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TSE anula decisão do TRE/SP

30 de junho de 2006

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Relator: Ministro Gerardo Grossi

Impetrante: Roberto Pereira da Silva

Paciente: Roberto Pereira da Silva

Autoridade Coatora: Juiz Relator do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (Processo Crime 1081)

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral no Estado de São Paulo ofereceu denúncia contra Galdino Francisco da Silva e contra o paciente, Roberto Pereira da Silva. Imputou-lhes a prática do crime com previsão no art. 290 do Código Eleitoral, que, como se sabe, tem a seguinte redação: “[…] Induzir alguém a se inscrever eleitor com infração de qualquer dispositivo deste Código”.

A imputação ficou assim lançada na denúncia (fl. 29):

Consta do incluso Inquérito Policial que, em dezembro de 1999, em data não precisa, na cidade de Mogi das Cruzes, no Estado de São Paulo, GALDINO FRANCISCO DA SILVA, candidato ao cargo de vereador de Biritiba Mirim, ofereceu a Augusta Cristina de Mello e a Marco Roberto de Mello um terreno localizado em Biritiba Mirim, com o intuito de induzi-los a transferir os seus títulos de eleitor para a referida cidade, e ROBERTO PEREIRA DA SILVA, candidato a prefeito em Biritiba Mirim, induziu as pessoas supra citadas a se inscreverem eleitores na referida cidade, em troca de terrenos, tendo sido realizada a transferência dos respectivos títulos em 17 de fevereiro de 2000.

Como, segundo a denuncia, foram duas as pessoas vítimas da indução, o MPE entendeu que o crime, praticado em co-autoria, estaria sujeito, para aplicação da pena, à regra do art. 69 do Código Penal, isto é, que, no caso, havia um concurso material de delitos.

Recebida a denúncia, a ação penal teve curso regular. O paciente e co-réu, Galdino Francisco da Silva , pediram que lhes fosse concedido o benefício do sursis processual, com previsão na Lei nº 9.099/95, e o relator da ação penal indeferiu-lhes o pedido (fl. 724), ao argumento, colhido no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, de que ”[…] É certo que a cominação mínima prevista para o delito em tela é de 1 (hum) ano de reclusão; em face do concurso material, porém, esse mínimo eleva-se para 2 (dois) anos de reclusão, extrapolando assim o limite previsto pelo artigo 89, caput, da Lei 9.099/95, impedido, por conseqüência, o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo” (fls. 715/716).

Contra esta decisão monocrática, de indeferimento do sursis processual, apenas o co-réu Galdino Francisco da Silva interpôs agravo regimental, que o Regional paulista acolheu o Acórdão, que ficou assim ementado (fl. 877):

AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. LEI Nº 9.099/95. LEI Nº 10.259/01.

1. A LEI Nº 10.259/01 CONSIDERA INFRAÇÕES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO OS CRIMES A QUE A LEI COMINE PENA MÁXIMA NÃO SUPERIOR A DOIS ANOS, OU MULTA, SENDO QUE, AO ASSIM PROCEDER, NÃO SOMENTE ALTEROU O ARTIGO 61 DA LEI Nº 9.099/95, MAS TAMBÉM O PATAMAR EXIGIDO PARA A CONCESSÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO, QUE ANTES ERA O DE QUE A PENA MÍNIMA NÃO EXTRAPOLASSE UM ANO.

2. INTERPRETAÇÃO HARMÔNICA E COERENTE DAS NORMAS, QUE REVELA TER A LEI Nº 10.259/01 ALTERANDO O LIMITE DA PENA MÍNIMA COMINADA PARA DOIS ANOS, NO QUE SE REFERE AO INSTITUTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.

3. RECURSO PROVIDO

O MPE, contudo, por seu procurador local, negou-se a propor a suspensão condicional do processo, relativamente ao co-réu Galdino Francisco da Silva. Não porque, em tese, este co-réu deixasse de preencher as condições exigidas para a oferta do sursis. Negou-se a oferecer o sursis porque, como afirmou o Dr. Procurador Regional Eleitoral (fls. 954-955):

Deixo consignado o entendimento no sentido contrário à tese esposada pelo V. acórdão de fls. 878/900, vazado nos termos do voto proferido pela Excelentíssima Juíza Suzana Camargo (fls. 880/893), já transitado em julgado para o Ministério Público, no sentido de que a Lei nº 10.259/01 não alterou o art. 89, da Lei 9.099/95, em nada sendo modificada a imitação do sursis processual previsto neste último diploma.

