Assinatura eletrônica qualificada nos atos de registro imobiliário

4 de janeiro de 2021

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No ano 2020, com as restrições de circulação para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente dos riscos de contágio do novo coronavírus, intensificaram-se as interações pessoais por meio de assinaturas eletrônicas, em que vontades livres e espontâneas são manifestadas com uso de tecnologia, a qual deve, adequadamente, certificar a autoria e garantir a integridade de documentos digitais.

A fim de atribuir eficiência e segurança aos serviços públicos, sobretudo os prestados em ambiente eletrônico, o legislador brasileiro cuidou de editar a Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020, que, dentre diversas inovações, classifica as assinaturas eletrônicas em três espécies (simples, avançadas e qualificadas) e indica parâmetros para que sejam estabelecidos níveis mínimos de segurança a serem exigidos para  as assinaturas eletrônicas em documentos e interações com os entes públicos.

O referido diploma normativo determina, por exemplo, que é obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada “nos atos de transferência e de registro de bens imóveis”, ressalvada a possibilidade de uso de assinatura eletrônica avançada nos atos realizados perante as juntas comerciais.

O presente artigo tem por objetivos: (i) apresentar as diferentes espécies de assinaturas eletrônicas, considerada a classificação trazida pela Lei nº 14.063/2020; (ii) demonstrar que essa recente lei (que exige assinatura eletrônica qualificada para a interação com o Ofício de Registro de Imóveis) está em total harmonia com a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973); e (iii) discorrer sobre a forma pela qual a Corregedoria Nacional de Justiça, em boa hora, considerando a fé pública dos notários, regulamentou a prática de atos eletrônicos, estabelecendo a possibilidade de tabeliães de notas brasileiros, à distância (de forma remota), por meio do uso de assinatura eletrônica avançada ou qualificada, reconhecerem a identidade e a capacidade das partes e de quantos figurem nos atos notariais.

A depender do grau de segurança para a validação da identidade biométrica ou biográfica em processos de identificação digital, as assinaturas eletrônicas classificam-se em simples, avançadas e qualificadas.

As assinaturas eletrônicas simples, muito embora não garantam identificação unívoca, permitem identificar o seu signatário, anexando ou associando informações (conjunto de dados) em formato eletrônico do signatário. Tais assinaturas são admitidas para as hipóteses cujo conteúdo da interação não envolva informações protegidas por grau de sigilo e não ofereça risco direto de dano a bens, serviços e interesses do ente público.

Por seu turno, as assinaturas eletrônicas avançadas utilizam certificados digitais que, muito embora não emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), possibilitam a comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica. Tais assinaturas, para que gerem documentos eletrônicos válidos e eficazes, devem utilizar meios validadores de acesso digital que sejam admitidos pelas partes ou aceitos pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: a) estão associadas ao signatário de maneira unívoca; b) utilizam dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; c) estão relacionadas aos dados a elas associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável.

Como espécie que representa o auge da segurança em procedimento de validação da identidade biométrica e biográfica em processos de identificação digital, tem-se a assinatura eletrônica qualificada, por meio da qual as declarações formuladas em forma eletrônica são produzidas com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil, instituída pela Medida Provisória 2.200-2/2001, em que a autoridade certificadora raiz é o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI).

Segundo disposto na Lei nº 14.063/2020 (art. 5º, inc. III e §2º), a assinatura eletrônica qualificada deve ser aceita em qualquer interação eletrônica com entes públicos, independentemente de cadastramento prévio, e é obrigatória, por exemplo, para: i) os atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvados os atos realizados perante as juntas comerciais; e ii) nas emissões de notas fiscais eletrônicas, com exceção daquelas cujos emitentes sejam pessoas físicas ou microempreendedores individuais (MEIs), situações em que o uso torna-se facultativo.

Como se pode perceber, o legislador – ao dispor sobre o uso e a classificação de assinaturas eletrônicas – elegeu o serviço de registro tendente à transferência imobiliária como interação que demanda assinatura qualificada para a apresentação de títulos eletrônicos, ou seja, exige-se o uso de certificado digital no padrão da ICP-Brasil.

