Uma Justiça que não será cega

5 de dezembro de 2004

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O Senado acaba de prestar um grande serviço ao País. Votou a Reforma do Judiciário que há doze anos, com audiências públicas e conferências, se arrastava em meio a discussões apaixonadas e divergentes, mobilizando juízes e advogados, todos envolvidos na defesa dos seus pontos de vista.

Velho parlamentar, nunca vi uma matéria tão esmiuçada, tão estudada e composta de tantos e diversos interesses. A reforma tem dois pontos principais: o controle externo e a súmula vinculante.

O objetivo é acelerar o andamento dos processos que correm na Justiça, milhões. Basta citar que um juizado do Rio de Janeiro tem dois milhões de processos a julgar.

Pela análise do Supremo Tribunal Federal, 95% dos julgamentos são repetitivos, questões já julgadas que são renovadas e se dispersam sobre o mesmo assunto por milhares de suplicantes, como os ajustes do Plano Verão, Collor e outros. Com a súmula vinculante, uma decisão do STF pode se aplicar a todos os processos que visem à mesma interpretação jurídica. Isso vai eliminar milhares de demandas e descongestionar a Justiça, que será mais célere e terá jurisprudência uniforme.

Outra importante decisão foi a criação do Conselho Nacional de Justiça. Ele fará o controle externo da Justiça e zelará pelo decoro da magistratura. Esse conselho terá a participação da sociedade civil, com representantes indicados por Senado, Câmara e Ordem dos Advogados do Brasil.

Certamente esta não é a reforma ideal. Nada é perfeito na humanidade. O trabalho do homem, em todas as coisas, é melhorá-las no seu tempo. Esta é a reforma possível. Para que se tenha tranqüilidade de que era a solução neste momento, basta dizer que o trabalho de concertar divergências foi tão grande e tão profundo que a reforma foi votada quase por unanimidade.

No Brasil do Império, para zelar pelo equilíbrio institucional, tínhamos o Poder Moderador, o Imperador. Na República, esse poder passou para os militares, que duradouramente e por tantas vezes interferiram no processo político. Nas democracias modernas, o equilíbrio moderador deve ser o do Poder Judiciário, isto é, da lei, aquela que nos obriga a todos. Como dizia Rui Barbosa, para citar o lugar-comum, ‘’fora da lei não há salvação’’.

Em carta ao governador Mello e Póvoas, do Maranhão, o Marques de Pombal, em 1761, deu-lhe conselhos sobre a Justiça, aquela que maior responsabilidade tem nos três poderes. Aos juízes entrega a sociedade o direito de dispor sobre a liberdade, a vida, o patrimônio das pessoas: a guarda da Constituição, que assegura esses direitos. Dizia Pombal que ‘’três divindades pintaram os antigos com os olhos vendados, sinal de que não eram cegas: Cupido, o deus do amor, Pluto, o da riqueza, e Astrea, a da justiça’’. E recomendava: ‘’Negue V. Excia. o culto a essas divindades: porque é prejudicial a quem governa riqueza cega, amor cego – e Justiça cega’’.

Com a Reforma do Judiciário, a Reforma Tributária e a Reforma da Previdência, mostramos o grande esforço do país, que, em dois anos, sem dúvida, com a coragem do presidente Lula, enfrentou esses problemas. Isto renova a fé em nossas instituições.

O Senado ajudou o Judiciário a não ser cego, olhando mais rapidamente àqueles que têm ‘’fome e sede de Justiça’’, porque ‘’Justiça tardia é a maior das injustiças’’.