação, já agora perante o segurador, pois a relação jurídica de reparar o dano sobrevive, eis que do contrario estar-se-ia premiando a impunidade daquele que, com a pratica de um ate ilícito, causara um dano a outrem.

Assim, a sub-rogação, na sua expressão mais simples, nada mais e do que a operação pela qual a divida ou o direito se transfere aquele que a pagou ou cumpriu a respectiva obrigação, com todos os acessórios e garantias que a guarneciam.

Com efeito, sub-rogar, em sentido amplo, e colocar uma coisa em lugar de outra ou uma pessoa em lugar de outra. Duas são, portanto, as espécies de sub-rogação: a real e a pessoal, conforme se trate de sub-rogação de coisas ou de pessoas. Porem, a que interessa ao nosso caso é, evidentemente, a sub-rogação pessoal, porque, o que sucede é a substituição de uma pessoa por outra, ou seja, a do segurado pela do segurador, pouco importando se tratar de pessoas jurídicas. Ate porque, é dessa espécie de sub-rogação que se ocupa o Código Civil Brasileiro, tanto o velho quanto o novo.

Feitas todas essas considerações, insta destacar um ponto em que o segurador não terá espaço para exercer o seu direito sub-rogatório, qual seja nos seguros de vida. Alias, muitas já foram as indaga­çoes no sentido de se saber, por exemplo, em caso de morte ou mesmo de invalidez, de um segurado titular de apólice de segura de vida,decorrentes de acidente do automóvel, em que se comprova a culpa e responsabilidade de terceiros, se o segurador teria ou não direito de promover o ressarcimento do capital pago ao segurado ou seus beneficiários, vale dizer, se nessa modalidade de segura opera a sub-rogação.

Temos respondido que não. Posto que o ressarcimento e incompatível, inconciliável mesmo, com o seguro de vida, quiçá também com o seguro de acidentes pessoais, ainda que se enquadre este dentre os seguros dos ramos elementares, ao lado dos diversos seguros de dano ali assim enquadrados (art. 7° do Decreto n° 61.589/67, que restende a qualquer operadora de plano de saúde, ainda que não seja ela uma seguradora formal, por conta da sub-rogação legal e ou contratual. Mormente se o segurado e ou beneficiário houver firmado declaração sub-rogando expressamente a operadora.

Demais porque, a própria lei da especialização (Lei n° 10.185/2001) estabelece uma equiparação entre planos e seguros saúde e entre seguradora e operadora, embora mostre as diferenças. Mesmo porque, se as operadoras não são seguradoras, não estariam inseridas na proibição a que alude o artigo 800 do Novo Código Civil, antes citado, que veda a sub-rogação nos seguros de pessoas, aduza-se apenas para efeito de argumentação já que não seria crível impedir a sub-rogação no seguro saúde, que em verdade não se afigura como segura de pessoa a luz do Novo Código, como alhures demonstrado. As operadoras, pois, como se disse algures, teriam ao seu dispor a sub-rogação, legal ou convencional, prevista no novo e no velho Código.

Lembre-se outrotanto de que esse direito sub-rogatório não pode ser exercido diretamente contra a seguradora do veiculo com o qual o seu proprietário contratou a cobertura do risco de responsabilidade civil (RCF), porquanto descabe a ação direta do terceiro contra a seguradora do segurado causador do dano, posta que esse terceiro, seja a própria vitima seja a operadora sub-rogada, não foi parte do contrato de seguro de RC, por isso que sendo no caso a ação de perdas e danos contra o causador do ato ilícito, a seguradora não seria parte legítima para ser demandada pelo terceiro já que não praticou qualquer ate ilícito. E note-se que o impedimento da ação direta do terceiro contra a seguradora subsiste no Novo Código, ao menos no que se refere aos seguros facultativos, sendo admitida a ação direta apenas nos seguros legal­mente obrigatórios (DPVAT, DEPEM … ), nos termos de seu artigo 788.

Observe-se ademais, que nos planos/seguros coletivos de saúde, administrados ou não, pense não poder o estipulante exigir de sua operadora, salvo ajuste de vontade nesse sentido, que ingresse com ação de ressarcimento contra o causador do dano, ainda que seja para reduzir custos. E que, segundo regra de direito fundamental estabelecida no art. 5°, inciso II da Constituição Federal, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. E lei alguma existe nesse sentido.

Posto assim, pense haver respondido as indagações formuladas, nada obstante fazê-lo sub censura dos doutos.