Edição 58
Vale-transporte, impossibilidade de substituição por passe popular
5 de maio de 2005
Presidente da Academia Nacional de Direito do Trabalho
EMENTA – VALE-TRANSPORTE – Impossibilidade de substituição do Vale-Transporte pelo PASSE POPULAR ou mesmo por dinheiro, em face das suas características preconizadas pela Lei n.º 7.418185. O PASSE POPULAR, ao contrário do Vale-Transporte, é salário, in natura, incidindo todos os reflexos: 13.º salário, férias, FGTS, encargos previdenciários etc. Ainda que haja concessão do PASSE POPULAR, ou mesmo dinheiro, em substituição ao Vale-Transporte, sujeito estará o empregador às sanções do art. 3.º, da Lei n.º 7.855/89.
………….. , sediada no Rio de Janeiro, na Rua …………., pede a análise de questão acerca do VALE–TRANSPORTE que passa a ser exposta:
“Com o advento da Lei n.º 7.418/85, implantado foi o Vale-Transporte para utilização efetiva em despe-sas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, através do Sistema de Transporte Público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, geridos diretamente ou me-diante concessão ou permissão de linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente, excluí-dos os serviços seletivos e os especiais.
Posteriormente, ou seja, em 24 de outubro de 1989, foi promulgada a Lei n.º 7.855 que dotou de sanção os preceitos do aludido diploma legal, preconizando a multa de 160 BTNs, por trabalhador prejudica-do na hipótese de infringência daquelas normas (art. 3.º, inciso V).
Trata-se, inegavelmente, de lei nacional oponível, portanto, a todas as Entidades Federativas, ou seja, à União, aos Estados federados, ao Distrito Federal e aos Municípios, posto que se legisla acerca de matéria pertinente ao Direito do Trabalho, cuja competência legislativa cometida foi pela Constituição da República privativamente à União, como um todo (art. 22, inciso I, última parte).
Conquanto estejam inseridas em seu texto nor-mas de caráter administrativo, tais como a inserta no seu art. 6.º, a lei instituidora do Vale versa e contém regras precipuamente de Direito do Trabalho.
Sucede que, a despeito da instituição do Vale do seu perfil jurídico, foi criado pelo Município de Petrópo-lis, no Estado do Rio de Janeiro, através do Decreto n.º 734, em 8 de outubro de 1992, o denominado PASSE POPULAR, para utilização no Sistema Municipal de Transporte Coletivo.
Depreende-se do seu texto que tal passe se cons-titui em instrumento com algumas das características do Vale, podendo-se indicar dentre elas a sua utilização, ante autorização pelo Poder Concedente local (autoridade administrativa), no Sistema Municipal de Transporte Coletivo de Passageiros por Ônibus, como substitutivo igualmente da passagem.
Frise-se, neste passo, que o aluído PASSE PO-PULAR pode ser adquirido por empregadores para seus empregados que, por seu turno, poderão utilizá-lo no deslocamento residência-trabalho-residência, em Petrópolis.
Dois, portanto, os instrumentos ora com validade naquela comuna: a) o VALE-TRANSPORTE, com seu delineado arcabouço jurídico pela Lei n.º 7.418/85, de caráter nacional e, por conseguinte, obrigatório a todas as Entidades federativas no concernente às suas re-gras de Direito do Trabalho; b) o PASSE POPULAR, criado por Lei Municipal, conquanto de aplicação restri-ta ao âmbito daquela localidade, como pretenso suce-dâneo do Vale-Transporte.
Aqui se situam as indagações que, através da presente e a seguir, passamos a formular, solicitando a V.S.ª seja exarado parecer acerca de tal tema:
“Possível é a substituição do VALE-TRANSPOR-TE pelo PASSE POPULAR de molde a que neste igualmente se identifiquem as características previstas no art 2.º, da Lei n.º 7.418/85?”
O Passe Popular não se reveste das característi-cas que o habilitem a desempenhar papel substitutivo do Vale-Transporte, uma vez que são diferentes os dois institutos.
As diferenças que se revelam pela comparação entre ambos são diversas, como passo a mostrar. Difere a causa determinante de ambos, específica quanto ao Vale-Transporte, inespecífica ou genérica, quanto ao Passe Popular. O Vale-Transporte é utilizado no percurso entre a residência do trabalhador e o local de trabalho enquanto que o Passe Popular pode ser usado em qualquer percurso.
Com efeito, o Vale-Transporte (Lei n.º 7.418/85) destina-se a criar uma obrigação legal do empregador, pessoa física ou jurídica, perante o respectivo empregado, tendo, como premissa, a existência do vínculo empregatício, sendo, portanto, o seu limite de atuação o contrato Individual de trabalho, sem o qual não há possibilidade legal da sua existência.
