A função social da empresa e acordos de leniência

22 de abril de 2015

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Ives Gandra Da Silva MartinsOs escândalos que envolveram dirigentes da Petrobras, empresários, políticos, partidos de apoio ao governo e os próprios governos de Lula e Dilma – considerado o maior escândalo da história do mundo, em nível de corrupção ou concussão em uma empresa de controle público –, têm levado à discussão se deveria ou não haver um acordo de leniência para que as empresas participantes dos desvios pudessem continuar a existir, já que são milhares os seus empregados que poderiam ficar sem emprego, se elas parassem de exercer suas atividades.

Há duas correntes claras no exame da questão. A primeira defende que tais empresas deveriam ficar impedidas de participar de concorrências públicas, o que já foi determinado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em face do princípio legal de que empresas inidôneas não podem concorrer a licitações; a outra defende o cabimento de um acordo de leniência que não prejudique os processos criminais e civis em andamento, objetivando garantir a função social da empresa, baseado no artigo 170, inciso III, da Lei Suprema, assim redigido:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […]

III – função social da propriedade;

Pessoalmente, sinto-me à vontade em filiar-me a esta segunda corrente, também lastreada em legislação infraconstitucional.

Reza o artigo 35-B da Lei no 8.884/1994 (acrescentado pelo artigo 2o da Lei no 10.149/2000) que:

Art. 35-B – A União, por intermédio da SDE, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um a dois terços da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:

I – a identificação dos demais coautores da infração; e

II – a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.

Quero lembrar que, sobre a questão desse formidável escândalo de corrupção ou concussão, elaborei parecer baseado em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considera a “culpa grave” crime de improbidade administrativa, entendendo eu que poderia, juridicamente, ser instaurado processo de impeachment da Presidente Dilma junto ao Congresso, em face de ter exercido as funções de presidente do Conselho de Administração, no governo Lula, ser sua Ministra de Minas e Energia e presidente da República, não tendo detectado, por omissão, negligência, imperícia ou imprudência os ciclópicos desvios de recursos. Além disso, já no segundo mandato, manteve a diretora e depois presidente da Petrobras, Graça Foster, a qual também deixou de atalhar tais operações, que ocorreram durante sua diretoria e posterior presidência.

Vale dizer, juridicamente, entendo que houve culpa (omissão, negligência, imperícia e imprudência) da Presidente e da diretora por ela nomeada, em não detectarem os saques de bilhões e bilhões de reais da maior empresa brasileira – embora não acredite que, politicamente, o Congresso venha a declarar o impeachment, pois qualquer Presidente que saiba relacionar-se com o Parlamento tem, pelo menos, 1/3 dos parlamentares de seu lado para impedir tal punição.

Tenho minhas dúvidas, também, se teria o Procurador-Geral da República, depois de mais de 2 anos de investigações policiais, bem agido ao pedir novas investigações, em vez de denunciar os suspeitos, com o que o próprio julgamento formal deverá ocorrer na presidência de quem assumir o cargo em 2019. Vale dizer, estão todos os suspeitos assegurados em seus mandatos, neste governo, com possível exceção de senadores investigados, com mandato superior a 2018.

Ocorre, todavia, que, se a punição sobre as empresas ocorrer, de imediato – antes que punidos os responsáveis, que irão pagar pela punição – mediante o impedimento de negociarem com o governo, os empregados dessas empresas engrossarão o rol de desempregados que o governo Dilma está gerando neste ano de 2015, em virtude de todos os erros de política econômica que cometeu, nos quatro anos anteriores de seu desastrado governo.

Ora, tendo em conta a função social da empresa, preservar empregos é mais importante, neste momento difícil da conjuntura nacional, do que fechá-las, quando os responsáveis, principalmente os políticos e os partidos aliados da Presidente, só serão eventualmente punidos no próximo mandato presidencial.

O acordo de leniência pode, portanto, a meu ver, ser realizado, sem prejuízo das investigações, preservando-se a empresa, mas não havendo concessões em relação aos acusados, a não ser que eles mesmos façam com o Ministério Público e a Justiça acordo de delação premiada.

A ninguém interessa que a legião de desempregados do governo Dilma seja consideravelmente alargada, evitando-se tal nefasta consequência e impondo-se a presença do Ministério Público na celebração de tais acordos, cumprindo-se o ditame constitucional de preservar a “função social” das empresas.