E, ao afirmar sua negativa, requereu fossem “[…]os autos remetidos ao Excelentíssimo Procurador-Geral Eleitoral, para o que for entendido cabível” (fl. 959).

Remetidos, os autos foram submetidos ao exame da Segunda Câmara de Coordenação e Revisão, que apoiando o voto da relatora, a Vice-Procuradora Claudia Sampaio Marques (fls. 1.000/1.010), se decidiu pela “[…] inaplicabilidade do benefício suscitado pelo Tribunal Regional Eleitoral”. Em tal voto, citam-se precedentes, do Superior Tribunal de Justiça, que apoiariam o entendimento da Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria Geral da República (Resp nº 511.077, José Arnaldo da Fonseca; Resp nº 323.938, Laurita Vaz; RHC nº 12.045, José Arnaldo da Fonseca; RHC Nº 14.871, Paulo Medina e RHC Nº 15.400, Félix Fischer).

Retornados os autos ao TRE/SP, nada se decidiu à propósito da aplicação do sursis ao co-réu Galdino Francisco da Silva. É que seu il. advogado comunicou ao relator a morte de seu cliente, ocorrida em 17.9.2004, comprovando-a com a juntada certidão de óbito (fl. 1.021).

A ação penal teve curso, relativamente ao paciente Roberto Pereira da Silva, que, em 1º.2.2005, pediu que, nos termos do art. 580 do CPP, lhe fosse estendido o benefício do sursis processual, antes concedido a co-réu Galdino Francisco da Silva. O seu requerimento foi indeferido (fl. 1.086), sendo este o ato de coação apontado na impetração desta ordem de habeas corpus.

Os autos me vieram conclusos em 25.4.2006 e, em 26.4.2006, deferi a liminar, tão só para “[…] sobrestar o prosseguimento do processo criminal, até o julgamento do writ […]” (fls. 1.141/1.142). É que, em tal processo, já haviam sido oferecidas alegações finais do MPE (fls. 1.091/1.098) e, ao que me foi dado perceber, corria o prazo para alegações finais da defesa.

Solicitei informações, que me foram prestadas em 4.5.2006, acompanhadas de cópias processuais, já existentes nos autos do hábeas corpus, e de cópia de alegações finais do paciente, oferecidas em 3.4.2006.

A procuradoria-Geral Eleitoral, em parecer firmado pelo il. Vice Procurador–Geral Eleitoral, opinou pela denegação da ordem (fls. 1.259-1.266)

É o relatório.

VOTO

1. Em 1.11.97, foi submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, no HC nº 75.343, do qual foi relator, para o acórdão, o Ministro Sepúlveda Pertence, questão surgida na aplicação da Lei nº 9.099/95, relativa à suspensão condicional do processo. Cingia-se tal questão ao fato de um juiz de primeiro grau entender que, em uma terminada ação penal, seria o caso de fazer a oferta do sursis processual, enquanto que o promotor  de justiça, que atuava nesta dita ação, entendia que não deveria ser feita tal oferta.

2. O STF decidiu a questão pela forma seguinte:

Suspensão condicional do processo (L. 9.099/95, art. 89): natureza consensual: recusa do Promotor: aplicação, mutatis mutandis, do art. 28 C. Pr. Penal. A natureza consensual da suspensão condicional do processo – ainda quando se dispense que a proposta surja espontaneamente do Ministério Público – não prescinde do seu assentimento, embora não deva este sujeitar-se ao critério individual do orgão da instituição em cada caso. Por isso, a fórmula capaz de compatibilizar, na suspensão condicional do processo, o papel insubstituível do Ministério Público, a independência funcional dos seus membros e a unidade da instituição é aquela que – uma vez reunidos os requisitos objetivos da admissibilidade dos sursis processual (art. 89 caput) ad instar do art. 28 C Pr. Penal – impõe ao Juiz submeter à Procuradoria-Geral a recusa do assentimento do Promotor á sua pactuação, que há de ser motivada.

3. Desta decisão, no que interessa ao caso presente, estou dando relevo à determinação de que, a recusa do MP à oferta de sursis, há de ser motivada.

