Um estilo múltiplo – O longo percurso da poesia ao direito e ao jornalismo

5 de abril de 2005

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A fecundidade nem sempre é compatível com a qualidade. Isso na literatura fica bem patente, quando o autor atira em todas as direções. Para os críticos rigorosos, mesmo Machado de Assis, nosso gênio literário, não conseguiu reproduzir nos versos a imbatível criatividade, na língua portuguesa, da sua prosa incomparável. Apesar de ter escrito o poema “À Carolina”, dos mais belos da nossa língua nem tão inculta assim.

Ives Gandra da Silva Martins, da Academia Paulista de Letras, é um dos maiores advogados tributaristas do Brasil. Seus pareceres são clássicos e servem de referência a muitas decisões dos nossos tribunais superiores. Se o tema é poesia, num contraponto admirável, ele se dá igualmente bem. A inspiração costuma estar centrada em Ruth, sua musa de sempre, homenageada com poemas de grande sensibilidade.

Hoje, devemos analisar o cronista, que acaba de lançar “Na imprensa…”, coletânea de artigos publicados em diversos jornais e revistas, no período de 1987 e 2004. Há uma espantosa versatilidade nos temas apontados, o que só pode se justificar pela grande cultura amealhada pelo autor. Aliás, fomos testemunhas de um fato recente, ocorrido em reunião do Instituto Metropolitano de Altos Estudos (IMAE), em São Paulo. Dado o tema para discussão por outro grande pensador brasileiro, que é José Aristodemo Pinotti, Ives Gandra desenvolveu de improviso uma profunda análise do que representou o livro “D. Quixote” para a cultura universal. Abordou os interesses econômicos e religiosos que inspiraram Miguel de Cervantes, há 400anos, na construção do romance que consagrou o cavaleiro da triste figura, juntamente com o seu inseparável Sancho Pança. Uma grande crítica de extrema virtuosidade.

Vejamos o livro de Ives Gandra, voltando à crônica. Começa com o bem elaborado decálogo do advogado (“nenhum país é livre sem advogados livres”), para prosseguir com críticas ao inconstitucional ajuste fiscal, passando pelo uso de drogas e reflexões sobre o socialismo, a tirania do corporativismo, a deterioração dos costumes, cultura e fé e o código do contribuinte. Tudo dentro de um princípio inarredável: a fidelidade à coerência. O estilo é claro, objetivo, direto, tornando a leitura agradável.

Como acontece na análise de reforma universitária, em que se preocupa nitidamente com a tendência vigente de preconceito contra as instituições universitárias privadas. Defende a imunidade prevista na Constituição, que tem sido desmoralizada por atos de governos que se sucedem. Apesar disso, enxerga exemplos promissores, como a PUC, a Universidade Mackenzie e o que se fez pela qualidade de ensino na UNIFMU. Conhece muito bem a matéria, por se tratar de aplicado e consagrado mestre de gerações, não apenas um teórico bem informado. Quando se discute a reforma universitária brasileira, caindo num poço de inconstitucionalidades, o pensamento de um verdadeiro catedrático torna-se necessariamente oportuno.