A Lei 11.672/2008 e o procedimento de julgamento dos recursos repetitivos

30 de junho de 2009

Luis Felipe Salomão Presidente do Conselho Editorial / Corregedor Nacional de Justiça / Ministro do STJ

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Se um grupo de casos envolve o mesmo ponto, as partes esperam a mesma decisão. Grande injustiça seria decidir casos alternados tomando como base princípios opostos. Se um caso foi decidido contra mim ontem, quando eu era o réu, esperarei o mesmo julgamento hoje, se for o autor. Decidir de modo diferente levantaria um sentimento de injustiça e de ressentimento em meu íntimo; seria uma infração material e moral de meus direitos’. Todos sentem a força desse sentimento, quando dois casos são semelhantes. A adesão ao precedente deve, pois, ser a regra e não a exceção, se se quer que os litigantes tenham fé na igualdade de condições na distribuição de justiça pelos tribunais. Sentimento igual em espécie, embora diferente em grau, está na fonte da tendência demonstrada pelo precedente, de estender-se ao longo das linhas de desenvolvimento lógico. (“A natureza do Processo e a Evolução do Direito”, Benjamim N. Cardozo, Ed. Nacional de Direito, pg. 15).

1. O Superior Tribunal de Justiça, criado pela Constituição da República de 1988 para ser o guardião do direito federal, uniformizando a interpretação da legislação infraconstitucional, busca, desde sua instalação, otimizar o julgamento dos recursos de sua competência.
Os números, extraídos do sítio eletrônico www.stj.gov.br, demonstram a evolução de recursos distribuídos e julgados, numa sequência de cinco em cinco anos: Em 1989, foram distribuídos 6.103 processos e julgados 3.550; em 1994, a distribuição subiu para 38.670 e o número de processos julgados para 39.034; em 1999, para 118.977 e 116.024, respectivamente; em 2004, para 215.411 e 203.041. Por fim, no ano passado, foram distribuídos 313.364 processos e julgados 330.257.

2. A exposição de motivos da Lei 11.672/08 deixa bem clara a intenção do legislador:
(…)De há muito surgem propos­tas e sugestões, nos mais variados âmbitos e setores, de reforma do processo civil. Manifestações de entidades representativas, como o Instituto Brasileiro de Direito Processual, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais do Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio Poder Executivo são acordes em afirmar a necessidade de alteração de dispositivos do Código de Processo Civil e da Lei de Juizados Especiais, para conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que atualmente caracteriza a atividade em questão.
O presente projeto de lei é baseado em sugestão do ex-membro do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Athos Gusmão Carneiro, com o objetivo de criar mecanismo que amenize o problema representado pelo excesso de demanda daquele Tribunal. Submetido ao crivo do Presidente da Corte Superior, a proposta foi aceita e recebeu alguns ajustes, que passaram a integrar a presente redação. Após, sofreu ainda pequenas alterações ao ser analisada pelos órgãos jurídicos do Poder Executivo.
Somente em 2005 foram remetidos mais de 210.000 processos ao Superior Tribunal de Justiça, grande parte deles fundados em matérias idênticas, com entendimento já pacificado naquela Corte. Já em 2006, esse número subiu para 251.020, o que demonstra preocupante tendência de crescimento.
Com o intuito de amenizar esse problema, o presente anteprojeto inspira-se no procedimento previsto na Lei nº 11.418/06 que criou mecanismo simplificando o julgamento de recursos múltiplos, fundados em idêntica matéria, no Supremo Tribunal Federal.
Conforme a redação inserida no diploma processual pela norma mencionada, em caso de multiplicidade de recursos fundados na mesma matéria, a Corte Suprema poderá julgar um ou mais recursos representativos da controvérsia, sobrestando a tramitação dos demais. Proferida decisão pela inadmissibilidade dos recursos selecionados, será negado seguimento aos demais processos idênticos. Caso a decisão seja de mérito, os tribunais de origem poderão retratar-se ou considerar prejudicados os recursos. Mantida a decisão contrária ao entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal, o recurso seguirá para aquela Corte, que poderá cassar a decisão atacada.
Na proposta que submeto a Vossa Excelência, busca-se disponibilizar mecanismo semelhante ao Superior Tribunal de Justiça para o julgamento do recurso especial.
De acordo com a regulamentação proposta, verificando a multiplicidade de recursos especiais fundados na mesma matéria, o Presidente do Tribunal de origem poderá selecionar um ou mais processos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Superior Tribunal de Justiça, suspendendo os demais recursos idênticos até o pronunciamento definitivo dessa Corte.
Sobrevindo a decisão da Corte Superior, serão denegados os recursos que atacarem decisões proferidas no mesmo sentido. Caso a decisão recorrida contrarie o entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça, será dada oportunidade de retratação aos tribunais de origem, devendo ser retomado o trâmite do recurso, caso a decisão recorrida seja mantida.
Para assegurar que todos os argumentos sejam levados em conta no julgamento dos recursos selecionados, a presente proposta permite que o relator solicite informações sobre a controvérsia aos tribunais estaduais e admita a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades, inclusive daqueles que figurarem como parte nos processos suspensos. Além disso, prevê a oitiva do Ministério Público nas hipóteses em que o processo envolva matéria pertinente às finalidades institucionais daquele órgão.

