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“Uniões estáveis” ou “uniões instáveis”? Última abordagem

5 de dezembro de 2004

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FIANÇA NA UNIÃO ESTÁVEL

Agora estou convencido: a união estável veio para ficar. O companheiro está até proibido de conceder fiança sem o consentimento de seu “consorte”, tal como acontece no casamento em que a outorga uxória é indispensável, sob pena de nulidade. Foi o que decidiu recentemente e por unanimidade a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça fluminense. Foi a resposta que precisava. Desde a alvorada da nova legislação indagava-me sobre essa possibilidade jurídica. Quando a Carta Constitucional consagra o princípio da igualdade jurídica entre o homem e a mulher, soa estranho que alguém ao formar, com esforço próprio, o seu patrimônio, esteja correndo o risco de dividí-lo pela metade, em caso de dissolução da “relação convivencial” e ainda, possa, em outra vertente, depender da vontade do outro, quando queira socorrer um amigo ou parente ao emprestar a sua solidariedade fidejussória em um momento de sufoco. Temos agora que perguntar à namorada se ela está de acordo. A verdade é que o ato simplista de dormir um com o outro, continua gerando efeitos jurídicos patrimoniais fantásticos. Dispenso-me de mencionar o rol de hipóteses daí decorrentes que podem causar até mesmo indenização por danos morais, outra mazela nacional, sob o ponto de vista de relações familiares mal resolvidas.

DANOS MORAIS NAS RELAÇÕES DE FAMÍLIA

Quando acaba o amor e com ele o casamento (ou união estável), onde já se viu indenização por danos morais, seja a que título for, cujo efeito é a eternização do conflito entre os ex-parceiros.

Com a mais respeitosa vênia dos que acolhem o ressarcimento, tenho que a desilusão dos amantes não se resolve em perdas e danos, pois é a frustração dos sentimentos que acarreta a dissolução. Nessa linha de raciocínio, o Desembargador Teixeira Giorgis do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em inédito julgamento de infidelidade do companheiro em que a traída pretendia pecúnia, ao afastar a pretensão, proclamou que “a dor e a angústia daquele que ama são conseqüências do término do consórcio, das agruras da vida, não se prestando o Judiciário a vingar a ausência da reciprocidade de afeto e respeito, indenizando aquele que sentiu-se traído” (Ap. 70.006.974.711).

A litigância em busca da indenizabilidade, parece “algo” um tanto masoquista que interfere psicossomaticamente para nunca permitir a extinção do tálamo, mas ao reverso, criam-se circunstâncias para tornar pendentes uma relação já desfeita e, com isso, exacerbar os ânimos ad aeternum, lançando-se os estilhaços da causa perdida sobre os filhos, as principais vítimas de toda essa incômoda situação.

INCONSTITUCIONALIDADE

Sempre imaginei que a legislação concubinária vigente (e continuo com o mesmo pensar) é inconstitucional e artificiosa, por imiscuir-se nas relações de natureza privada, e assim gerar inquietação social e desconforto. Pena que as entidades jurídicas responsáveis não tenham suscitado a questão perante aqueles que guardam a Constituição.

FAMÍLIA EM PERIGO

O resultado aí está: “Mulheres modernas casam-se uma vez por ano, tatuam o nome de todos os namorados pelo corpo, tudo é pra sempre, tudo já foi, passado e futuro são agora; um, dois, e já marido novo (…)”, no espirituoso artigo de Martha Medeiros, O Globo, de 12/09/2004, Revista. E os laços familiares vão aos poucos e inexoravelmente, desaparecendo…

Esse processo de deterioração vem ocorrendo desde a implantação do divórcio. É a vocação tupiniquim de sempre imitar os países estrangeiros, quando as diferenças sociais, econômicas e mesmo religiosas são abissais.

Tudo passa a ser estranho quando a Lei Magna soleniza a família como célula básica da sociedade e o casamento como seu único fato gerador (artigo 226 e parágrafos). Como qualificar os partícipes do novo instituto jurídico, se assim se pode considerá-lo? Concubino, companheiro, convivente, ou simplesmente, por elastério, “marido e mulher”? Chega a ser constrangedor o ato de apresentação social de um deles a um terceiro: “quero te apresentar minha companheira” ou minha “patroa”, (sim, porque “concubina” sempre teve conotação pejorativa).

UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA

Para se avaliar a insegurança jurídica decorrente da intitulada “união estável”, basta a afirmativa de que o homem poderá, em tese, ter duas ou mais mulheres, enfim, um harém bem demarcado (vice-versa). A primeira providência do varão é tratá-las por um apelido carinhoso como por exemplo, “florzinha”, que acaba virando “fôzinha” tal a reiteração desse tratamento para várias destinatárias. O uso da expressão serve apenas para evitar confusão de nomes que possam atrapalhar o convívio dos amantes. O descuido verbal poderá por tudo a perder.

O enquadramento jurídico que se dá ao fenômeno, muito mais freqüente do que se imagina, é “União Estável Putativa”. Há dois precedentes judiciários, bem recentes: um, no Rio de Janeiro (Ap. Cív. 2003.001.33248); outro, no Rio Grande do Sul (Embs. Infrs. 599.469.202), ambos reconhecendo essa nova figura jurídica, com a determinação da partilha igualitária dos bens disputados pelas companheiras.

Exige-se, apenas, um leve pressuposto a cumprir: a “sincera” revelação em Juízo de que elas  desconheciam o embróglio. Nos casos citados, o finado (que realizou o milagre do “exclusivismo concomitante”), embora sem se desvincular da primeira companheira, mantinha relacionamento antigo, duradouro e estável, com as demais. É o quanto basta para admitir-se a união estável putativa, com os doces efeitos jurídicos contemplados na lei. Ora, putativo é o que aparenta ser verdadeiro, legal e certo, sem o ser. Mera suposição…

A que ponto chegamos!

Indagação necessária: O caso citado revela bigamia ou se pode ampliar o conceito para o reconhecimento de concubinatos sucessivos? O colorido formal e vistoso da “união estável” abriga sob o manto protetor de suas asas a multiplicidade de casos escabrosos que a Justiça terá de resolver. A propósito, adverte Carlos Alberto Bittar, que “não é admissível que um Estado, por meio de leis inadequadas e inconstitucionais, aceite o verdadeiro solapamento do regime do Direito de Família, edificado ao longo dos séculos sob a égide de sólidos e profundos valores da cristandade e da moral pública, a pretexto de proteção a conviventes”. (Nova Realidade do Direito de Família,Vol. 1, p. 28, Ed. COAD).

PESSOAS DO MESMO SEXO

Como se tudo fosse pouco, pretende-se o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou contrato de “união estável” com efeitos jurídicos, tema que, pela sua relevância, impõe que a sociedade plebiscitariamente seja ouvida. O Tribunal gaúcho já acenou, repetidas vezes, para a possibilidade da união estável entre companheiros, designando-a carinhosamente como relação homoafetiva ou homoerótica. Ninguém nega que “o amor que não diz seu nome” é fato social que já não pode ser ignorado. Consideráveis segmentos alinham-se dentre os que exercitam tal preferência. Todavia, a edição de um diploma legal, longe de facilitar a existência dessas pessoas que merecem o maior respeito, vai estigmatizá-las ainda mais.

A norma só tem lugar em uma sociedade, quando o fato social a impõe. Não como criação artificial de cérebros que vivem atormentados em encontrar um modo de aparecer na mídia e fazer-se popular em determinado setor social. Nem se diga que tais parceiros, vivendo em convivência, ficam ao desabrigo de qualquer proteção quando ocorre ruptura dos liames afetivos ou morte de um dos conviventes. O Judiciário sempre ofereceu a solução adequada à luz do artigo 1.363 do antigo Código Civil (atual artigo 981).

A intromissão legislativa, contudo, quer no concubinato puro (já consagrado), quer no caso das uniões homossexuais, é fator de desagregação, confusão e ampliação dos conflitos. Tudo pela simples razão de que o legislador não é do ramo.

A conseqüência dessa explosiva mistura de despreparo com oportunismo, é a quebra da espontaneidade da relação afetiva entre os seres humanos. Um tem receio de aproximar-se do outro, sempre desconfiando de suas intenções. As relações estão cada vez mais patrimonializadas, por trás das demonstrações de afeto sempre um velado interesse que só o tempo revela.

Se tudo continuar assim, até a amizade parecerá suspeita. Dois homens ou duas mulheres que decidem viver no mesmo imóvel para poupar despesas, poderão amanhã se defrontar com o pedido de reconhecimento de união estável por parte de um deles, porque os sinais exteriores apontam para tal situação.

Houve um recente caso no Sul em que o motorista, por desempenhar durante anos o cargo, cujo patrão era homossexual, queria tirar uma “casquinha” indenizatória, fundada em união estável. Ganhou a causa na 1ª instância, mas perdeu na 2ª em razão do reconhecimento da relação empregatícia, tendo recebido os favores legais por força da rescisão do contrato de trabalho. Bis in idem, não!