4. No caso presente, ao se opor ao pedido do co-réu Galdino- de que lhe fosse concedido o sursis processual – o MP sustentou que estando ele denunciando por prática de crime em concurso material, o que elevava a pena mínima do delito que lhe era imputado ( o do art. 290,0Código Eleitoral), de um para dois anos, não seria cabível a oferta, a teor do art. 89, da Lei nº 9.099/95.

5. Isto porque, dizia o parecer do MP, o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01, dispõe que “Consideram-se infrações a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa”, não havia modificado o art. 89, da Lei nº 9.099/95. E que, assim, era de uma não e não de maior tempo o limite da pena mínima dos crimes, cujos processos poderiam ser suspensos.

6. Era esta, assim, a motivação – aquela motivação a que se referiu o acórdão relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do HC nº 75.343.

7. E foi com esta motivação que o relator do processo- que tinha e tem curso no TRE-SP – indeferiu o pedido do co-réu Galdino Francisco da Silva.

8. Este co-réu, entretanto, como se viu do relatório, interpôs agravo regimental contra a decisão monocrática do relator do seu processo. E o TRE/SP proveu tal agravo. Proveu-o para entender que a Lei nº 10.2599/01 modificara o art. 89 da Lei nº 9.099/95. Proveu-o para entender que nos crimes a que se comina pena mínima de 2 anos, é cabível a oferta de sursis processual. Essa decisão, como consignou o Procurador Regional Eleitoral de São Paulo, “[…] transitou em julgado para o Ministério Público” (fl. 954).

9. Sabe-se que o tema – modificação do art.89 da Lei nº 9.099/95 pelo parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/2001 – tem sido tratado de forma diversa daquela com que tratou o TRE/SP, pelo STJ. Menciona-se, a título de exemplo, o RHC nº 15.400, Felix Fischer; na ementa de tal acórdão está dito “(…) A Lei nº 10.259/01, em seu art.2º, parágrafo único, alterando a concepção de infração de menor potencial ofensivo, alcança o disposto no art. 61, da Lei nº 9.099/95. Todavia, tal alteração não afetou o patamar para o sursis processual, que sendo disciplinado pelos preceitos inscritos no art.89, da Lei nº 9.099/95”.

10.  Sabe-se, também, que a jurisprudência desta Corte não apóia a decisão do TRE/SP. No RHC nº60, rel. Ministro Luiz Carlos Madeira, ficou decidido que “(…) A Lei nº 10.259/2001, não alterou o patamar para o sursis processual”.

11. Do exame que fiz, não encontrei decisão de Turma ou do Pleno do eg. Supremo Tribunal Federal, que decidisse a questão. Encontrei, é verdade, decisões monocromáticas sugerindo a revogação do art.61 da Lei nº9.099/95 – que conceituou crime de menor potencial ofensivo – pelo parágrafo único do art. 2º  da Lei nº 10.259/201, que também o conceituou (AI nº 500.005, rel. Min. Carlos Britto). Encontrei-as, também, sobre a modificação do patamar da pena indicada no art. 89 da Lei nº 9.099/95, para o indeferimento da suspensão do processo (RE nº 429.196, rel. Min. Gilmar Mendes).

12. Aqui, contudo, a questão se me afigura outra. Como disse, há uma decisão judicial – o acórdão do TRE/SP, no agravo regimental citado. Decisão que examinou a motivação do MPE para não ofertar o sursis processual. Examinou-a, para repeli-la. E que transitou em julgado para o Ministério Público.

13. A meu ver, assim, a oferta de sursis, que é consensual, como afirmam inumeráveis julgados (HC nº75.343, p.ex.), foi judicializada. Na lide estavam, de um lado, o co-réu Galdino Francisco da Silva, e, de outro, o Ministério público Eleitoral. O tema levado à apreciação do poder Judiciário foi a motivação do MPE para se recusar a fazer a oferta do sursis processual. A recusa, recorde-se, há de ser motivada, como decidiu o Supremo Tribunal no julgamento do HC nº 75.343, já referido.

14.  É certo – ou pelo menos me parece certo – que o TRE/SP poderia não conhecer do agravo regimental interposto pelo co-réu, Galdino Francisco da Silva, afirmando que a oferta de sursis há de ser consensual. E, nesta hipótese, sem dúvida, teria decidido que quando se trata de oferta ou recusa de sursis processual, a última palavra é do Ministério Público.

