Transporte público e gratuidades: como subsidiar?

5 de setembro de 2004

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Desde que escreveu um artigo criticando a forma com que estavam sendo estabelecidas as gratuidades no transporte intermunicipal, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega não tem tido descanso. A cada mensagem indignada que recebe tem de explicar que não é contra o transporte gratuito para idosos e que apenas levantou a questão sobre quem paga o benefício. “Já estou com 62 anos e se começarem a instituir transporte gratuito em avião, táxi ou ônibus, eu vou adorar. Por mim todo idoso andaria de graça, a questão é saber quem paga. É preciso exigir do poder público que ele aponte a fonte de custeio desse gasto.”

O senhor condenou a forma como a gratuidade para idosos foi estabelecida no transporte rodoviário intermunicipal. O mesmo se aplica ao transporte urbano de passageiros?

Existe uma percepção equivocada da classe política brasileira, com algumas honrosas exceções, de que é possível a existência de serviços gratuitos. Como não existe almoço grátis, essa gratuidade terá de ser compensada. Se o governo é responsável e compreende como funciona um sistema capitalista, financia o benefício. Se não, a conta será dos demais passageiros ou do dono da empresa que, neste caso, é penalizado pelo exercício de uma atividade legítima assegurada pela Constituição. Infelizmente, ainda se vê no Brasil esse tipo de prática populista que eu julgava fazer parte de um parque jurássico.

Mas, o benefício para maiores de 65 anos está previsto na Constituição Brasileira.

O que não deixa de ser uma demagogia, um populismo. Esse é um dos besteróis da Constituição de 1988. Recordo uma blague do deputado Roberto Campos, maior opositor da medida. Ele dizia que, como tinha mais de 65 anos, iria exigir helicóptero gratuito, pois o texto não definia o tipo de transporte urbano, o que mostra como esta norma é ridícula. Por isso mesmo, leis de gratuidade tendem a ser canceladas pelo Judiciário. Não se vê em outros países mais sérios esse tipo de atitude.

O senhor é contrário a qualquer forma de gratuidade?

Eu acho que a gratuidade pode existir se o poder público indenizar a empresa privada ou se esta conceder o benefício voluntariamente. Em Londres, por exemplo, existem reduções de preço para idosos e estudantes como uma estratégia de marketing, para atrair mais participantes dos tours. Em determinadas empresas aéreas, é possível pagar menos da metade do preço da passagem, desde que se tente embarcar de última hora.

O que deveria ser uma estratégia das empresas dentro do sistema de mercado, no Brasil, por pura demagogia, vira uma regra imposta pelo poder público. Pior: imposta com prejuízo para as empresas, o que é, na verdade, uma manifestação da cultura anti-capitalista que prevalece na classe política brasileira e em alguns segmentos do setor público. Um preconceito inequívoco contra o lucro. Se não dermos um basta, chegaremos a resultados desastrosos, com deterioração da qualidade dos serviços, falência das empresas e até o desaparecimento do serviço, ou seja, os beneficiários da gratuidade terminam prejudicados pela ausência do serviço. A maioria de nossos políticos ainda padece de uma ignorância enorme sobre o funcionamento de um sistema capitalista. Muitos professam uma visão estatista que lhes dá o suposto direito de fazer gentilezas com o chapéu dos outros.

Mas, se o Estado deve pagar pelas gratuidades, não seria melhor que ele operasse o serviço de transporte?

A estatização do transporte urbano, mesmo onde funcionou razoavelmente, terminou com o governo privatizando o serviço. Atualmente, são pouquíssimos no mundo os serviços administrados pelo setor público. E eles funcionam com eficiência somente quando não prevalece a demagogia, com empresas gerenciadas por profissionais, sem aparelhamento partidário e indicação de apaniguados. A experiência tem provado que o setor privado opera com mais eficiência os serviços urbano e interestadual, com benefícios sociais inequívocos. O caso do Brasil é exemplar. O serviço interestadual do país é um dos melhores do mundo. Quase todos são demonstrações da capacidade empreendedora do brasileiro. Não são poucos os casos de empresas que nasceram da experiência de motoristas de caminhão, pessoas que encontraram a oportunidade de pôr o seu talento e suas capacidades de avaliar risco e de gestão a serviço do bem comum. Evidentemente buscando lucro, o que é legítimo.

O transporte público tem se tornado inacessível para a população de baixa renda, perdendo a cada ano mais passageiros. O que o senhor acha da concessão de subsídios para o transporte público?

O subsídio para o transporte público existe em todo o mundo e faz parte de políticas públicas voltadas paras as classes de baixa renda. A questão é saber como subsidiar. É sempre bom lembrar que o subsídio vem do bolso do contribuinte ou de endividamento que mais tarde ele irá pagar. Então, mesmo sendo justificável, o subsídio deve ser atribuído de forma prudente e de acordo com a capacidade financeira do setor público.