Vale ressaltar que, desde 2009, a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), com a inclusão de dispositivo no parágrafo único do art. 17, determina que, in verbis: “O acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando forem realizados por meio da rede mundial de computadores (Internet) deverão ser assinados com uso de certificado digital, que atenderá os requisitos da ICP-Brasil.” Nestes termos, a Lei nº 14.063/2020 está em total harmonia com a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973).

Muito embora exista, desde 2001, regra, no Brasil, que garanta a validade e a eficácia de documentos eletrônicos assinados eletronicamente com certificados digitais expedidos no âmbito da ICP-Brasil, passados mais de 19 anos de sua instituição, poucos são os cidadãos que possuem certificado digital qualificado, grandemente, em decorrência dos custos que envolvem a emissão e o mercado de certificação. O site “ITI em Números” indica que, no início de dezembro de 2020, para uma população de aproximadamente 212 milhões de brasileiros, existem ativos cerca de apenas 9,7 milhões de certificados digitais ativos.

Diante da necessidade de tornar mais acessíveis à população brasileira os serviços eletrônicos prestados por tabeliães de notas, bem como considerando a fé pública dos notários, a Corregedoria Nacional de Justiça, no dia 26 de maio de 2020, editou o Provimento CNJ 100/2020, que dispõe sobre a prática de atos notariais eletrônicos, regulamentando a forma pela qual tabeliães de notas brasileiros poderão, à distância, reconhecer a identidade e a capacidade das partes e de quantos figurem no ato.

Pela nova regra administrativa, os interessados na lavratura de escrituras, procurações e testamentos públicos e outros serviços notariais, não precisarão mais se deslocar fisicamente ao tabelionato de notas para subscreverem os documentos de forma autográfica. As assinaturas poderão ser colhidas por meio eletrônico, utilizando-se certificados digitais notarizados (fornecidos, gratuitamente, por tabeliães de todo o País, viabilizando assinatura eletrônica avançada) ou certificados digitais no padrão da ICP-Brasil.

A plataforma e-Notariado atende aos requisitos determinados pela Lei nº 14.063/2020 para as assinaturas avançadas e conta com a segurança adicional de que a coleta de dados biométricos e biográficos é feita por tabelião ou escrevente autorizado de um tabelionato de notas, sendo que estes figuram como autoridade notariais, habilitadas à emissão de credenciais digitais, tendo o Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil como autoridade certificadora raiz do e-Notariado.

Vale ressaltar que o Provimento CNJ 100/2020 é totalmente compatível com a Lei de Registros Públicos e com a Lei nº 14.063/2020, as quais exigem que o título a ser apresentado ao Ofício de Registro de Imóveis seja assinado com certificado ICP-Brasil. Com efeito, dispõe o §3º do art. 9º do referido Provimento CNJ 100/2020 que: “Para assinatura de atos notariais eletrônicos é imprescindível (…) a utilização da assinatura digital e a assinatura do tabelião de notas com o uso de certificado digital, segundo a ICP-Brasil”.

Assim sendo, muito embora os clientes notariais possam interagir com os tabeliães de notas por meio de assinatura eletrônica avançada ou qualificada, após a lavratura do ato notarial, será produzido traslado ou certidão da escritura pública em que o notário, ou seu preposto, assinará, necessariamente, com o uso de certificado digital emitido no âmbito da ICP-Brasil, satisfazendo, assim, às inteiras, a exigência legal.

Ao prever a sessão interativa de videoconferência notarial (presidida pelo tabelião) com a adoção de tecnologia de certificação digital, o Provimento CNJ 100 viabiliza a adequada comprovação da autoria e da integridade dos documentos eletrônicos produzidos na confiável plataforma e-Notariado. Tal plataforma, que constitui o único meio para a prática de atos notariais eletrônicos por tabeliães brasileiros, se apresenta à população de forma segura, viabiliza a integração do acervo de identificação de clientes notariais, de modo a garantir autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos produzidos eletronicamente.