Ventos de democracia

30 de setembro de 2009

Desembargador do TJERJ, membro da Associação Juízes para a Democracia, membro do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania

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O Judiciário ainda é o segmento da república onde a vontade popular é menos influente. Seus componentes são escolhidos por via de concurso público, uma modalidade de seleção que prestigia o conhecimento em detrimento da liderança popular.
Contudo, com as características de imparcialidade que deve ser o pilar garantidor de um bom julgamento, não acredito que a escolha por via da disputa político-partidária faria do judiciário melhor do que é. Basta olhar para os Tribunais Superiores onde vigora o critério político na escolha de seus membros para ver que esse não é o melhor caminho da democracia.
Contudo já poderíamos ter aperfeiçoado os critérios de escolha da administração dos Tribunais adotando a eleição direta de seus membros pelo colégio eleitoral formado por todos os magistrados como eleitores e elegíveis. Certamente teríamos administradores mais preocupados com a prestação jurisdicional e menos com a vaidade de construir prédios suntuosos em detrimento da histórica falta de condições de trabalho dos juízes da primeira instância.
Enquanto nós desembargadores somos cada vez mais e melhor dotados de boas e luxuosas condições de trabalho, as partes sofrem com uma juntada de uma simples petição nos autos que chega a demorar mais de 90 dias. Isso no melhor e mais moderno Tribunal de Justiça do país, conforme com justiça nos jactamos.
Enquanto isso, no campo associativo, morno e sem lideranças pungentes ou de qualquer natureza, os ventos da democracia sopram e trazem esperanças para um despertar da associação estatal dos magistrados, que há anos dormita na burocracia de festinhas e eventos nada significativos para seus associados, que se veem órfãos de lideranças.
Defendo que, por ser o único espaço de poder possível para os magistrados de primeiro grau, deveriam ser esses os candidatos em potencial à presidência da associação, mas há carência absoluta de líderes que desejem corajosamente assumir essa missão.
Na falta de lideranças surgem dois excelentes candidatos no segundo grau que estão balançando os brios dos magistrados, suscitando o debate sobre temas ainda incipientes e insuficientes para contaminar todos os juízes na busca de seu verdadeiro papel social, qual seja a prestação de serviços jurisdicionais de qualidade e cada vez mais aproximada da população. O fortalecimento da Justiça Itinerante, iniciado há mais de uma década com o programa Justiça nas Comunidades, que deve ser cada vez maior na busca do reencontro com o povo carente e necessitado de respeito aos seus direitos fundamentais; a aproximação dos magistrados dos estabelecimentos prisionais, onde devem ser realizadas audiências periódicas; e o fortalecimento dos programas de mediação, justiça restaurativa e projetos sociais que reduzam o fosso que nos separa da sociedade devem ocupar a agenda prioritariamente, antes da busca de melhorias salariais e outros temas sempre presentes em nossa agenda.
O cenário nos traz um candidato cuja liderança forte e determinada surgiu quando ainda magistrado de primeiro grau, o Desembargador Rogério de Oliveira, com muita coragem, liderou batalhas vitoriosas que garantiram direitos antes desconsiderados pelas administrações que tiveram o seu reconhecimento confirmado graças à sua pertinência e determinação. É, sem dúvida, uma excelente opção que tardiamente se apresenta; eis que se tivesse se apresentado enquanto juiz de primeiro grau, esvaziaria minha crítica à falta de liderança.
O outro candidato, Desembargador Antonio Cesar Siqueira,
é carismático e tem uma liderança nata somada a uma capacidade administrativa competente demonstrada com sua vitoriosa passagem pela Presidência da Mútua dos Magistrados, onde soube dar continuidade à revolução modernizadora do saudoso Desembargador Paulo Salomão e aperfeiçoar os serviços de saúde prestados à magistratura fluminense. Tem uma grande sensibilidade social e uma característica muito necessária para a reconstrução da caminhada associativa: é conciliador e realizador.
Como é saudável o debate democrático que hoje ocupa os espaços de comunicação, ainda muito pobres dos magistrados fluminenses. Pena que essa discussão não possa ser estendida na busca do aperfeiçoamento da administração do Tribunal de Justiça. Minto, deixe-me melhor refletir, o debate até está ocorrendo nessa administração. Afinal, o Presidente Luiz Sveiter participa ativamente de uma lista de conversação entre magistrados e responde a todas as provocações e atende às possíveis reivindicações que lhe apresentamos.
Embora saudável e nova essa disponibilidade para o debate do Presidente do Tribunal de Justiça com todas as instâncias, esse é apenas o começo para a longa caminhada de democratização, que deve ocupar a agenda dos candidatos e de todos os magistrados fluminenses.
Enquanto isso, data vênia, o povo assiste de fora e ainda muito longe de seu lugar de honra, a uma lenta e cara prestação jurisdicional ainda muito elitizada com uma linguagem somente acessível aos que possuem a carteirinha de amigos do poder. Esses podem entrar, sentar-se à mesa para almoços e congressos, onde nem sempre predomina o interesse público; aqueles esperam pelas migalhas dessas refeições na busca de remédios que lhes faltam, educação de qualidade que lhes é surrupiada e política séria e honesta. Enquanto prendemos mordomos e ladrões de galinha, assistimos passivamente ao assassinato de miseráveis de chinelo de dedo, identificados por uma parte da mídia como traficantes, justificar uma política de segurança fria e irresponsável.