25 anos do vale-transporte: A evolução não para

11 de julho de 2012

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O vale-transporte – que garante a milhões de brasileiros o direito de se locomover todos os dias de casa para o trabalho sem comprometer parte de seus salários com o trajeto – está prestes a passar por novas transformações. Pelo menos, é o que asseguram os especialistas da área de transportes e do Direito. Eles fazem as projeções com base na evolução do benefício, constatadas durante os seus 25 anos de existência, completados no último dia 16 de dezembro. A avaliação é de que o instrumento desempenhará um papel ainda mais atuante na consolidação das políticas de fomento ao transporte público no País.

Um dos que apostam nesta nova função do vale- transporte é Marcos Bicalho, diretor superintendente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). De acordo com ele, o fomento ao transporte público é fundamental para sanar problemas tais como os engarrafamentos e a poluição, tão comuns nas grandes cidades brasileiras. “Várias cidades enfrentam problemas relacionados à poluição, por exemplo. Cabe, então, aos governantes incentivar o transporte público. O que temos que fazer é investir nesse setor, de modo a atrair aqueles que hoje usam carros. Temos como fundamental o investimento na infraestrutura urbana”, disse.

A criação do vale-transporte, há 25 anos, é considerada um marco, pois desonerou o trabalhador ao garantir-lhe um meio mais adequado para se locomover de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Com isso, o benefício também acabou contribuindo consideravelmente para a redistribuição de renda, pois trabalhadores das classes menos favorecidas, que antes investiam até 30% do salário com transporte, passaram a gastar apenas 6%. Dados da NTU mostram que o instrumento é utilizado como forma de pagamento por 47% dos usuários dos transportes coletivos no País.

Por outro lado, o vale-transporte também contribuiu para o fortalecimento econômico do País. Primeiro,
ao reduzir consideravelmente os índices de faltas ao trabalho; e, segundo, ao desonerar as empresas. O vale-transporte caminha em paralelo ao desenvolvimento do Brasil, que,
nos últimos tempos, tem avançado no processo de automação de dados, provocando com isso grandes transformações sociais. “Esse benefício acabou sendo responsável pela
estabilidade do transporte, se diminuirmos a utilização dele, poderemos criar problemas econômicos para este setor”,
explicou Bicalho.

Para o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins, tanto o trabalhador como as empresas saíram ganhando com a criação do instituto. “A instituição do vale-transporte foi positiva: desonerou as empresas, já que o instrumento não é considerado de natureza salarial e não entra no cômputo dos encargos, e beneficiou o trabalhador, que passou a receber seu salário e um valor a mais para o transporte”, afirmou.

O benefício evoluiu muito nos últimos anos, principalmente com a instituição da bilhetagem eletrônica. Hoje, os cartões eletrônicos estão presentes em cerca de 90% das cidades com mais de 100 mil habitantes. Esse tipo de cobrança automatizada possibilitou um melhor gerenciamento e simplificou os processos para os empregadores com a distribuição do vale aos funcionários.

O vale-transporte eletrônico trouxe ainda outra comodidade: a compra passou a ser feita pela internet, telefone e fax, e em várias das cidades o cartão já pode ser recarregado a bordo do coletivo. Além disso, o instituto diminuiu o tempo com a operação de embarque. Atualmente, os cartões eletrônicos são utilizados em 74% das viagens. O papel impresso aparece em segundo lugar, com 17%, e a ficha plástica, 9%.

“Antes da bilhetagem eletrônica, as empresas reclamavam muito da burocracia com a compra e distribuição. Hoje, a maior parte das empresas adquire os créditos pela internet e eles são carregados automaticamente pelos trabalhadores, todo o início do mês. O processo de aquisição do vale-transporte está, portanto, mais simplificado. Mas esse não foi o único ganho”, afirmou o Diretor Superintendente da NTU.

A utilização de créditos eletrônicos também contribuiu para a diminuição do comércio ilegal do benefício, afirmou Marcos Bicalho. “A evolução tecnológica eliminou o comércio paralelo de vale-transporte. Com isso, garantimos a utilização adequada do benefício”, disse.

Segundo o Ministro do Trabalho, Carlos Lupi, isso ocorre porque a cobrança eletrônica viabiliza a utilização plena do instrumento. “O bilhete único acaba com a venda dos vales, garantindo a utilização do vale-transporte no transporte público e legal, atendendo sua finalidade”, ponderou.

Lupi afirmou que a venda dos vales desvirtua a finalidade da lei e prejudica o empregador, que teve um custo desnecessário. “Sabemos que muitos empregados vendem o vale para pagar combustível, o que estimula o aumento de veículos nas ruas, causando congestionamentos”, avaliou.

