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Um estudo sobre política de cotas para concursos públicos

20 de fevereiro de 2018

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As ações afirmativas estão presentes no atual ordenamento jurídico brasileiro, porém não de modo pacífico. O tema é controverso e polêmico, a ponto de dividir opiniões, que extrapolam os limites territoriais de uma nação.

Como cediço, a simples adoção de políticas públicas de caráter meramente legal se mostrou, com o passar do tempo, ineficaz para a erradicação da mazela entran­hada nas sociedades mundiais – a discriminação. Dessa forma, há uma necessidade de implementação de novas medidas que, acres­cidas às existentes, viabilizem a persecução dos ­direitos fundamentais.

Nesse contexto, surgem como meios alternativos à defesa dos direitos personalíssimos a figura das ações afirmativas que, atentando para os paradigmas do Estado Democrático de Direito, buscam a melhor efetivação do princípio da isonomia. As ações afirmativas buscam ­reequilibrar as relações cotidianas e erradicar as discriminações existentes nas sociedades advindas dos regime Liberal, por meio da promoção dos direitos sociais.

No mandato do Presidente Lyndon B. Johnson houve a ruptura do pensamento arcaico-escravista compac­tador da doutrina “separados, mas iguais”. O discurso do Presidente americano foi um marco histórico que representou a mudança de paradigma, pois foi a partir dele que surgiu uma visão mais justa e igualitária das relações desiguais presentes na sociedade com o escopo de alcançar os ideais iso­nô­micos do Estado Democrático de Direito.

Você não pega uma pessoa que durante anos foi impedida por estar presa e a liberta, trazendo-a para o começo da linha de uma corrida e então diz: “você está livre para competir com todos os outros” e ainda acredita que você foi completamente justo. Isso não é o bastante para abrir as portas da oportunidade. Todos os nossos cidadãos tem de ter a capacidade para atravessar aquelas portas (tradução livre).

O emblemático trecho do discurso presidencial representa o famoso argumento dos corredores acor­rentados (“shackled-runner argument”) que consiste na impossibilidade de competição entre aqueles que recém se libertaram das algemas discriminatórias que lhes foram impostas pelos abusos históricos cometidos pelos brancos.

Em matéria de ações afirmativas, é seguro afirmar que o motivo embironário do debate repousa na diver­sidade. No entanto, essa diversidade mencionada é a de opiniões e não a racial, uma vez que a discussão sempre rodeou apenas uma raça – dos seres humanos.

Apesar da receptividade das ações afirmativas para ingresso em universidades públicas no ordenamento jurídico pátrio, é nítida a existência de dois grandes grupos que se dividem a favor e contra o instituto.

Por se tratar de um instituto de objetivos nobres, o senso de justiça dos defensores de sua aplicação não aceita o senso de justiça dos opositores, pois suas concepções de justiça são, por vezes, dia­metral­mente opostas, o que gera atritos desne­cessários e rótulos taxativos.

Além da dificuldade de mediação de múltiplas sub­je­tividades acerca da compreensão do termo vago e in­de­finido como a justiça, as ações afirmativas encontram resistência, em virtude de seu próprio objetivo.

Como dito anteriormente, a finalidade é erradicar as desigualdades para promover a união da sociedade como um todo. O problema é que esse objetivo nobre assemelha-se ao conceito de utopia e, por isso, sua finalidade é vista como impossível ou inatingível pelos opositores, de modo que sua aplicação seria apenas “tapar o sol com uma peneira”.

Ainda na esteira das ações afirmativas, deve-se ter em mente as concepções de isonomia e meritocracia que sempre colidem durante os debates acerca da aplicabilidade do instituto.

A isonomia formal exprime a ideia de que o apa­rato estatal não deve fazer distinções que o próprio constituinte não fez, enquanto, a isonomia material, consiste na concretização dos objetivos que se pre­tende alcançar. Assume, com isso, um caráter dúplice como direito fundamental e princípio basilar de um orde­namento jurídico.

A meritocracia, por sua vez, configura um prin­cípio próprio e integrado ao sistema capitalista, de modo que quem se encontra no ápice da estrutura social está ali por mérito próprio, ou seja, é o mais apto da sociedade em que se encontra, motivo pelo qual obteve sucesso. Convém destacar, todavia, que esse princípio tem como função precípua a garantia da isonomia formal.

O ingresso nos quadros de servidores da Admi­nis­tração Pública, por exemplo, depende de realização e aprovação em concurso para se contratar os candidatos mais qualificados e aptos para o exercício da função. A meritocracia é o principal critério garantidor da igual­dade de oportunidades ao se avaliar objetivamente o conhecimento dos candidatos.

Isso porque o critério meritocrático impede que o critério racial seja um empecilho à aprovação do can­didato que, subjetivamente, venha a ser discriminado pelo avaliador baseado somente na tonalidade de sua pele, como é suscetível em entrevistas e outros exames.

A partir do momento em que se supre a meri­to­cracia, com o intuito de promover maior isonomia, na verdade, prejudica-se, por via transversa, um instituto cuja existência se baseia justamente na garantia da igualdade de chances. Deve-se, portanto, tomar cuida­do para não criar mais desigualdades, enquanto o objetivo é erradicá-las.

A iniciativa as ações afirmativas é louvável, entre­tanto, o paradigma advindo do discursso presidencial (“schackled-runner argument”), não foi forte o sufi­ci­ente para pôr um fim na questão. Pois, assim como não parece justo libertar o “acorrentado” e colocá-lo na pista de corrida sob o argumento de que está pronto para competir, também não parece razoável colocá-lo próximo à linha de chegada e dizer que sua inabilidade foi compensada por este auxílio.

Ao se debruçar sobre a matéria, percebe-se a inefi­ciência da proposta de aplicação da política de cotas para concursos públicos, visto que esta não é a direção correta para a consecução da finalidade do ins­tituto das ações afirmativas.

A política de cotas objetiva corrigir o despreparo de uma minoria que foi negligenciada pelo Estado, ainda nos momentos de formação acadêmica (ensino fundamental e médio). Dessa forma, não é coerente afir­mar que a criação de desigualdades de competição entre os candidatos para concurso público, cujo in­gresso é extremamente difícil inclusive para aqueles que não tiverem lacunas durante sua formação aca­dê­mica básica, seja a solução a melhor solução para a edu­cação popular.

Resta evidente que a solução para a inclusão social e evolução na área acadêmica pátria não é a promoção de distinções raciais em cargos de cada vez mais especialização, mas, sim, a promoção de medidas nas áreas de ensino básico – fundamental e médio. Dessa forma, o alunado conseguirá, por mérito próprio, se preparar e superar a dura competição e os obstáculos da vida que todos se submetem.

Nesse sentido, é incoerente distinguir aqueles que são iguais, uma vez que nascer negro não é justifi­cativa para discriminar e taxar o indivíduo como “necessitado de ajuda”, pois a inteligência não é um privilégio somente dos brancos.