12º Fórum de Lisboa debate desafios da Globalização

5 de agosto de 2024

Da Redação

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Mesa de Abertura (da esquerda para direita): o presidente do Fórum de Integração Brasil Europa, Vitalino Canas; o presidente da FGV, Carlos Ivan Simonsen Leal; o presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, Arthur Lira; o ministro do STF Gilmar Mendes; o professor catedrático da FDUL, Carlos Blanco de Morais; o diretor da FDUL, Eduardo Vera-Cruz Pinto e o presidente da Assembleia da República Portuguesa, José Pedro Aguiar-Branco

Com recorde de brasileiros, evento discutiu estratégias para enfrentar as adversidades atuais e futuras de um mundo globalizado, porém cada vez mais polarizado

O Fórum de Lisboa é um dos maiores eventos da área jurídica em todo o mundo. É nele que dezenas de acadêmicos, gestores, especialistas, autoridades e representantes da sociedade civil organizada, do Brasil e da Europa, se reúnem para debater temas que, atualmente, extrapolam a esfera do Direito. Não por acaso, a décima segunda edição do evento, realizada de 26 a 28 de junho na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), abandonou a nomenclatura de “Fórum Jurídico” para assumir novo formato e proposta de programação.

O tema escolhido para este ano já sintetiza essa inovação: “Avanços e recuos da globalização e as novas fronteiras: transformações jurídicas, políticas, econômicas, socioambientais e digitais”. Com mais de 2.500 participantes presenciais e remotos, os debates buscaram aprofundar e contribuir para a sociedade com debates sobre desafios contemporâneos.

Os mais de 50 painéis foram escolhidos pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pelo Lisbon Public Law Research Centre (LPL) da FDUL e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário – FGV Justiça (FGV), organizadores do evento. 

Participaram dos debates ministros das cortes superiores, representantes de diversos órgãos do sistema de Justiça, integrantes dos Poderes Legislativo e Executivo, empresários e gestores de relevantes organizações dos setores público e privado do Brasil e de Portugal. 

Durante a abertura, o ministro Gilmar Mendes, decano do STF e anfitrião do evento, destacou que o encontro representa espaço de diálogo sobre diferentes perspectivas, visões e modelos de sistemas jurídicos presentes nos dois continentes. “O propósito é buscar, reconhecer e avivar as raízes históricas e culturais que ligam portugueses e brasileiros”. 

Já o presidente da Assembleia da República Portuguesa, José Pedro Aguiar-Branco, comentou que as diferenças, que eventualmente possam existir entre as duas nações, se reduzem com a reunião de especialistas do Brasil e de Portugal para discutir temas da política, da economia e das leis. “Somos países irmanados pela história e pela cultura”.

 Também compuseram a mesa de abertura o presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, deputado federal Arthur Lira, o professor catedrático da FDUL, Carlos Blanco de Morais,  o presidente da FGV, Carlos Ivan Simonsen Leal, o presidente do Fórum de Integração Brasil Europa, Vitalino Canas, o presidente da OAB, Beto Simonetti e o diretor da FDUL, Eduardo Vera-Cruz Pinto.

No encerramento do primeiro dia da programação, foi assinado acordo de cooperação científica e técnica, cuja finalidade é a integração institucional com ênfase na pesquisa jurídica e a realização de atividades acadêmicas e culturais conjuntas entre Brasil e Portugal. Os signatários foram o governador do Estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, o procurador-geral do Estado do Rio de Janeiro, Renan Miguel Saad, o procurador-
chefe do Centro de Estudos Jurídicos da PGE-RJ, Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho e o diretor-geral do IDP, Francisco Schertel Ferreira Mendes.

Judiciário em foco – O sistema de Justiça foi um dos principais focos dos painéis apresentados. A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Daniela Teixeira falou sobre os avanços e retrocessos do Judiciário. Ao citar uma “avalanche de habeas corpus” que chegam à Corte, a ministra questionou o alto índice de encarceramento e as diferenças que existem entre os tipos de crimes cometidos. Segundo ela, “existem medidas restritivas de direito diversas” e é necessário revisar este aspecto no Brasil.

Reforçando as palavras da ministra, o advogado David Metzker apresentou números de um trabalho de catalogação de concessões de habeas corpus e recursos em habeas corpus do STJ e do STF. De janeiro de 2023 a junho de 2024, foram mais de 30.500 concessões desta natureza.

No tema “Desinformação, propaganda eleitoral e integridade das eleições”, o cientista político Antonio Lavareda enfatizou a importância e os desafios da regulação das plataformas digitais. “Apesar de 77% da população ser favorável, não se avança nesse ponto devido às forças de extrema direita. Será muito mais poderosa a resistência às tentativas de regulação simplesmente porque elas não podem abrir mão das fake news. Sem isso, a extrema direita agoniza”, declarou.

