Uma nova abordagem para os problemas sociais

5 de dezembro de 2002

Doutora em antropologia e ciências sociais pela Universidade de São Paulo, é presidente do Conselho da Comunidade Solidária.

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Quando nos referimos aos “problemas sociais brasileiros” evoca mos um fantasma que ronda o país e que parece invencível, mas que precisa ser derrotado para que possamos ter um Brasil melhor. Trata-se também de vencer o conformismo com as desigualdades e a falta de eficiência dos pianos de eliminação da pobreza. A quem compete enfrentar os problemas sociais brasileiros? Essa é uma questão que precisamos superar, sem demagogia e sem tergiversações, se quisermos efetivamente construir um Pais melhor para todos.

A responsabilidade do Estado na luta contra a pobreza e inconteste e sua atuação, em todas as partes do mundo, tem se ampliado. No Brasil, também houve esta crescente participação das políticas públicas de assistência. Mas, apesar disto, continuamos a ter um imenso contingente de pobres e, principalmente, a opinião pública continua a conviver com o fantasma de que os problemas sociais são insolúveis.

Chegou o momento de avaliarmos as políticas que tradicionalmente vem sendo postas em prática e definirmos caminhos novos e inovadores. Já alcançamos um grau de desenvolvimento econômico e tecnológico que não permite convívio com esta desigualdade. Possuímos também os instrumentos necessários uma vez que os recursos disponível: para este combate, sejam humanos ou mesmo metodologias e conhecimentos existem, assim como o comprometimento da sociedade.

Do lado da sociedade houve uma grande renovação quanto as ações assistenciais e também quando a participação em atividades que promovem a melhoria da qualidade de vida dos setores menos beneficiados. Através de séculos, a filantropia teve um papel preponderante na assistência a pobreza. Foi e continua sendo um instrumento de solidariedade social e garantia de atendimento para setores desprivilegiados. Atualmente, a filantropia mudou de perfil, reconhecendo seu papel complementar a ação estatal e sua responsabilidade na renovação da conceituação de responsabilidade social. Hoje, esta discussão está instalada na sociedade civil e, seja como ação voluntária de indivíduos ou intervenção das empresas, está em curso um novo modo de promover a participação e o desenvolvimento social.

Aqueles que participam querem resultados e os empresários não são apenas financiadores de boas obras. Também desejam participar, avaliar e contribuir com seus conhecimentos para a gestão dos programas sociais. Houve uma profissionalização deste setor nas empresas, aperfeiçoamento das metodologias de intervenção é uma exigência de adequação entre o custo e o beneficio proporcionado.

Existe, atualmente, um crescimento do investimento em programas sociais nas empresas, nas universidades e, certamente, nas instituições do Terceiro Setor (entidades sem fins lucrativos) que desempenham um papel novo e fundamental em todas as sociedades contemporâneas. Este é um setor muito dinâmico e grande gerador de empregos. Ele mantém programas voltados para grupos excluídos e que precisam de atenção especial. No Brasil, o desempenho do Terceiro Setor tem sido relevante e temos muitas ações exemplares.

Contam-se hoje aproximadamente 250 mil organizações não-governamentais no Brasil, sendo que 9.473 são entidades com Declaração de Utilidade Pública, 14.850 são cadastradas no Conselho Nacional de Assistência Social (dessas 6.744 possuem certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social) e 475 são Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, as OSCIPs.

O investimento nessas instituições é crescente. Em 2000, os recursos arrecadados para o Terceiro no Terceiro Setor pelas empresas privadas atingiram a soma de R$ 4,7 bilhões, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). São cerca de 465 mil empresas, com um ou mais empregados, que deram sua contribuição, seja fazendo doações eventuais a pessoas carentes ou desenvolvendo projetos mais estruturados.