15. É do Ministério Público, sabe-se, a última palavra quando se trata de propor ou não a ação penal pública. Nas ações penais originárias, o parecer do Procurador-Geral da República, no sentido de arquivamento de inquérito, só pode ser acatado, já pelo Supremo Tribunal Federal, já pelo Superior Tribunal de Justiça, por esta Corte e pelos Tribunais Regionais Federais. Também, nas hipóteses de aplicação do art. 28 do CPP, tanto no âmbito da Justiça Federal, quanto nos âmbitos das Justiças estaduais.

16. Mas o “monopólio da última palavra” – utilizando-se da expressão do professor Conotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 583, Almedinda, Coimbra, 1998) – dado ao MP para propor a ação penal ou para não propô-la, requerendo o arquivamento do inquérito ou das peças que poderiam autorizar sua proposição, decorre de expressa disposição constitucional. Como se sabe, está dito no art. 129, I, da Constituição Federal, que é função institucional do MP “[…] promover, privativamente, a ação penal pública”.

17. Mas isto não é o que ocorre com a oferta do sursis processual, tratada no plano legal e não no plano constitucional. O que a lei diz, à propósito, é que com a oferta da denuncia, o MP “[…] poderá propor a suspensão do processo”. A jurisprudência – e não a Constituição ou a lei – tem entendido que este é um poder-dever e que a suspensão do processo não é um direito subjetivo do réu.

18. Por ser um poder-dever, e não simplesmente um poder, exige-se que a recusa seja motivada. Por não constituir um direito subjetivo do réu, põe-se ele, réu, numa posição de expectativa: que o MP faça a oferta de sursis e que o juiz a acolha. Ou que o MP se recuse a fazer a oferta, muito embora o juiz entenda que ela deva ser feita. E, nesta hipótese, por construção jurisprudencial, feita a partir do julgamento, pelo Supremo, do HC nº 75.343, Min. Sepúlveda Pertence, remetem-se os autos ao chefe do MP, cuja palavra será a final.

19. No caso presente, entretanto, como se viu, o MP não fez a oferta. O co-réu, Galdino Francisco da Silva, pediu que ela fosse feita. O MP se negou a fazê-la. E o relator do processo apoiou a negativa do MP de oferecer o sursis.

20. Interposto, pelo co-réu Galdino, agravo regimental contra a “decisão” do relator do processo, parece-me que se dele não conhecesse do TRE/SP, confirma-se a jurisprudência segundo a qual, em matéria de sursis processual, a “última palavra” é do MP.

21.  Mas, como se viu, no caso, o TRE/SP não só conheceu do agravo, como o proveu. Proveu-o, apoiando um longo e bem lançado voto da Juíza Suzana Camargo, decidindo que o motivo utilizado pelo MP, para se negar a fazer a oferta do sursis, não era idôneo. E esta decisão transitou em julgado.

22. Ocorre-me a observação de que, na medida em que a jurisprudência do STF, firmada a partir do julgamento do HC nº 75.343, exigiu que a recusa de oferta fosse motivada, criou-se a oportunidade para se submeter ao exame do Poder Judiciário o motivo apontado para a recusa. Passou a ser um direito subjetivo do réu, obter pronunciamento judicial sobre a validade ou não daquele específico motivo apontado para a recusa. E a solução que o Poder Judiciário vier a dar à indagação que se faz, se transita em julgado, obriga não só ao réu da ação, mas também ao Ministério Público.

23. No caso, repita-se, o TRE/SP decidiu que o específico motivo, apontado pelo MP para se recusar a fazer a oferta do sursis, não era válido. Esta decisão, como disse o Dr.  Procurador Regional Eleitoral, transitou em julgado para o Ministério Público.

24. Judicializada que foi a questão, penso que cabia ao MP recorrer da decisão do TRE/SP, que lhe foi desfavorável. Mas, como se viu, o MP não recorreu de tal decisão. Limitou-se a submeter tal questão ao Procurador-Geral Eleitoral, que, de sua feita, contrariando a decisão transitada em julgado, validou o motivo utilizado pelo Procurador Regional Eleitoral para se negar a fazer a oferta de sursis.