O presidente da OAB, Beto Simonetti, destacou durante o painel “Jurisdição constitucional na revisão de políticas públicas: entre ativismo e deferência legislativa” que “a judicialização das políticas públicas tem se tornado fenômeno cada vez mais frequente, com cidadãos que recorrem ao Judiciário para efetivar políticas, questionar seu planejamento ou buscar a implementação de outras que, em sua perspectiva, poderiam ser desenvolvidas”. 

O ministro do STF Dias Toffoli expôs que, a partir da Constituição de 1988, “o Judiciário deixou de ser um poder para julgar disputas intersubjetivas e se tornou fator real de poder, mas sem orçamento e sem armas”. Segundo ele, “esse Poder Judiciário é chamado cotidianamente a dar a última palavra, o que criou a cultura do trânsito em julgado”.

No tema da “Jurisdição constitucional e separação dos poderes”, o ministro do STF Flávio Dino apresentou dez teses sobre o tema, atribuindo a esta o papel “fundamental para proteger a sociedade das investidas antidemocráticas, sejam aquelas marcadas pelo uso aberto da força ou as chamadas doutrinariamente de constitucionalismo abusivo”. O presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, destacou a participação “assertiva e acertada” do STF na efetivação dos direitos fundamentais, na defesa da democracia e seu papel decisivo para contornar recentes crises, como foi a Pandemia de Covid-19.

Outro tema de grande relevância no Brasil nos últimos anos foi foco do painel “Arranjos institucionais de persecução e controle no Estado Democrático”, que contou com a participação do ministro do STF Cristiano Zanin. Segundo ele, apesar de o conceito de Estado Democrático de Direito estar previsto na Constituição, alguns arranjos institucionais deixaram a desejar. O ministro referiu-se às ações e operações que “desrespeitaram flagrantemente os princípios norteadores do Estado Democrático de Direito, o devido processo legal e a própria integridade da atividade judiciária”. 

Gestão pública – Aspectos relevantes da gestão pública foram abordados em diferentes painéis do Fórum, a exemplo de “A governança da segurança pública nos grandes centros urbanos”, que debateu a necessidade da união das três esferas de governo para enfrentar o problema da crescente criminalidade, sobretudo do crime organizado. A ministra da Administração Interna da República Portuguesa, Margarida Blasco, destacou que em seu país, a “segurança é um dos principais ativos estratégicos em relação ao qual importa permanente atenção e consolidação”. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, apontou a situação de sucateamento das polícias do estado, quando assumiu o cargo em janeiro de 2021. Segundo ele, “segurança pública é um problema que tem que ser analisado da ótica do Executivo, do Legislativo e do Judiciário”, para ter efetividade e para que o trabalho que o Executivo faz possa trazer resultados concretos. 

Economia e investimentos – A secretária-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Rebeca Grynspan, foi a keynote speaker do 12o Fórum de Lisboa. Ela conduziu o painel “A encruzilhada do comércio global: em busca da integração norte-sul”, que foi moderado pelo ministro Gilmar Mendes. Grynspan apresentou as dez grandes tendências nos fluxos de comércio e de investimentos em nível global, entre as quais podem ser mencionadas a perda do dinamismo do comércio global, o crescimento do comércio de serviços de alto valor agregado, o retorno da política industrial e de protecionismo e o estancamento dos fluxos de investimento.

O painel “Infraestrutura na economia global” teve como palestrante o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que destacou ser “fundamental que os capitais público e privado sejam aliados”, para promover melhorias de infraestrutura em setores-chaves para o desenvolvimento do Estado. Por sua vez, o ministro do Tribunal de Contas da União do Brasil (TCU) Antonio Anastasia ressaltou a importância da segurança jurídica nessas parcerias com o setor privado “para que a infraestrutura seja realizada de modo eficaz”.

Economia e transformação tecnológica – Como se comportarão as sociedades no mundo globalizado daqui há alguns anos? Ninguém erra ao responder a essa pergunta afirmando que as relações serão cada vez mais mediadas pelo uso da inteligência artificial. Foi esse o foco do painel “Desafios atuais da economia global digitalizada”, que contou com a participação do escritor e colunista do jornal The New York Times Thomas Friedman. “Eu acredito que a melhor coisa que aconteceu ao longo da minha carreira nesses 45 anos sendo jornalista – e isto deixa os americanos chocados quando eu digo – foi a criação da União Europeia, que se tornou o maior centro de mercado livre, pessoas livres e Direitos Humanos”, declarou o autor, que é reconhecido por análises acessíveis das questões complexas que moldam o mundo. 