ALIMENTOS AO CONVIVENTE

Outra questão recorrente, saber se cabem alimentos ao outro convivente, com o fim da “união”. A evidência que não porque a Carta Constitucional de 1988 consagra o princípio da igualdade jurídica entre os cônjuges, salvo hipóteses especialíssimas em que o necessitado estiver impossibilitado para o trabalho. O objetivo dos alimentos dizia Clóvis, não é fomentar o ócio ou estimular o parasitismo.

EFEITOS JURÍDICOS DO “NAMORO”

Quando se namora sob o mesmo teto ou fora dele, sobretudo nas relações de “segunda mão”, na tentativa sincera de reconstrução de suas vidas, o fator “experimentação” no sentido físico e moral (“a lei proíbe”) é de capital importância, na busca do bem-estar e, se possível, da felicidade integral.

Trata-se de um fenômeno natural de aproximação intimista entre dois seres, não se permitindo a ninguém a bisbilhotice. O legislador brasileiro atavicamente tem vocação voyerista. Gosta de se intrometer na vida dos outros apenas para obter dividendos eleitorais. É o defensor das minorias teoricamente excluídas e a seu talante, intervém quase sempre desastradamente, oferecendo-lhes soluções duvidosas e sempre questionáveis. Afinal isso é problema para o Judiciário resolver no futuro… Não tem sido sempre assim?

CASAMENTO E CONCUBINATO – DISTINÇÃO

Consigno que o Supremo Tribunal Federal, julgando o RE 212.560-1-SP, nos idos de 1998, sob a relatoria firme do Ministro Marco Aurélio, parecia ter resolvido o impasse, ao julgar um caso de partilha de bens entre concubinos, verbis:

“Registre-se que consubstanciam institutos distintos o casamento e o concubinato. Tanto é assim que o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal, tido como vulnerado pela recorrente, sinaliza no sentido de a lei facilitar a conversão da união estável em casamento. Por outro lado, na cláusula alusiva à proteção pelo Estado, não se tem tal igualação no campo patrimonial, com a partilha dos bens pelo simples fato de haver ocorrido a convivência comum. A referência à citada proteção e ao reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar não é conducente a, por si sós, levar à conclusão sobre a meação. Assim é, porquanto, até mesmo no casamento, é possível a adoção do regime de separação total dos bens”.

Fiquei eufórico. Vitória da razão e do bom senso. A Corte Maior interveio  providencialmente colocando o lar brasileiro em ordem, faltando, apenas, a declaração formal da inconstitucionalidade das leis concubinárias vigentes, que influenciaram, no particular, o Novo Código Civil. Ledo engano. A decisão, além de solitária, jamais o Supremo Tribunal Federal, apesar da matéria ser eminentemente constitucional, voltou a debruçar-se sobre o tema. O julgamento das questões correlatas de família foi transferido, à órbita da Corte infraconstitucional, que à míngua de uma adequada legislação, vem fazendo o que pode, até criando uma ficção como o da indenização por serviços domésticos prestados ao outro convivente, como compensação pela inexistência de bens a partilhar ou alimentos a prestar.

As pautas de julgamento estão recheadas de relacionamentos espúrios e incestuosos, tendo como escopo pretensões de ordem patrimonial. A preocupação maior do julgador é estar sempre perquirindo se o “golpe da união estável” está presente.

É o risco do modismo que bem funciona nas colunas sociais, mas nunca nas sagradas relações familiares.

ESTATIZAÇÃO DO AFETO

É preciso sempre ter em conta, nas magnas questões de família, a sagração da jurisprudência sedimentada ao longo do tempo, para proteção dos relevantes interesses do casal e da prole.

Numa época que tem se caracterizado por uma ridícula e irresistível tentativa de equiparar o casamento às uniões estáveis, corrente doutrinária de elevado tomo vem se manifestando em sentido contrário, rejeitando a estatização do afeto, (João Baptista Villela, Sergio Gischkow Pereira, Eduardo de Oliveira Leite, Carlos Alberto Bittar). Não seria a hora de dar um “basta” às propostas rigorosamente acientíficas e rasteiras de pessoas leigas travestidas de juristas-legisladores?