25. A indagação linear que me faço é a seguinte: estando o MP obrigado a dar o motivo da sua recusa para a oferta do sursis processual, é também ele, MP, e só ele, o juiz da validade ou não de tal motivo de recusa? Deve-se tratar a oferta ou recusa de sursis processual – que estão reguladas em lei ordinária (Lei nº 9.099/95, art. 89) – da mesma maneira que se trata a proposição ou a não proposição da ação penal pública, que, pela Constituição (art. 129,I), só pode ser promovida pelo Ministério Público.

26. E como se resolveria o problema, se a recusa de oferta do sursis constitui uma lesão de direito? Por exemplo – ainda que por absurdo – se se recusasse a oferta de sursis, sob a alegação de que o réu professa tal religião. Não se teria violado, pelo menos, os incisos I e VI do art. 5º da CF? E a Lei nº 9.099/95, com a leitura que fez dela, o MP, no caso, não estaria excluindo da apreciação do Poder Judiciário uma lesão de direito?

27. No caso, entendo que a partir do trânsito em julgado da decisão daquele agravo regimental, deu-se ao co-réu, Galdino Francisco da Silva, o direito de receber oferta de sursis processual; ou o direito de, a ser recusada tal oferta, a recusa vir a ter outro, que não o motivo invalidado na decisão do agravo regimental.

28. Mas, como se viu do relatório, o co-réu, Galdino Francisco da Silva, veio a falecer e, quanto a ele, decretou-se a extinção da punibilidade.

29. Entretanto, eu estou conhecendo do habeas corpus para concedê-lo ao paciente Roberto Pereira da Silva. Estou me valendo do princípio da isonomia para concedê-lo. Entendo que, se não houvesse falecido, o co-réu, Galdino Francisco da Silva, teria o direito de ver examinada sua pretensão à oferta do sursis processual. Oferta que poderia até não ser feita, desde que por outro motivo que não o invalidado pelo TRE/SP.

30. Pelo princípio constitucional da isonomia, penso que o mesmo tratamento que se deveria dar ao co-réu Galdino, se vivo fosse, deverá ser dado ao paciente.

31. Louvo-me em decisão do STF (HC nº 61926, RTJ 114/119) e, especificamente, em voto do saudoso Ministro Soares Muñoz, do qual colho o seguinte:

A solução, que a conjuntura impõe, é a de estender ao requerente a decisão que favoreceu o co-réu.

(…) assim decidindo não se estará proclamando o acerto ou o desacerto mais favorável, mas desfazendo, pela forma processual adequada o tratamento, escandalosamente desigual imposto aos partícipes dos mesmos crimes, em hipóteses em que não ocorreram circunstâncias agravantes de natureza pessoal, que autorizassem a cominação de reprimendas diferentes. Como bem observou Vicenzo Manzini, ao focalizar, no direito positivo italiano, o caso de revisão por inconciabilidade de julgados (Cód. de Proc. Penal, art. 554, nº 1): “O fim da lei não é tanto o de corrigir o que costuma denominar um erro judiciário, quanto o de impedir uma escandalosa contradição dos julgados, aplicando o critério da solução mais favorável ao condenado. E, na verdade, não se indaga nesta hipótese qual das sentenças seja errada: apaga-se somente, a inconciabilidade existente entre elas” ( apud Jorge Alberto Romeiro, in Elementos de Direito Penal e Processo Penal. P. 69).

32. Louvo-me, mais, em decisão unânime, recentíssima, da eg. primeira Turma do STF, no HC nº 86.758, Min. Sepúlveda Pertence, certo que do julgamento que acolheu, sem reservas, o princípio da isonomia, participam os ems.   Ministros Marco Aurélio, César Peluso e Carlos Britto, deixando claro que o acórdão de tal julgamento não está publicado, havendo, dele, tão só a notícia no Informativo nº 425/2006.

33. Nos termos do art. 580 do CPP, estendo ao paciente o benefício que, a meu entender, fora dado ao co-réu, Galdino Francisco da Silva. E, assim, concedo o habeas corpus, para anulando a decisão que indeferiu o pedido do paciente, determinar que se submeta, de novo ao MPE, o pedido de suspensão do processo a que responde ele, vedada a recusa, se fundamentada, tão só, no motivo julgado inidôneo pelo TRE/SP.

É como voto.