Edição

Uma abordagem econômica do Direito

23 de junho de 2013

Compartilhe:

A Análise Econômica do Direito – AED pode ser definida como uma disciplina que estuda o Direito e suas instituições, tendo como base a racionalidade individual. Até 1960, AED era sinônimo de análise econômica do Direito da Concorrência, “Anti-trust Law”, havendo algum trabalho pioneiro e exploratório no domínio da regulação de mercados e intervenção do Estado. Esta área de investigação continua hoje muito popular e intimamente associada à Economia Industrial. No entanto, o termo “Law and Economics”, após os artigos de Ronald Coase e Guido Calabresi em 1960, alicerçou o seu domínio nas áreas de propriedade, contratos, responsabilidade civil, criminal, processual, família e constitucional. Neste contexto, a AED procura dar respostas a duas perguntas: a) como o comportamento dos indivíduos e das instituições é afetado pelas normas legais? b) Em termos de medidas de bem-estar social definidas de forma rigorosa, quais são as melhores normas e como se podem comparar diferentes normas legais?

A AED tem sido alvo de considerável antagonismo por parte de muitos juristas. O famoso jurista norte-americano Morton Horwitz escreveu, em 1980, na Hofstra Law Review, a seguinte observação: “I have the strong feeling that the economic analysis of law has peaked out as the latest fad in legal scholarship.” Nove anos mais tarde, outro famoso jurista, Owen Fiss, escrevia na Cornell Law Review: “[…] law and economics […] seems to have peaked.” Contrariando estas sombrias previsões, a AED desenvolveu-se de forma rápida, tornando-se uma disciplina por mérito próprio. Segundo Richard Posner, “Economic analysis of law has outlasted legal realism, legal process, and every other field of the legal scholarship. It is probably the major breakthrough of the last two hundred years in legal scholarship.

A Análise Econômica do Direito tem por base os métodos da teoria microeconômica. Os agentes econômicos comparam os benefícios e os custos esperados das diferentes alternativas antes de tomar uma decisão, seja ela de natureza estritamente econômica, seja ela de natureza social ou cultural. Estes custos e benefícios são avaliados de acordo com as preferências dos agentes e o conjunto de informação disponível no momento da avaliação. Esta análise de custo-benefício é consequencialista porque leva em conta o que vai acontecer (em termos probabilísticos) depois de tomada a decisão, e não as causas que levaram à necessidade de tomar uma decisão, ou seja, os agentes econômicos preocupam-se com o futuro e não com o passado (uma vez que este não pode ser modificado).

Evidentemente que há limitações a este modelo. O modelo do agente racional interpreta tendências importantes do comportamento do ser humano médio, mas não explica e nem quer explicar desvios cognitivos ou psicológicos daqueles que estão fora da média. Em alguns casos, estes desvios psicológicos da tendência majoritária podem ser bastante importantes quer em termos da aplicação do Direito, quer na análise normativa. Por exemplo, a incapacidade que muitos grupos sociais têm em estimar ou mesmo entender a noção de risco pode ter um peso importante na forma de regular o mercado de seguros ou de impor determinadas regras de responsabilidade civil. Nos últimos anos surgiu a Escola Comportamental dentro da AED (Behavioral Law and Economics) que procura avaliar até que ponto certos desvios cognitivos podem ter importância na análise positiva e normativa.

A avaliação de custo-benefício faz-se num determinado contexto de preferências que se traduz num nível de bem-estar dos agentes. O bem-estar individual é medido pela utilidade que o agente retira da sua decisão, bem como das decisões que poderia ter tomado e não tomou (os custos de oportunidade). O conceito econômico de utilidade é bastante abrangente, refletindo não só bens materiais ou de consumo, mas também o grau de altruísmo que um indivíduo tem para com terceiros, incluindo bens não materiais (ou não mercantis) como a alegria, o amor ou a desilusão. Não há uma medida exata da utilidade individual, mas sim um conjunto axiomático que estabelece uma ordem ou hierarquização nas escolhas.