O painel “Inteligência Artificial: riscos éticos, econômicos e eleitorais” foi conduzido pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso. Ele destacou a importância da regulação da inteligência artificial no mundo contemporâneo. Segundo ele, além dos benefícios e potencialidades, e da capacidade para transformar o mundo, é preciso ter cuidado. “Os algoritmos estão influenciando as nossas vidas, uma vez que participam do processo decisório. No atual estágio, a inteligência artificial não tem consciência nem discernimento sobre o que é certo ou errado. Se vale de dados, instruções e objetivos com os quais é alimentada”, disse, alertando para os riscos advindos dos avanços da IA generativa. 

Para o ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva, a IA generativa deve caminhar para uma evolução na qual as máquinas passarão “a agir”, praticar negócios jurídicos, comprar e vender bens e ações e até mesmo fazer investimentos por nós. “É claro que isso vai exigir regulação, porque os riscos que o ministro Barroso já elencou são muito grandes no mercado de trabalho”, declarou.

Os desafios da democracia – As democracias ao redor do mundo vivem um momento delicado. Para falar sobre assuntos que orbitam esta temática central, o Fórum apresentou o painel “O governo de coalizão e os desafios das políticas públicas”. Para o senador Ciro Nogueira, que participou do debate,  “na prática, o Brasil tem um presidencialismo que não tem a força, nem as decisões”, o que resulta no que definiu como “falsa coalizão”.

O painel “O mundo em eleições e o futuro da democracia representativa” foi moderado pelo ministro do STJ e corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, elogiou a atuação dos magistrados do Tribunal Superior Eleitoral para evitar “um dos maiores danos decorrentes dos recentes ataques à democracia brasileira. Segundo Salomão, a firmeza do ministro Alexandre de Moraes, então presidente da Corte, e de seus pares, ratificou as decisões que precisaram ser tomadas em momentos dramáticos”.

O ministro do STF Alexandre de Moraes ressaltou que as ameaças à democracia sempre existiram, mas que o país enfrenta um novo desafio em virtude de características e circunstâncias diferentes, uma vez que os métodos utilizados por grupos que ameaçam a democracia são distintos. Ele citou as redes sociais como o recurso que permitiu dar grande poder de reunião a esses indivíduos que “passaram a atuar no direcionamento da desinformação, acelerando o ódio”. Ele encerrou com a declaração de que o STF continuará, como tem feito até então, garantindo a democracia.

Geopolítica e integração global – Nos últimos anos, reina a incerteza no cenário internacional, fenômeno alimentado pela polarização no campo político e agravado por conflitos armados, portanto, o tema da geopolítica não poderia ficar de fora do Fórum de Lisboa. O painel “Tensões na Europa, no Oriente Médio e na América Latina: os impactos econômicos e geopolíticos” demonstrou quase unanimidade de opinião dos palestrantes sobre ser esta uma mudança geopolítica que resulta em inúmeros impactos negativos na economia global. Esse cenário exige respostas firmes de organismos internacionais e de posicionamento de países das regiões envolvidas. 

No painel “Integração global e blocos econômicos”, o presidente da FGV, Carlos Ivan Simonsen Leal, fez a revisão da conjuntura econômica global nos últimos anos. Ele destacou a atuação do presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto e o do diretor de estratégia econômica do Banco Safra, Joaquim Levy, como brasileiros mais influentes no segmento. O crescimento da formação universitária e melhoria na qualificação profissional dos brasileiros foi destaque nas discussões como uma forma de ajudar a atravessar as prováveis turbulências pelas quais o mundo vai passar em termos de economia. Também participaram do painel o ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Roberto Azevêdo; o economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida; e o professor associado da FDUL Miguel Moura e Silva.

Sustentabilidade e responsabilidade social – Outro tema que não poderia ficar de fora das discussões do Fórum de Lisboa, a pauta ASG (Ambiental, Social e Governança) foi assunto de vários painéis, a exemplo de “Responsabilidade social: o papel do setor público e do setor privado”. Gestores de importantes instituições, que têm histórico sólido de atuação de responsabilidade social, apresentaram projetos que implementaram. Entre eles, o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, que mostrou o panorama atualizado das ações do banco nesse setor. 

Encerramento – O último painel do Fórum de Lisboa, intitulado “O que fica do presidencialismo de coalizão?”, contou com a participação do ex-presidente do Brasil, Michel Temer. Em seu discurso, ele reforçou a perspectiva negativa em relação ao que entende como um momento em que o Legislativo brasileiro está tomando para si a chamada “governabilidade” e a própria distribuição orçamentária. “O Legislativo está assumindo o papel dos governantes sem ter responsabilidade com a execução, que cabe apenas ao Poder Executivo.”

Além do ministro do STF Gilmar Mendes e do ministro do STJ Luis Felipe Salomão, participaram do encerramento do 12o Fórum de Lisboa o reitor da FDUL, Luis Manuel dos Anjos Ferreira; o embaixador do Brasil em Portugal, Raimundo Carreiro; o presidente do Tribunal Constitucional de Portugal, José João Abrantes; e o professor catedrático da FDUL, Carlos Blanco de Morais.

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