O Passe Popular, ao contrário, não tem a caracte-rística de obrigação contratual emergente do vínculo de emprego, daí não se tratar de pagamento vinculado à premissa da existência de relações de emprego, já que a sua esfera de atuação abrange a população em geral, assim considerada.
O fim do Vale-Transporte é determinado, permitir ao empregado o deslocamento entre a residência e o local de trabalho, enquanto que o uso do Passe Popular não tem esse objetivo legal definido, já que pode ser usado no transporte da população em geral, nos traje-tos e para os locais de interesse pessoal ou familiar, incluindo deslocamentos destinados ao lazer e ao aten-dimento de interesses particulares, não coincidentes com o percurso entre a residência e o local de trabalho.
A substituição do Vale-Transporte permitida pelo art. 8.º da Lei n.º 7.418/85 pelo fornecimento de meios próprios ou contratados, pelo empregador, em veículos adequados ao transporte coletivo, deve cobrir o deslo-camento integral dos trabalhadores, portanto o percur-so todo de translado para que o trabalhador possa chegar ao emprego e dele voltar para casa.
O Passe Popular, necessariamente, não cobre o deslocamento integral do trabalhador no itinerário resi-dência-estabelecimento-residência, uma vez que os percursos que com o mesmo serão percorridos, podem coincidir ou não com o trajeto específico do trabalhador para o estabelecimento onde exerce a sua atividade profissional, não pressupondo, ao contrário do Vale–Transporte, a cobertura completa do referido itinerário.
Pela inobservância da obrigação de dar Vale–Transporte, o empregador é passível de sanções admi-nistrativas previstas na Lei n.º 7.855, de 24-10-89, que alterou os valores das multas trabalhistas; já a não concessão de Passe-Popular não acarreta nenhuma multa trabalhista à empresa, exatamente em face da diferente natureza jurídica dos dois institutos, a do Vale-Transporte uma obrigação legal-contratual nas re-lações de emprego, a do Passe Popular uma conces-são de uso facultativo, a critério do usuário interessado, para utilização no Sistema Municipal de Transporte Coletivo (Decreto Municipal 734/1992).
O Vale-Transporte é favorecido com incentivos fiscais e não tem, por força de lei, natureza salarial, uma vez que a Lei n.º 7.418/85, art. 2.º dispõe que “o Vale-Transporte, concedido nas condições e limites definidos nesta Lei, no que se refere à contribuição do empregador: a) não tem natureza salarial nem se incor-pora à remuneração para quaisquer efeitos; b) não constitui base de incidência de contribuição previden-ciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço; c) não se configura como rendimento tributável do trabalhador”.
O Passe Popular, criado por Decreto Municipal, não é cercado das mesmas garantias e benefícios atribuídos pela lei federal ao Vale-Transporte, seguindo-se, como conseqüência, a impossibilidade de se lhe retirar a natureza de salário in natura quando fornecido pelo empregador ao empregado. A CLT, art. 458, declara que além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado (…)” Como se vê, o referido dispositivo legal, ao definir que é salário em utilidades, não é taxativo ao considerar que outras prestações, como o transporte, incluem-se no salário para todos os efeitos legais. Entre esses efeitos encontram-se não só os trabalhistas como os previdenciários e fiscais. Efeitos trabalhistas são, por exemplo, a incidência dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, a integração do respectivo valor no cálculo do 13.º salário, na remuneração das férias, no pagamento do repouso semanal etc. Efeito previdenciário é a integração do respectivo valor na remuneração básica para o custeio da seguridade social através do recolhimento das contribuições previdenciárias a cargo do empregador bem como a dedução relativa ao empregado. Já os efeitos fiscais são relacionados com o Imposto de Renda.
Em conclusão, não se equivalem nem podem ser substituídos, o Vale-Transporte e o Passe Popular, na medida em que aquela é uma obrigação trabalhista sancionada, se descumprida, pela Administração Pública do Trabalho e este é uma faculdade do usuário que quiser se valer desse meio colocado à sua disposição pela Prefeitura, independentemente do contrato individual de trabalho e desvinculada da sua condição de empregado.
“Em não sendo afirmativa resposta ao quesito anterior, o PASSE POPULAR concedido pelo empre-gador ao seu empregado é considerado salário, sobre ele incidindo os reflexos pertinentes ao décimo terceiro salário, férias, FGTS, encargos previdenciários etc.?”
O Passe Popular é salário in natura, como foi explicado na resposta anterior.
Há, sobre o valor do mesmo, as incidências mencionadas na pergunta.
“Na mesma linha de indagação contida na alínea “B”, sujeito estará o empregador, ainda que conceda o PASSE POPULAR, às sanções preconizadas no art. 3.º, inciso V, da Lei n.º 7.855/89?”