Além da mobilização de recursos, o Terceiro Setor também conta com um outro tipo de incentivo: as premiações. Em junho, 26 projetos brasileiros na área social receberam o Premio Banco Mundial de Cidadania, durante o Encontro Nacional de Experiências Sociais Inovadoras. Três deles são de municípios onde Comunidade Ativa atual. Mamulengo: o Boneco na Cidadania Brasileira, lindos projetos que se desenvolve no âmbito do Artesanato Solidário, também foi premiado. A iniciativa forma e incentiva jovens a valorizar seu trabalho, promovendo cursos de capacitação, produção dos bonecos, montagem de espetáculos e comercialização dos produtos.

Os programas Alfabetização Solidaria e Capacitação Solidaria também vem recebendo diversos prêmios nacionais e intencionais por suas iniciativas e realizações.

As novidades em relação ao investimento na área social vem também do lado do Estado. Ainda que nem todas as ações governamentais tenham ganhado novos desenhos, assistimos a uma renovação em todos os níveis de governo. Já se tomaram mais conhecidas as novidades surgidas em municípios que, através de gestões locais eficientes e arrojadas, conseguiram melhorar as condições de vida e chegar a resultados positivos.

Também é importante destacar as mudanças que ocorreram nas relações de colaboração entre Federação, Estados e Municípios. Formas adequadas de redistribuição de recursos foram implantadas (Fundef, Pab etc) e parcerias efetivas que se tornaram possíveis pela crescente e responsável descentralização. Mas para alem destes progressos, o que efetivamente vem mudando o perfil da ação dos vários níveis de governo e o forte decréscimo do clientelismo e do paternalismo.

Estas mudanças decorrem de profundas transformações da sociedade brasileira que, tendo começado nos anos 70, fizeram nascer uma sociedade civil atuante. Os programas desenvolvidos pelo Conselho da Comunidade Solidaria procuraram responder a estas demandas e contribuir para a elaboração de metodologias adequadas. Para tanto procurados mostrar que as parceiras, especialmente aquelas entre governo e sociedade civil, são positivas para ambos os lados. Também consideramos importante que os projetos diagnostiquem as necessidades e definam os meios para focalizar as ações alcançando o público-alvo. Nestas condições, o desempenho do programa poderá ser monitorado com facilidade e os rumos podem e devem ser corrigidos quando necessário.

Com estes parâmetros foram desenvolvidos vários programas que respondiam a necessidades urgências e que não podiam encontrar nas agencias governamentais respostas imediatas. Com parcerias planejamos o programa de Alfabetização Solidaria, de Capacitação Solidaria e o Universidade Solidaria, cada qual respondendo a lima demanda diagnosticada como importante e cada qual procurando inovar no modo de fazer. Todos estes programas tiveram muito boas avaliações feitas por consultorias externas e todos conheceram uma grande expansão o que significa que os parceiros continuam a Investir com entusiasmo. Merece uma menção especial o apoio que recebemos das universidades públicas e privadas.

Hoje contamos com um acervo de conhecimentos que servem de suporte para a divulgação destas metodologias. Os bons resultados alcançados estimularam novos programas, com novas parcerias e enfrentando novos desafios. São eles: Artesanato Solidário que busca a geração de renda através do trabalho artesanal em regiões muito pobres; Rede Jovem que promove a inclusão digital e a conexão pela internet entre grupos jovens, oferecendo oportunidade de acesso ao conhecimento e quebra do isolamento que a vida nas grandes cidades impõe aos jovens da periferia. Procurando fortalecer a sociedade civil, desenvolvemos, com o apoio do BID, um programa de apoio ao Voluntariado (www.portaldovoluncario.org.br) e uma Rede informatizada para o Terceiro Setor (www.rits.org.br). É uma serie de debates sobre o Marco Legal das associações sem fins lucrativos.

O desafio, agora, e dar continuidade deste esforço para além do período do governo atual. Uma das inovações deste planejamento foi garantir parcerias e também a autonomia dos programas desenvolvidos. Com administração autônoma e recursos de várias Fontes as condições estão dadas para que os programas continuem. Se conseguirmos esta continuidade, será mais uma demonstração das mudanças ocorridas no país. Já temos condições para exorcizar nossos velhos fantasmas e mostrar a coragem e competência dos vários níveis de governo e da sociedade brasileira para, juntos, construírem um país mais justo.

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