O bem-estar social mede-se pela agregação do bem-estar dos indivíduos. Também aqui não há uma medida única de agregação, sendo o utilitarismo (a soma simples e não ponderada da utilidade individual) apenas uma possibilidade, talvez a mais habitual e não menos isenta de polêmica. Outra medida possível de bem-estar social é aquela desenvolvida por John Rawls e que consiste na preponderância absoluta dos indivíduos com menor utilidade na função de bem-estar social.

A escolha da medida de bem-estar social obedece essencialmente a dois critérios: eficiência e desigualdade de utilidades. Geralmente não é possível obter mais eficiência sem aumentar a assimetria distributiva. O critério utilitarista prefere a eficiência à igualdade distributiva (a rigor, é neutro em relação à distribuição); a sociedade está melhor se em agregado tem um nível superior de utilidade. O critério rawlsiano prefere a igualdade distributiva.

A perspectiva Econômica vê o Direito como uma instituição que deve promover a eficiência, contribuindo, dessa forma, para melhorar o bem-estar social. Contudo, o Direito não deve ser usado para corrigir aspectos de distribuição ou desigualdade social. A razão é muito simples: existem outros mecanismos, como a política fiscal ou orçamentária, que podem corrigir esses aspectos com um menor custo social.

De alguma forma, as noções de justo castigo ou justa indenização estão normalmente ausentes quando falamos de eficiência. Contudo, estas noções são bastante relevantes na análise dos problemas legais, pois muitas vezes se recorrem a elas para justificar as normas jurídicas.

O problema mais importante concernente à noção de justiça em termos de Análise Econômica do Direito é a sua imprecisão quando comparada com a noção de eficiência. Esta difusão de critérios pode significar que não há uma ideia consensual de justiça na sociedade. Uma vez que a perspectiva econômica procura o bem-estar agregado, a inclusão de uma noção de justiça nem sempre é fácil.

Evidentemente que a noção de justiça é relevante para os dois níveis no modelo econômico. Primeiramente, ao nível agregado, porque o bem-estar da sociedade vê-se afetado pelos sentimentos de justiça. Em segundo lugar, porque a noção de justiça afeta o comportamento individual por meio de normas sociais ou de normas psicológicas. Estas normas, por sua vez, alteram a análise custo-benefício e consequentemente as decisões dos indivíduos. Ignorar estas alterações significa que a política proposta não é eficiente. A relação entre justiça, sentimentos e o comportamento individual tem sido estudada no contexto da escola comportamental (Behavioral Law and Economics).

Por fim, não podemos ignorar que muitas noções de justiça e moral concorrem para promover a eficiência e o bem-estar social. Por exemplo, o princípio moral de que não se deve mentir ou enganar, não só promove relações sociais cooperativas como diminui a necessidade de uma estrutura coerciva que consome recursos da sociedade. Existem, porém, noções de justiça e moralidade que não são eficientes.

Já foi dito aqui que a perspectiva Econômica vê o Direito como uma instituição que deve promover a eficiência, contribuindo, dessa forma, para melhorar o bem-estar social. No longo prazo, podemos mesmo dizer que o Direito tende a ser eficiente.

No entanto, esta teoria é bastante polêmica dada a diversidade de sistemas jurídicos que existem no mundo. Evidentemente que não há apenas um sistema eficiente, isto é, pode haver muitas soluções eficientes para o mesmo problema pelo que sistemas muito diversos podem ser igualmente eficientes. Contudo, existem na realidade muitas normas jurídicas e aspectos institucionais que não têm um conteúdo facilmente explicável pela perspectiva econômica. E existem muitos aspectos do ordenamento jurídico que são claramente ineficientes. Até que ponto a evolução histórica do Direito corresponde realmente a um processo de melhoria do bem-estar social (será o Direito causa ou consequência das melhorias sociais?) é uma questão empírica para a qual ainda não há uma resposta.