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Um ano da Lei de Mediação “Democratização do acesso à justiça”

14 de junho de 2016

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Se, por um lado, a Justiça Brasileira já atinge a marca de 100 milhões de processos em tramitação; por outro, os números representam que o cidadão brasileiro tem recorrido a ela para se valer de seus direitos.

É neste contexto que surge a Lei de Mediação, Lei no 13.140-2015, para conter a judicialização e dar soluções aos litígios, avalia o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão. “As soluções extrajudiciais, como novo marco regulatório da mediação, representam um grande ganho para a sociedade em rapidez e celeridade, tornando a Justiça mais ágil e menos onerosa”, afirma. 

Apesar de trazer avanços, a normativa, que entrou em vigor neste ano, ainda é um desafio no país no que se refere à sua total eficácia, afirma o Ministro. 

Conhecido por ser um defensor dos métodos de conciliação, mediação e arbitragem, ele reconhece as mudanças benéficas trazidas pela nova legislação, mas explica que é necessário avançar nas questões estruturais do Poder Judiciário para consolidar a sua efetividade.

“A Lei de Mediação resolve muitos dos problemas e desafoga uma parte do que seria levado ao Poder Judiciário, com a vantagem de que ela facilita e democratiza o acesso da população para a solução dos seus problemas. Acessibilidade é uma das finalidades da lei”, avalia. 

Salomão, que atua na 2a seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), também foi presidente da Comissão de Juristas que escreveu a Reforma da Lei de Arbitragem e o Anteprojeto do primeiro marco legal da Lei de Mediação no Brasil. 

Em entrevista à revista Justiça & Cidadania, Salomão faz uma análise sobre o primeiro ano de seus desafios. 

Revista Justiça & Cidadania – Criada para dar celeridade nas decisões judiciais e ser uma alternativa na resolução de conflitos, a Lei de Mediação no 13.140/2015 completará um ano de vigência, em 2016. Como o senhor avalia os resultados obtidos até o momento?

Luis Felipe Salomão – De pequenos problemas até questões complexas na sociedade civil, é possível utilizar a normativa para promover a resolução de conflitos, por via da negociação e do diálogo. 

A Lei de Mediação resolve muitos dos problemas e desafoga uma parte do que seria levado ao Judiciário. Uma das vantagens é que ela facilita e democratiza o acesso da população para a solução dos seus problemas. Por exemplo, cada vez que existe um litígio ou um pequeno problema em uma comunidade, em uma cidade, na família, isso abala a paz social e a missão do Estado é proporcionar essa paz. Se existe um litígio que abala essa questão, um simples problema pode tomar outras proporções, então, ter acesso para resolver esse problema é uma das finalidades desta lei.

RJC – Como a mediação pode ajudar a tornar o Poder Judiciário mais célere e eficaz para a sociedade ?

LFS – As soluções extrajudiciais representam um grande ganho em rapidez e celeridade tanto para o Poder Judiciário, que diminuirá o volume de processos; como para o cidadão, que terá resoluções mais céleres e eficazes para seus problemas por meio do diálogo. Quando se aplicam as técnicas de mediação, por exemplo, se atingem altas taxas de êxito e, prova disso, são os exemplos mundo afora. O Brasil ainda está atrasado em relação a essas práticas extrajudiciais, pois em países, como Alemanha, Estados Unidos e Argentina elas já são utilizadas há muito tempo e com resultados satisfatórios.

RJC – Quais são as principais alterações e inovações trazidas pela lei? 

LFS – A lei traz muitos aspectos positivos diante deste atual cenário de abarrotamento no número de processos que vivencia o Poder Judiciário. Ela ajudou a reduzir a burocracia e, também, a promover uma tentativa de mudança cultural; de mentalidade na forma de encarar os problemas e na tentativa de suas resoluções. Ou seja, procuramos com a mediação sair da velha cultura do litígio judicial para uma solução extrajudicial de composição. A prioridade da lei é, por via do diálogo, trazer soluções para todas as partes.

RJC – O senhor defende a mudança de paradigmas no combate à cultura litigante e diz que a Lei de Mediação é o caminho para a conquista. O que representa para o Poder Judiciário as soluções extrajudiciais? 

LFS – O Judiciário tem um importante papel para a realização da cidadania, e se vivemos um processo de judicialização é porque o cidadão busca o Poder Judiciário para resolver conflitos de todas as ordens. Mas é preciso o entendimento de que é preciso acioná-lo de forma racional. O sistema de justiça está em colapso, com 100 milhões de processo onde os juízes conseguem julgar apenas 30, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Atualmente, muitos dos conflitos que chegam na Justiça poderiam ser resolvidos fora dela antes mesmo de chegar ao Judiciário, como questões envolvendo família, consumidor, poder público, contratos e problemas envolvendo condomínio. Acredito que as soluções extrajudiciais têm um peso importante, porque não resolvem só o processo, mas trazem uma solução real e em curto prazo para o litígio, onde todas as partes saem ganhando. Isso não se faz da noite para o dia, até porque vivemos em um país marcado pela cultura do litígio e mudar questões culturais é um processo que tornará a Justiça mais eficaz para a resolução de demandas com um grau mais elevado de entendimento.

