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Tortura é crime insuscetível de anistia

30 de novembro de 2008

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Não é porque o Editor esteve preso e foi agredido durante a Ditadura Militar – mesmo porque as prisões e violências sofridas não se concretizaram em tortura física –, que vê consolidada a  firme e inarredável convicção, albergada pelo texto constitucional  de 1988, de que a prática da  tortura é crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
Por outro lado, cabe destacar que não foi o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, como Instituições respeitáveis, que procederam aos nefandos crimes e atos de tortura. Os membros dessas três Armas que se tornaram torturadores, são excrescências que ocasionalmente usavam fardas e as emporcalharam, não constituindo portanto, uma nódoa a aviltar todas as Instituições.
Da mesma forma, também as entidades representativas das três Instituições, o Clube Militar, o Clube Naval e o Clube da Aeronáutica – que tantas participações cívicas desenvolveram na vida republicana –, estão imunes de qualquer responsabilidade sobre os problemas e mazelas causados pelos torturadores.
É também de uma oportunidade ímpar a transcrição de um parágrafo do Manifesto da ABI – Associação Brasileira de Imprensa, assinada por seu presidente Maurício Azêdo, pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto e pela Sra. Lúcia Stumpf, presidente da União Nacional dos Estudantes (Une), divulgado em 28.08.2008, em Brasília:

“O debate que está posto não significa afronta às Forças  Armadas enquanto instituição nacional, mas sim o prestígio de sua corporação frente àqueles que não respeitaram nem ao menos as regras do próprio regime ditatorial que proibia a prática da tortura e comprometeram a sua imagem.”

Assim como a infâmia e a vilania praticadas por um membro de qualquer Instituição não atingem toda a entidade, os atos e ações abomináveis praticados isoladamente por indivíduos desprovidos de moral, caráter e dignidade também não atingem a Instituição.
Ao contrário senso, um estuprador, um seqüestrador, um incendiário e tantos desvairados que estão por aí perigosos e soltos, não podem, apenas por pertencerem ao gênero humano, contaminar e descriminar toda a humanidade.
Há que se definir e separar o joio do trigo!

As torturas e os torturadores
É preciso remontar ao passado não muito longínquo, durante o governo do presidente Ernesto Geisel, quando certa manhã o aparelho de comunicação Policial Militar, fez publicar em todos os jornais uma foto de um “comunista que havia se enforcado numa cela”. O infeliz estava amarrado pelo pescoço com uma corda fixada em uma janela, encostado à parede e com as pernas dobradas rentes ao chão da cela.
Era o jornalista Vladimir Herzog, funcionário da TV Cultura de São Paulo, que, intimado para prestar declarações nas dependências do DOI-Codi, havia se apresentado e sofrido durante os interrogatórios incríveis sofrimentos,  violentas torturas que provocaram lancinantes gritos de dor, ouvidos por vários presos que se encontravam nas celas vizinhas, entre os quais o jornalista Rodolfo Konder, também barbaramente torturado, hoje Conselheiro da ABI.
A afronta com que os responsáveis pelas horripilantes desgraças que ocorreram nas dependências do DOI-Codi, os seus diretores Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, mandando à publicação a foto de Vladimir Herzog, na tétrica posição, ajoelhado e com a corda no pescoço pretendendo confundir e subtrair a verdade, induzindo o assassinato praticado com a tortura como se fosse  suicídio – na vâ tentativa de enganar e iludir a opinião pública, como se esta fosse constituída de imbecis –, representou uma inominável farsa preparada por facínoras detentores do mando, que exerciam na ocasião, por delegação da Ditadura, o poder absoluto de dispor da vida de quem lhes caísse nas garras, fossem inocentes ou acusados de oposição ao governo.
As violentas torturas seguidas de mortes ocorridas no DOI-Codi, de São Paulo, de responsabilidade criminosa dos citados Ustra e Maciel, causaram tamanha e tão péssima repercussão que, após as mortes do jornalista Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho, o presidente Ernesto Geisel, para dar uma satisfação à opinião pública, demitiu o comandante do II Exército como responsável administrativo daquele órgão militar.
As milhares de vítimas de tortura durante os 20 anos da Ditadura Militar, muitos deles mortos e desaparecidos, jogados em alto mar ou enterrados em locais desconhecidos e inacessíveis, como o ex-deputado federal Rubens Paiva, seqüestrado, morto e cujo corpo sumiu. Igualmente desaparecidos os 70 guerrilheiros do Araguaia, ativistas do PCdoB, cujas famílias ajuizaram ação encabeçada pela mãe do guerrilheiro carioca Guilherme Lund, já com sentença transitada em julgado da juíza federal Solange Salgado, de Brasília, que determinou que a União informasse o local do sepultamento, para que se fizesse o traslado dos ossos e fornecesse os documentos para os atestados de óbitos, o que, entretanto, decorridos 4 anos ainda não foram entregues.
As barbaridades  e suplícios aplicados aos presos políticos se estenderam a quase todas as unidades militares no país, em tentativas de obterem informações, denúncias e confissões, e, quando não satisfeitos com as respostas, eram aplicadas as formas mais torpes de tortura, pouco importando aos algozes torturadores se o infeliz era inocente ou não.
A vasta literatura produzida sobre as torturas que praticaram durante o período infamante da Ditadura, afronta a dignidade da humanidade e não deve nem pode ser esquecida, para que os crimes escabrosos e definidos como hediondos que aconteceram, nunca mais venham a acontecer neste país.
Assim, e na forma como a cláusula pétrea do inciso XLIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, considera a prática de tortura insuscetível de graça ou anistia, e o inciso XLIV constitui e configura como crime inafiançável e imprescritível  a ação de grupos armados civis ou militares, torna-se difícil entender e aceitar a anistia para os torturadores, bem como, não considerar imprescritível os crimes praticados pelos grupos militares que operaram com selvageria nos DOI-Codi, instalados nos vários estabelecimentos militares do país.
Como a questão é constitucional e já está posta em apreciação, cabe ao Supremo Tribunal Federal, intérprete da Carta Magna, decidir e pôr fim à celeuma.