Nos seus 25 anos de existência, o vale-transporte passou por algumas ameaças e mesmo questionamentos no Poder Judiciário. Um exemplo decorre do repasse indevido do benefício em dinheiro, o que é vetado pela lei. Esse fato levou o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) a cobrar contribuição previdenciária aos empregadores sobre os valores repassados. Eles, por sua vez, recorreram à Justiça para não serem onerados.

O desfecho do conflito ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF). O INSS argumentou que, ao retirar o auxílio transporte, concedido em dinheiro, do montante de ganho habitual de salário do trabalhador, os patrões poderiam aumentar a parcela referente a transporte – sobre a qual não incide a contribuição previdenciária – e assim diminuírem o valor do próprio salário, na tentativa de burlar o pagamento da contribuição.

O argumento não convenceu. Em março do ano passado, a mais alta corte do país decidiu, no julgamento do Recurso Extraordinário 478.410, que o INSS não poderia realizar a cobrança. “A cobrança de contribuição previdenciária sobre o valor pago em dinheiro a título de vale- transporte, que efetivamente não integra o salário, seguramente afronta a Constituição em sua totalidade normativa”, julgou o relator do caso, ministro Eros Grau.

Como Grau votaram os ministros Dias Toffoli, Cezar Peluso, Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie, Celso de Mello e Gilmar Mendes. Foram vencidos os ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que entenderam que, se o pagamento é feito habitualmente e em dinheiro, o valor faz parte da remuneração e sobre ela incide a contribuição.

Para Marcos Bicalho, o precedente vai de encontro à lei. “Várias empresas que forneciam o vale-transporte em dinheiro acumularam um passivo muito grande. Inicialmente, a Justiça reconhecia isso como salário e que sobre essa importância deveriam ser pagos os encargos trabalhistas. Elas então foram cobradas pelo INSS, o que gerou uma série de ações. Recentemente o STF mudou esse entendimento”, explica.

Essa foi uma das maiores discussões envolvendo o vale- transporte no Poder Judiciário. De acordo com Ives Gandra, são poucas as ações que chegam ao TST, órgão máximo da Justiça do Trabalho, questionando o benefício. “Se tivesse algo mais controvertido, teríamos que adotar alguma orientação sobre isso (o vale-transporte) na comissão de jurisprudência (da corte)”, afirmou o Ministro, presidente deste órgão.

A história do vale-transporte teve início com a Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985, que estabeleceu que o empregador poderia antecipar benefício ao trabalhador depois de celebrado acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho. O benefício era, portanto, facultativo. Tornou-se obrigatório apenas em 30 de setembro de 1987, com a nova redação conferida pela Lei nº 7.619. A partir dessa alteração, os trabalhadores passaram a utilizar efetivamente e em sua maioria, o vale-transporte para pagar a condução. Segundo dados oficiais, a medida beneficiou 14 milhões de trabalhadores, reduzindo os gastos com a locomoção em 24%.

Na avaliação do Ministro do Trabalho, Carlos Lupi, a obrigatoriedade foi um avanço. “A obrigatoriedade foi um avanço significativo na legislação trabalhista, que tem a função de equilibrar as relações de trabalho. Como o empregado muitas vezes mora longe, sua locomoção pode representar um encargo excessivo, consumindo uma parcela importante do salário. A lei tornou essa relação mais justa”, ponderou.

No decorrer da sua existência, a lei do vale-transporte também sofreu algumas alterações que o enfraqueceram, como a eliminação da possibilidade das empresas compradoras de vale de deduzirem parte desse valor no Imposto de Renda (Lei 9.532/1997) e a MP 2165-36/2001, que criou a figura do auxílio transporte pago em espécie ao funcionalismo federal. Apesar dessa medida provisória  ainda não ter sido votada, prevalece a exceção para os funcionários públicos federais.

Outras mudanças podem estar a caminho. A Câmara dos Deputados analisa, por exemplo, o Projeto de Lei 6851/10, do Senado, que torna obrigatório o pagamento integral do vale-transporte pelo empregador. Pela legislação atual, o empregador pode descontar até 6% do salário básico de seus empregados como participação nos gastos com transporte. O projeto modifica essa lei para atribuir os custos exclusivamente ao contratante.

Uma mudança, no entanto, é ferrenhamente defendida pelos especialistas: O vale-transporte deve ser considerado como ferramenta imprescindível de política pública no setor de transportes.

“Hoje não temos um transporte público que realmente seja satisfatório. Uma coisa deve alavancar a outra”, afirmou Ives Gandra, destacando que o vale-transporte pode sim fomentar as políticas na área.

Opinião semelhante tem Marcos Bicalho. “Na realidade, o que a gente espera é que o vale-transporte cada vez mais se consolide como uma política pública de incentivo ao transporte coletivo”, defendeu.