RJC – Na sua avaliação, quando vale procurar a mediação? 

LFS – Ela (a lei) é um instrumento que surge para facilitar as diversas relações sociais e possibilitar um acordo imediato entre as partes. É uma ferramenta útil para resolver conflitos de consumo, imobiliários e outros. Ela é um procedimento consensual.

É também um mito dizer que essas soluções vão reduzir o mercado de advogados, até mesmo porque todo cidadão precisa recorrer a esse profissional para entender sobre as suas demandas. 

RJC – Quais são os desafios da Justiça para a adoção da Lei de Mediação? 

LFS – A lei é positiva e não precisa de mudanças em seu texto. O que de fato precisa é evoluir e ter capilaridade. Sair do papel e ser colocada em prática, ou seja, é preciso dar tempo, ainda é muito cedo para uma avaliação e não será resolvido da noite para o dia. O desafio é o de capacitar e formar mediadores e tornar viável o acesso dessas soluções ao cidadão. Nós aprendemos a fazer petição inicial, mas não aprendemos a mediar. Tudo é um processo que vai demandar mudança de perspectiva de todos os agentes e da sociedade sobre a importância de que a medição é instrumento para solução de alguns conflitos.

RJC – Em um momento de crise política, econômica e institucional que o país vive, o Judiciário se torna protagonista. Como o senhor avalia esse cenário? 

LFS – O Judiciário tem como papel ser fiel à missão de fazer cumprir a legislação. E no momento que o País vivencia, isso reflete pois deságua na Justiça as principais demandas. A Justiça precisa ser realmente o último recurso da cidadania, mas com medidas que realmente funcionem. Por isso, o caminho da conciliação e mediação é alternativa extrajudicial eficiente que visa minimizar esses impactos e dar o suporte que o cidadão precisa. Mas, esse é apenas um dos instrumentos, o Judiciário tem que se gerir com autosuficência e não consegue pela falta de magistrados, juízes, ou seja de sua estrutura. Então, na prática, essas alternativas se tornam essencias para democratizar o acesso do jurisdicionado às soluções e ao Poder Judiciário.

 

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Para especialistas, lei trouxe avanços

Prestes a completar um ano de vigência, a Lei de Mediação, no 13.140/2015 marca uma nova era para o jurisdicionado no acesso à Justiça. Até pouco tempo oferecida por alguns escritórios de advocacia e, em alguns casos, nos Tribunais de Justiça, a mediação vem ganhando espaço e já foi incorporada ao novo Código de Processo Civil (CPC).

Para o desembargador César Cury, a normativa trouxe avanços significativos para o Poder Judiciário e ampliou o acesso à Justiça. “Esse novo modo de pacificação de controvérsias, que atende aos predicados constitucionais de acesso à solução justa, eficaz e a tempo razoável – inscritos no novo CPC – constitui o novo paradigma a partir do qual a sociedade brasileira passa a tratar as suas divergências”, afirma.

Dentre as principais inovações da normativa estão, por exemplo, o estímulo à solução extrajudicial e pré-processual e a possibilidade de criação de câmaras, além da solução consensual por meio virtual e por entes públicos que traduzem a melhor política de difusão da cultura de paz, completa o magistrado.

Na prática, a medida facilitou o acesso à Justiça para o jurisdicionado. “A possibilidade de tratamento consensual das disputas através dos Centros Judiciários e por via digital, a distância, representam para a sociedade, e para os advogados em especial, a conquista do acesso ágil, seguro e cômodo, com custos reduzidos, à solução dos conflitos”, explica. Tendo como base a resolução 125/2010, do CNJ, os Tribunais instituíram Núcleos Permanentes de Mediação e seus órgãos operacionais, os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs).

“Os Tribunais têm investido ainda na capacitação de mediadores, e na sensibilização de magistrados e servidores”, afirma o magistrado. No Tribunal do Rio, além dessas iniciativas, convênios com inúmeras entidades, públicas e privadas, têm permitido ampliar significativamente a área de atuação e a disponibilização de acesso à solução consensual à sociedade em geral e aos advogados em especial gerando resultados satisfatórios.

Segundo Cury, a mediação e as demais modalida­des consensuais – com base na Lei 13.140 e no novo CPC – constituem mais uma opção de solução consensual de conflitos. “Elas devem ser a escolha preferencial por advogados e pela sociedade em geral, contribuindo para o redirecionamento dos casos em disputa, hoje encaminhados quase exclusivamente à Justiça convencional, para os Centros Judiciários e para as Câmaras Públicas e Privadas”.

