Vargas

5 de agosto de 2004

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Vargas está na moda. E novela e é romance. Agosto ressuscita seu dramático fim naquela madrugada das angústias, no Palácio do Catete, quando com o dia amanheceu o seu corpo morto, no martírio que José Américo chamou de “ocaso de sangue”. Ali, com um tiro, encerrava a mais vertiginosa e surpreendente carreira política e o mais enigmático  homem público deste século. Numa conferência que fiz, sobre Afonso Arinos, o parlamentar, na Universidade de Brasília, afirmei que o gesto de Vargas foi político. A bala que o matou, matou o sonho de poder da UDN e o isentou de todas as cobranças do mar de lama e da ditadura.

A literatura sobre Vargas não é das melhores. Quase não existe. Suas biografias são superficiais e o país lhe deve um estudo mais profundo, de sua personalidade e do seu governo. De todas as páginas que sobre ele se escreveram, o melhor perfil foi feito por Assis Chateaubriand, que o tratou numa relação amigo e inimigo, chamando-o de “o monstro”, na Academia Brasileira de Letras.

Getúlio fez a mais rápida e fulgurante carreira da História Republicana. Em 1923, Borges de Medeiros o incluia na chapa de deputados federais, na vaga de Rafael Cabela, deputado apagado, cujo nome li nas memórias de Gilberto Amado e numa passagem de Rui Barbosa. O primeiro o descreve como “vermelho como uma lagosta, todo envolto no farfalhar das bandeiras do Sul”, e o segundo, em referência a uma consulta que fez sobre se podia candidatar-se, pois vivia em Rivera, no Uruguai, alegando que não tinha segurança para residir no Rio Grande do Sul. Rui respondeu que sim, pois naquele tempo não existia a exigência do domicílio eleitoral.

Getúlio, chegando ao Rio, é feito líder da bancada gaúcha, membro da Comissão de Constituição e Justiça por onde passou sem deixar marcas. Washington Luís vai escolher o Ministério.

O nome escolhido o era de Lindolfo Collor, que escrevera em “O país”, jornal de grande prestígio na época, muitos artigos, e expôs muitas idéias sobre a solução dos problemas econômicos. Otávio Mangabeira então objetou que Collor era inimigo de Carlos Campos, governador de São Paulo, e esse fato criaria problemas. O presidente da República então pergunta: “Quem é o líder da bancada do Rio Grande do Sul?”, Estado ao qual cabia o Ministério. Respondem-lhe, “Getúlio Vargas”.  Ele responde, sem vacilar: “ Pois será o Ministro. “Como se não entende de fianças, é um homem bisonho e sem expressão” lhe diz Mangabeira. “É o nome ideal”, responde o presidente. “De finanças endento eu”. Washington tinha essa vaidade, fora seu forte como governador de São Paulo e, na Presidência, fez a reforma cambial, desvalorizou a moeda e criou o cruzeiro.

Getúlio, de ministro da fazenda a governador do Rio Grande do Sul. Daí saiu, depois de cartas de amor não cumprido a Washington Luís, para candidato a Presidente da República, chefe da Revolução vitoriosa de 30 e ditador por 15 anos. Volta em 50,  m eleições diretas, e termina seus dias com o suicídio. De sua chegada ao Rio a ditador são seis anos. Ninguém repetira essa trajetória. É bom recordar Napoleão: “É preciso ter sorte, estrela” Luis Viana, grande historiador e biógrafo, disse-me uma vez que se pedisse àquela época, na Câmara, uma lista de dez políticos capazes de exercer a Presidência, dela não constaria Vargas, tal a sua discreta presença.

Sua imagem no Rio Grande era de um homem austero, bisonho, respeitável. Não era dado a esperteza e golpes. No cenário Federal ei-lo grande técnico em rasteira, pirotécnicas, habilidoso, manhoso, felino, esperto. Manejava os homens e a política com uma maestria jamais ultrapassada. Ele encarnou o espírito da década de 20, da busca de um projeto nacional. Foi sensível aos desejos de mudança da velha e arcaica estrutura política do país. Era um solitário. Não formou equipe, nunca confiou em ninguém, mas ninguém mais do que ele soube usar o poder e jogar com os homens. Mudou as aspirações do país, e criou um estilo peculiar de política que em sérios desdobramentos na vida do país o levou à morte. Sua figura tem aspectos contraditórios e difíceis de compreender e explicar, como a de todos os grandes homens. Foi, sem dúvida a maior presença política do século, a mais enigmática e a mais sedutora. Hoje posso julgá-lo sem a paixão da minha juventude udenista e como um dos homens que o sucederam, na Presidência, neste século. Calculo o seu tormento e o seu destino, o que sofreu e amargou. Em sua personalidade, o político era maior do que o homem de Estado. Isto não o diminui em nada, pois naquele tempo, como afirmou Churchill, durante a Segunda Guerra, “a hora é da política”. Assim foi.