O empregador, ainda que conceda Passe Popular está sujeito às sanções preconizadas no art. 3.º, V, da Lei n.º 7.855/89. É mera conseqüência da insubstituibilidade do Vale-Transporte pelo Passe Popular. O Vale-Transporte pode ser substituído unicamente na forma e através dos meios previstos pelo art. 8.º da referida lei que assim dispõe:
“Asseguram-se os benefícios desta Lei ao empregador que proporcionar, por meios próprios ou contratados, em veículos adequados ao transporte coletivo, o deslocamento integral de seus trabalhadores”.
Como se vê, a lei estendeu os seus efeitos ao empregador que promover o deslocamento dos seus empregados através de meios próprios. É claro que esta hipótese não coincide com a decorrente da concessão do Passe Popular, com o qual o transporte dos empregados não se fará através de meios próprios do empregador, mas mediante transporte público administrado pela Prefeitura Municipal.
Também serão iguais os efeitos quanto ao empregador que contratar empresas transportadoras que disponham de veículos adequados. Não se identificam aqui, as duas situações uma vez que através do Passe Popular o empregador não estará contratando ninguém. O Passe é obtido diretamente por todo e qualquer interessado e não é restrito ao empregador, já que pode ser adquirido por iniciativa de qualquer pessoa. A descrição da lei não autoriza concluir que é possível tal substituição, já que as hipóteses típicas são distintas.
A jurisprudência posiciona-se no sentido da irrenunciabilidade e da obrigatoriedade da concessão do Vale-Transporte, bastando, a título exemplificativo, a transcrição das seguintes ementas:
“Vale-Transporte. O benefício é de concessão cogente, sendo correta a aplicação da Lei 7.619/87 e Regulamento, Decreto n.º 95.247/87. A lei não concede ao empregador, pessoa física ou jurídica, a faculdade de concedê-lo, a seu talante. Sua concessão é compulsória. Tratando-se de norma de ordem pública, de aplicação imperativa, é irrenunciável, não permitindo transação principalmente porque esta seria de evidente prejuízo para o trabalhador “(TRT/3.ª Reg. 3.ª T., RO 6.292/89, Rel. Juiz Michel Francisco Melin Aburjeli, DJ/MG 24-8-90, p. 80).
“O fornecimento do Vale-Transporte é obrigatório à luz das Leis nº. 7.418/85 e 7.617/87” (TRT/1.ª Reg. 3.ª T., RO 883/89, Rel. Juiz Roberto Davis, DO/RJ 9-3-90, p. 106).
Daí a resposta afirmativa.
“Quais os demais esclarecimentos à espécie per-tinentes e se possível é a substituição do Vale-Trans-porte pelo pagamento em dinheiro do seu valor correspondente?”
Há contratos coletivos de trabalho, resultantes de negociações entre as entidades sindicais representativas dos trabalhadores e o sindicato patronal ou, diretamente, as empresas, prevendo diversas figuras de reembolso, dentre as quais o dos gastos de transporte dos empregados.
É duvidosa a validade de cláusula de convenção ou acordo coletivo de trabalho estabelecendo que o reembolso não tem natureza salarial. A matéria é de ordem pública e interessa não só aos estipulantes, mas ao Estado. A cláusula se atrita com o disposto no Decreto n.º 95.247, de 17-11-87, art. 5. 7 que declara:
“É vedado ao empregador substituir o Vale-Transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único – No caso de falta ou insuficiência de estoque de Vale-Transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, o beneficiário será ressarcido pelo empregador, na folha de pagamento imediata, da parcela correspondente, quando tiver efetuado, por conta própria, a despesa para seu deslocamento.”
Da mesma forma que o Vale-Refeição, se o empregador, diretamente, assumir gastos de transporte dos empregados, fora do sistema oficial definido pela lei, estará, na verdade, efetuando pagamento de utilidade de natureza salarial.
É sabido que o Vale-Refeição não integra o salário, por expressa exclusão legal. Todavia, se o empregador assumir diretamente o pagamento do transporte do empregado, estará criando uma obrigação trabalhista de natureza salarial, exatamente porque não o fez através do sistema oficial. As mesmas conclusões prevalecem quanto ao Vale-Transporte e o reembolso das despesas de transporte. Nesse mesmo sentido, há decisões judiciais (TRT/8.ª Reg., Ac. 1.120 /88 R. Ex-Off e RO 990/88, Rel. Juiz Haroldo da Gama Alves).
Esses dados são suficientes para responder a questão.
Em conclusão, o Vale-Transporte é uma obrigação legal de natureza trabalhista, insubstituível por outra forma de pagamento do transporte do empregado, salvo se o empregador o fizer através de meios próprios ou contratados.
O Passe Popular instituído pela Municipalidade não tem a mesma natureza jurídica e finalidade, razão pela qual não é substitutivo do Vale-Transporte.
É o parecer.
Fonte: COAD INFORMATIVO SEMANAL 49/93