Já em relação às demandas triviais, repetitivas e de limitada expressão cognitiva e econômica, deverão ser tratadas através de Câmaras Virtuais de solução de disputas, a exemplo do sistema recentemente disponibilizado pelo CNJ, encontrado no site: cnj.jus.br/mediacaodigital e que cujo acesso deverá ser oferecido a partir dos Cejuscs.

Se a normativa tem como meta desafogar o Judiciário e atuar como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a auto composição de conflitos no âmbito do público e do privado a medida ainda deve percorrer um longo caminho no combate à cultura litigante, afirma o mestre doutor na Uerj e diretor acadêmico da Fundação da Escola do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, professor Humberto Dalla. “O grande desafio é a adoção concreta de uma cultura da pacificação. Ou seja, incutir nos operadores do Direito que todos têm o dever de buscar o acordo antes de procurar a Justiça”, explica.

Outra preocupação, principalmente nesse período de consolidação da normativa, é a de pro­mover uma pacificação verdadeira do conflito e não um acordo provisório e descompromissado, que muitas vezes, não resolve o problema e gera novas demandas, completa. Na opinião dele, a normativa é positiva, mas alguns pontos ainda dependem do amadurecimento na doutrina e na jurisprudência. “Cito, como exemplos, os limites dos acordos em direitos individuais indisponíveis, na forma do art. 3o, parágrafo 2, bem como os usos potenciais da mediação envolvendo a Administração Pública e o compromisso de ajustamento de conduta na tutela coletiva, conforme art.32”, diz.

Apesar dos desafios, o especialista reconhece que a lei trouxe avanços, como a possibilidade, regulamentada pelo art.29, de inserir pactos de mediação nos contratos em geral e na realização de audiências de conciliação ou mediação nos processos judiciais antes mesmo da contestação do réu, na forma do novo art. 334 do novo Código de Processo Civil (CPC).”Esse tem sido um período de acomodação. Quando toda a estrutura estiver em funcionamento, certamente funcionará como um mecanismo acelerador de acordos e, por via de consequência, das decisões judiciais”, afirma.

A diretora de mediação do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), advogada Juliana Rodrigues, comemora a regulamentação da lei. “Ela representou uma importante alavanca para a mediação no Brasil, principalmente no crescimento da utilização do mecanismo”.

Contudo, Juliana enfatiza que apesar de ser realizado por alguns tribunais brasileiros e câmaras privadas há alguns anos, a edição do marco legal da mediação foi determinante para conferir maior legitimidade à prática e esclarecer questões relevantes como, por exemplo, a suspensão do prazo prescricional durante o procedimento.

A advogada do CBMA destaca que ainda é cedo para avaliar o impacto do diploma na redução de demandas judiciais e na celeridade de resolução de conflitos, considerando o curto tempo de vigência da normativa. “As câmaras privadas já apontam um incremento no número de mediações extrajudiciais solicitadas no último ano e os tribunais apresentam um crescimento exponencial do número de mediações judiciais, especialmente em razão da entrada em vigor do novo CPC em março, que instituiu o procedimento como uma etapa quase obrigatória do processo judicial”, afirma.

Na prática, Juliana avalia que os principais ajustes em relação à normativa irão decorrer da necessidade de compatibilizá-la com o novo CPC e de esclarecer alguns pontos para sua implementação, mas que não exigem necessariamente reformas ao diploma.

A iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) é citada como referência ao formar um grupo de trabalho composto por representantes do próprio Tribunal, da Defensoria Pública, do Ministério Público e da OAB/RJ, e outras entidades com o objetivo de elaborar enunciados normativos sobre aspectos relevantes da lei e do novo CPC, tais como a realização de concurso público para mediador no âmbito do tribunal, a realização de convênios e demais esclarecimentos sobre o procedimento.

Diante desse momento de crise, Juliana afirma que a mediação é uma importante ferramenta para a resolução de conflitos. “Nesse contexto, a utilização de uma alternativa consensual permite a manutenção dos negócios e a preservação da relação entre as partes, que normalmente é bastante desgastada pelo litígio”, diz. Assim, segundo a diretora de mediação do CBMA evita-se que algumas questões sejam resolvidas no Judiciário, por meio de ações indenizatórias com o provável desfazimento dos contratos, o que acarreta não só o abarrotamento do Judiciário, mas também a redução das oportunidades de negócios e o agravamento da crise.

Para a advogada, o grande desafio da Lei de Mediação é instituir uma prática de mediação no Brasil com qualidade, que garanta os benefícios do instituto e evite a sua banalização. “Esse caminho passa ainda pela boa formação de mediadores, a sua adequada remuneração e a participação colaborativa dos advogados.

O desafio não é fácil, especialmente em razão da nossa cultura fortemente litigante, mas o primeiro passo já foi dado com a edição da lei”, conclui.