Vejam que situação teratológica: concubinos vivem juntos, como se casados fossem, sem o serem. Aí reside o âmago da questão, que a miopia nacional generalizada não quer enxergar. Como se casados fossem, mas não o são. Se não são casados, evidente não estão legitimados a invocar os institutos de Direito de Família para proteção de seus direitos. A relação é obrigacional.

Sob o risco de endossarmos uma analogia absolutamente inadequada e impossível à espécie, isto é, se duas pessoas vivem juntas e não querem legalizar sua situação, ou seja, desconhecem e negam o valor da lei no que diz respeito a sua vida em comum, inadmissível que invoquem esta mesma lei (antes negada e, de certa forma, desprezada e humilhada) para regularizar os efeitos decorrentes da ruptura da vida em comum. Ora, querer considerar a concubina meeira é o mesmo que equipará-la a cônjuge (mulher casada) que, certamente, é meeira, porque este é um dos apanágios decorrentes da união legalizada.

Não fossem suficientes estas considerações, é sempre bom lembrar que o constituinte de 1988 em momento algum equiparou as uniões estáveis ao casamento, tanto é que no artigo 226, § 3º deixou bem clara a dissimetria existente entre as duas figuras, quando declarou, sem vacilar, “…devendo a lei favorecer a conversão em casamento”. Ora, se o constituinte protege a união estável, mas quer que a mesma seja convertida em casamento, é evidente, e muito evidente, que as duas situações são distintas e, merecem, pois, tratamento, diverso. Qualquer exegese que fugir desta evidência é abusiva e, tranqüilamente, cai no terreno laico gerador de inquietação e turbulência.

Tempos atrás, em Congresso realizado em Curitiba, o pranteado Senador Josaphat Marinho, proclamou: “em momento algum o artigo 226, § 3º se referiu ao concubinato, mas tão-somente às uniões estáveis”, conforme já vinha afirmando há alguns anos, ou seja, o que o constituinte protegeu foram as uniões fáticas sem impedimento, que, certamente, nada tem a ver com o concubinato, onde há impedimento (“como se casados fossem, porém, sem o serem”) logo, não há como guindar estas uniões ao nível de casamento, e muito menos, daí fazer ilações capazes de colocar as duas realidades, essencialmente díspares, num só patamar.

CONCLUSÃO

Sei que essas idéias representam o outro lado do movimento jurídico que transformou o amor em negócio de ocasião. Mulheres, principalmente elas que são mais espertas que os homens, não se pejam em namorar e conviver de olho somente no patrimônio do consorte (e vice-versa). Com isso, os homens, que são bobos e não burros, se retraem e não assumem mais compromissos. Hoje em dia, até tirar foto do homem ao lado de mulher é coisa perigosa hoje em dia. Porém, existem situações em que o reconhecimento de direitos para os conviventes é questão de justiça. Devemos reconhecer isso. No entanto, para que a sentença de procedência possa obter o selo de qualidade é preciso não só que os juízes julguem, com severidade, os pressupostos que caracterizam a união estável (aspecto do tempo da união, vontade de constituir família e projetos espirituais de solidariedade), coisas que não se acumulam sem a entrega da alma, além do corpo. Contudo e apesar disso, os juízes necessitam de introduzir um segundo raciocínio para que o convencimento da justiça de partilhar o patrimônio se justifique, qual seja, o estado de dependência econômica: a prova final indispensável de que duas pessoas criaram um regime único de economias. Ocorre que a formação desse caixa comum não se dá apenas porque um integrante da relação é rico e outro pobre. O estado de dependência não se prova porque se paga uma viagem ou se compra um perfume. Prova-se pelo fato de alguém renunciar seus projetos de vida, interrompendo carreiras e outras perspectivas, para viver a vida do consorte em parceria e com solidariedade. Somente alguém que seja capaz de incorporar na sua existência, a existência do parceiro será digna de receber uma parte do patrimônio que se formou durante a vida comum no momento em que for dispensado. O que se observa, no entanto, são decisões que valorizam circunstâncias menores, desimportantes, como ensejadores da dependência econômica. Assim, não se faz justiça social; cria-se a instabilidade social, uma insegurança que intimida o homem e que somente serve para aumentar a sua freqüência nos “termas”, ou na aquisição de revistas eróticas, melhor opção para quem vive só e que não pode correr riscos…

Quedando-me, vencido, à maioria da corrente doutrinária, que prestigia o atual estado de coisas, proclamo que não escreverei mais sobre o assunto, talvez convencido de que nada mudará, a não ser que haja um milagre, até porque uma formiga não faz cócegas no sovaco de um elefante!