Três desafios

5 de março de 2001

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Tres graves desafios estara en­frentando o Brasil neste novo século: manutenção da unidade territorial, cres­cimento populacional e mercado de tra­balho. Ainda que aparente ser período dilatado, refratario a planejamento, 100 anos representam pouco mais do que um momento na vida de qualquer na­ção e breve trecho na acidentada his­tória da humanidade.

O século anterior conheceu pro­fundas transformações e tudo se pas­sou com rapidez cinematografica. Para ficarmos na espera de fenome­nos hoje triviais, lembram-se telefo­nia e telecomunicações, transportes viarios, rodoviarios e aereos, conti­nentais e intercontinentais, televisao, plasticos, anestesicos, vacinas, anti­bióticos, todos recentes e vulgariza­dos nas ultimas decadas. Pertencem tambem a esse periodo duas guerras mundiais e varias outras localizadas, a energia atomica, a forga do operariado, a ascensao e o declinio das entidades sindicais, a mul­tiplicação dos partidos politicos, as explo­rações espaciais, as organizaçoes nao governamentais e – aquele citado por Orte­ga Y Gasset como o mais signiticativo da vida contemporanea – a presença por toda parte de grandes massas humanas: a revo­lução das massas.

O nosso pais ingressou no seculo 20 dentro do regime republicano, tendo os limi­tes externos definidos e estabilizados. Algu­mas disputas de fronteiras foram resolvidas pela ação de aventureiros, esparsos tirotei­os, escaramugas, negociações e sobretudo arbitragens. Nesse mesmo seculo modifica­va-se a todo instante a geografia politica na Europa, Asia e Africa: paises surgindo e de­saparecendo, alianças militares dando lugar a uniões e blocos de interesses econômicos superiores a valores nacionais.

A história vem revelando que em econo­mia e politica nada ha de definitivo, ensinan­do-nos a tomar precauçoes contra pretensões de todos os tipos. A invejavel unidade política e territorial conquistada e preservada ha 500 anos pode ser eventualmente contestada em nome de alardeadas exigencias internacionais de preservação do meio ambiente, cabendo­nos antecipar medidas de defesa dos nossos mais cobiçados ecossistemas. Este e o primeiro grande desafio.

O segundo prende-se à questão popu­lacional. Em 100 anos o Brasil observou des­preocupado multiplicar-se por 10 o número de habitantes. Eramos 17 milhoes na passa­gem do seculo 19 para o seculo 20, com absoluto predominio da população rural. Em 1950 alcançamos a marca de 50 milhões. Ultrapassamos 170 milhões no inicio do seculo 21. Em hipótese alguma poderemos manter o mesmo ritmo de crescimento e a compactação demográfica nas capitais e grandes cidades.

De acordo com projeções realizadas pelo IBGE, em 2020 o numero de habitantes chegara a 208 milhões. Confirmando-se a tendência de crescimento, embora com taxa de natalidade levemente declinante, no ano 2050 seremos mais de 310 milhões, e no final do século aproximadamente 385 mi­Ihões de brasileiros.

A pergunta que se faz é se, dentro do panorama econômico mundial extremamente competitivo e globalizado, o Brasil se livrara do subdesenvolvimento, conseguindo e sus­tentando taxas de evolução economica ca­pazes de oferecer trabalho qualificado e ren­da a mais de 200 milhões de pessoas. Aqui se encontra o terceiro secular desafio.

Não obstante fantásticos resultados obtidos na pesquisa científica e em proces­sos produtivos, o homem tem se revelado impotente para eliminar problemas de pobreza, especialmente em regiões como America Central, America do Sul, Àfrica, Asia, Índia. Pelo contrario. Entre 25 países relacionados como de economia de alta renda pelo Ban­co Mundial, nenhum há sul ou cen­tro-americano e africano. Com popu­lação superior a 100 milhões de ha­bitantes, apenas Estados Unidos e Ja­pão, este ultimo com graves proble­mas de espaço. O Brasil e penúltimo colocado entre paises de rendimen­tos na faixa media alta, a Indonesia se coloca muito mal como pais de renda media baixa, a India ocupa pes­simo lugar como pais de baixa renda, o mesmo ocorrendo com China e Pa­quistão.

O crescimento populacional acelerado e descontrolado nada tem de positivo, como demonstram to­dos os estudos de geografia humana. Com­pete aos futuros governantes nao incidir nos erros de antigos dirigentes que se omitiram ou abordaram o tema com a timidez da ir­responsabilidade.

Na idade da tecnologia da informatica, quando todos procuram ganhar mercados ex­ternos racionalizando e intensificando a pro­dução e reduzindo custos, nao vejo o Brasil conseguindo fazer com que a procura e a valorização da mao-de-obra cresçam na ve­locidade com que aumenta a população.

Alem desses três desafios – integri­dade territorial, crescimento populacional e mercado de trabalho -, outros assumem relevância praticamente identica e estão li­gados à capacidade do Estado de alcançar sucesso nas tarefas típicas de governo: edu­cação, saúde, segurança, transporte, meio ambiente.

Ao ingressar no seculo 21 o panorama em relação a qualquer deles não e anima­dor, mas, de todo modo, aparentemente con­seguiu-se aquilo que se presumia impossi­vel: restabelecer o regime democrático, con­trolar a inflação e imprimir estabilidade à moeda.

Resta confiar na competencia, obstinaçãao, sensibilidade e coragem dos próximos governos, sem o que as gerações vindouras, dos nossos netos, bisnetos e seus descen­tentes, conhecerão dias muito, mas muito mais difíceis dos que os atuais.