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As instituições e o futuro

11 de dezembro de 2015

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Tullo Cavallazzi FilhoEm uma ocasião em que o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto esteve em Florianópolis para receber homenagem do Tribunal de Contas catarinense, em 2013, uma das várias lições de sua palestra me chamou a atenção, particularmente. Disse ele: “estamos vivendo um período auspicioso de compreensão das instituições públicas e privadas – notadamente as públicas – de que devem assumir o seu papel de locomotivas sociais”. Essa afirmação ganha ainda mais importância hoje, diante de disputas políticas em nível nacional que, em vez de estimularem o debate sadio e profícuo, parecem defender a guerra, o custe o que custar e acabam por banalizar a própria instituição da República.

Salvo leitura precipitada de minha parte, estamos assistindo a um flerte com o autoritarismo. É da natureza da advocacia, e estendo isso a todos os operadores do direito, repudiar essa tendência, assim como qualquer tentativa de “justiçamento”, ou seja, a condenação sem presunção de inocência, levada a cabo não por órgãos competentes, mas por cidadãos impacientes. Essa conduta animalesca e contraproducente assume várias formas diariamente, seja em linchamentos de rua ou execrações públicas das próprias instituições. Escrevo isso pensando, particularmente, nos cartazes contra a democracia sempre fotografados nas grandes manifestações de ultimamente. A própria democracia está sendo linchada por alguns, e a primeira pedra mira a estabilidade institucional, tão duramente conquistada após duas décadas de regime militar.

A corrupção é um problema histórico brasileiro e precisa ser combatida diuturnamente. Mas devemos lutar essa guerra com armas constitucionais. Autonomia, recursos, estrutura e pessoal qualificado são premissas às polícias, ao Judiciário e ao Ministério Público. E o sistema penitenciário brasileiro, essa masmorra famosa mundialmente, para onde jogamos pessoas que não queremos perto de nós, definitivamente não recupera ninguém. Salvo, repito, as boas exceções, como em Santa Catarina a Penitenciária Industrial de Joinville, que mantém os presos trabalhando. Se o preso sai da cadeia sem perspectiva de reingresso no sistema econômico, sem uma referência que o permita trabalhar, poderá ser questão de tempo que retorne às grades. Mas, via de regra, vemos o contrário: uma passagem policial é uma antirreferência, quase um impeditivo ao retorno ao trabalho. Vejam os índices de reincidência.

Em Santa Catarina, há uma guerra oculta entre facções criminosas. De tempos em tempos, ônibus aparecem incendiados e um círculo vicioso reinicia: a população assustada cobra repressão, a polícia toma as ruas, os ônibus são escoltados, os presos reclamam das condições dos presídios, o Estado anuncia providências. Qual a questão de fundo aí? É possível dizer que o desrespeito sofrido hoje pelas instituições se deve ao tratamento historicamente dispensado por essas próprias instituições às populações, materializado nas nossas deficiências em saúde, educação etc.?

Nos três anos à frente de uma Seccional Ordem dos Advogados do Brasil, diariamente me perguntei qual o papel da advocacia nesse cenário. Ayres Britto me estimulou a considerar as instituições – e a OAB, como uma das mais respeitáveis do País, não poderia ser exceção – como locomotivas sociais. Desde então, como fez também em âmbito nacional, a OAB catarinense não fugiu do debate público e cumpriu seu papel de representante da sociedade civil. Uma abnegada advogada que não se cala frente às injustiças.

Exatamente por isso, uma das nossas lutas mais intensas foi travada em defesa das prerrogativas advocatícias. Desagravamos vários advogados, inclusive na frente do próprio Tribunal de Justiça, munidos de microfone na mão e carro de som, na companhia de dezenas de colegas perfeitamente cientes de que a união é a condição para que nosso trabalho seja respeitado e, acima disso, os direitos do cidadão garantidos pela Constituição. Abusos de autoridades não podem ser tolerados. Quando a prerrogativa de um advogado é ferida, quem perde é o cidadão e, por extensão, toda a sociedade. Por conta disso, criamos uma Procuradoria Estadual de Prerrogativas para atender aos colegas vítimas de violações nesse sentido. Felizmente, obtivemos vitórias importantes, como, por exemplo, na defesa dos advogados públicos, frequentemente processados unicamente por terem emitido opiniões técnicas em pareceres. Não podemos, em hipótese alguma, abrir precedentes para a banalização das nossas prerrogativas. O mesmo serve aos honorários, que precisam ser valorizados primeiramente pelos próprios advogados para que possam ser respeitados pelo Judiciário e pela sociedade.

Defendemos também o Exame de Ordem como forma de garantia da qualificação dos serviços prestados à sociedade. As tentativas de extinção da prova se revelam absolutamente irresponsáveis, pelas consequências desastrosas. Convivemos com um excesso de instituições de ensino jurídico, impossíveis de serem fiscalizadas a contento. É imprescindível garantirmos a qualidade dos serviços jurídicos prestados à população, e o Exame de Ordem é, sem dúvida, a única forma eficiente de assegurar isso.

Como presidente da OAB/SC, tive a honra de entregar credenciais da Ordem a muitos novos advogados. Olhei nos rostos de todos eles, que, ao lado de seus familiares e amigos, em um momento de singular alegria, algumas vezes me emocionaram. Muitos passam por inúmeros obstáculos até se tornarem advogados. Por isso, uma de nossas primeiras providências da gestão, de forte viés simbólico, foi devolver aos padrinhos o direito de entregar a credencial da Ordem aos novos advogados, para restabelecermos nas cerimônias sua antiga atmosfera familiar, em uma ocasião que apesar da formalidade não merece ser fria.

Costumo salientar, sempre que posso, sobretudo nas entregas de credenciais, que a advocacia difere das demais profissões por precisar se voltar constantemente aos ensinamentos de seus mestres do passado. Além disso, se posso dar um conselho aos novos advogados, é que tenham lucidez diante dos grandes desafios que estão por vir, pois futuramente serão eles a guiar nossas instituições.