Voto secreto de parlamentar: esconder o que de quem?

3 de março de 2001

Presidente da Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro

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O Brasil tem assistido a uma enorme polêmica acerca da violaçao ou nao do sigilo do voto em votações secretas no Senado Federal, discutindo apenas se o sistema de computador e seguro o suficiente para garantir aos Senadores o segredo da sua posiçao politica em relaçao a certas materias. Nao ha duvida de que se a lei determina o sigilo, ninguem esta autorizado a quebra-Io. Sera, no entanto, que o ponto central da discussao deve ser esse?

Em uma democracia, em que o parlamen­tar representa os seus eleitores, qual o sentido de se esconder daqueles que nele votaram a sua posiçao politica diante da cassaçao de um parla­mentar ou da derrubada ou nao de um veto do Poder Executivo? O eleitor nao tem o direito de saber como o seu representante votou? Por que se garante ao Parlamentar a prerrogativa de se esconder dos seus eleitores sob o veu do sigilo do voto? A verdadeira democracia comporta o voto escondido?

Todos certamente se lembram das eleições do ano de 1995 para Presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – ALERJ. O nosso Poder Legislativo Estadual se encontrava total­mente desgastado com a opiniao publica, em razao da falta de transparencia com que a Casa era dirigida, o que resultava no pagamento de salarios absurdos, engavetamento de projetos de lei, desperdicio de dinheiro publico e sessões le­gislativas em que imperava a falta de compostura e respeito mutuo.

Nessa eleiçao de 1995 duas candidaturas se apresentaram: a da situaçao que tinha como plataforma dar seguimento a politica praticada ate entao; e a da oposiçao, tendo sido eu o can­didato, com uma plataforma de moralizaçao do Parlamento Estadual, atraves da transparencia, tanto na atividade-fim,legislativa, quanto na ativi­dade-meio, administrativa.

Um dos maiores empecilhos a derrubada do regime anterior e das suas praticas pouco ortodoxas, residia na regra regimental do voto secreta para a eleiçao da Mesa Diretora. Nos da oposiçao sabiamos que o desgaste do Poder Legislativo junto a opiniao pública era a epoca tao grande, que se a votaçao fosse aberta pode­ríamos obter a vitória. Com a votaçao secreta, no entanto, tínhamos poucas chances, em razao de um estilo de fazer politica de que nem gostamos de lembrar …

Fizemos, entao, uma enorme campanha, com o apoio da midia e da opiniao publica, que acabou tendo exito, para tornar o voto para a Mesa Diretora aberto, que tinha o seguinte mote: “De­putado, mostre a sua cara”. A situaçao recorreu a Justiça, que em boa hora decidiu que se tratava de questao “interna corporis” e nao interferiu.

O resultado todos sabemos. Venceu a De­mocracia e a ALERJ tem conseguido nos ulti­mos anos resgatar a sua imagem e o seu concei­to perante a opiniao pública, atraves da transpa­rencia na conduçao das sessões legislativas, com a garantia da tramitaçao e votaçao de todos os Projetos, em um regime de cordialidade e respei­to mutuo que antes nao se via. No plano admi­nistrativo foi efetivada uma verdadeira revoluçao, com a participaçao ativa do cidadão-eleitor, prin­cipalmente atraves da disponibilizaçao de infor­mações no site da ALERJ na internet.

Esse e apenas um exemplo do que a total transparencia das posições politicas dos parla­mentares pode fazer em favor da moralidade pu­blica e da democracia.

O fim do sigilo do voto do Parlamentar traz, portanto, benefícios de toda a ordem. Nao so re­vela por inteiro o parlamentar para o seu eleitor, como tambem diminui a possibilidade de atritos e desconfianças intra-partidarias. Toda votaçao se­creta e sucedida por especulações de toda a parte sobre quem traiu quem, ou quem nao seguiu a indicaçao partidaria, o que acaba se tornando um manancial para os intrigueiros e boateiros de plan­tao, e certamente enfraquece um dos pilares do sistema democratico, O Partido Politico.

E chegada a hora, nesse momenta em que o Brasil começa a alcançar a sua maturidade de­mocratica, de se abolir, em todas as suas formas, o voto secreta do Parlamentar. No Estado do Rio de Janeiro estou apresentando Projeto de Emen­da a Constituiçao para retirar do § 2°, do art. 104, da Constituiçao, o sigilo do voto na deliberaçao sobre a cassaçao de Deputado, e do § 4°, do art. 115, o sigilo do voto na deliberaçao sobre os vetos do Poder Executivo. Estou apresentando tambem Projeto de Resoluçao para retirar do Re­gimento Interno da ALERJ todas as referencias a voto secreto.

Nao ha democracia sem transparencia. Nada legitima o legislador a esconder do eleitor a sua posiçao política sobre qualquer tema, por mais complexo e delicado que seja. O Estado Demo­cratico de Direito de ha muito ja aboliu a possibili­dade de alguem ser julgado secretamente. E che­gada a hora de avançarmos ao ponto em que nenhum representante dos cidadaos deve poder decidir qualquer coisa em seu nome sem o seu conhecimento e o seu controle. Afinal, o voto secreto serve para esconder o que de quem?