3. Em verdade, é bem de ver que a Lei 11.672/08 não criou propriamente um requisito específico de admissibilidade do apelo nobre ­— e nesse ponto distancia-se do instituto da “repercussão geral” para o recurso extraordinário (artigos 102, § 3º, da CF e 543-A do CPC) —, mas tratou apenas do processamento a ser observado quando interposto determinado recurso especial na situação particular de ser uma entre tantas causas repetitivas.

4. Em outras palavras, valendo-me de uma estrutura pouco mais esquemática, esclareço que o relator, ao examinar recurso especial em que percebe a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito:

1º) procederá ao exame dos requisitos (pressupostos)  genéricos e específicos do recurso nobre;
2º) afetará à Seção as questões de direito que serão julgadas, de modo a serem conferidos ao acórdão os efeitos do art. 543-C, § 7º, do CPC;
3º)  expedirá ordem para a suspensão de todos os demais recursos repetidos
4º)   procederá, na sequência, conforme dispõe o art. 543-C, §§ 3º a 6º, do CPC.

5. No julgamento do recurso repetitivo, caberá à Seção competente estabelecer corretamente as questões de direito do caso concreto, na medida em que estas é que estão relacionadas à matéria de fundo do recurso especial, ou seja, ao mérito da questão.

Esse é o elemento identificador da controvérsia, que irá determinar a existência ou não de multiplicidade de recursos acerca do tema. A ausência de qualquer dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial impõe óbice intransponível à apreciação do mérito, de maneira que, em relação aos temas não conhecidos, não se há de falar nos efeitos “externos” do recurso (§ 7º do art. 543-C do CPC).

6. Ademais, a análise dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial não é realizada em abstrato, mas singularmente, no caso concreto, contrariando a lógica de objetivação imposta pelo art. 543-C.
A esse respeito, importante comentário de Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina contida na Revista de Processo n. 159:
Assim, por exemplo, em relação ao sobrestamento de recursos extraordinários, o § 2º do art. 543-C estabelece que, decidindo o STF no sentido da inexistência de repercussão geral, os recursos cuja tramitação ficou suspensa, “considerar-se-ão automaticamente não admitidos”. Vê-se que a decisão do STF tem caráter absolutamente vinculante, quanto à inadmissibilidade do recurso em razão da ausência de repercussão geral. Deverá o órgão a quo, portanto, ater-se ao que tiver deliberado o STF a respeito. O mesmo, porém, não ocorre em relação aos recursos especiais: o não conhecimento dos recursos especiais selecionados não importará, necessariamente, na inadmissibilidade dos recursos especiais sobrestados.
No mesmo ponto, extrai-se das notas de rodapé: 4. A solução prevista no § 7º do art. 543-C refere-se, a nosso ver, apenas e tão-somente ao julgamento do mérito do recurso especial, e não à sua inadmissibilidade.
(Wambier, Teresa Arruda Alvim e Medina, José Miguel Garcia. “Sobre o novo art. 543-C do CPC: sobrestamento de recursos especiais ‘com fundamento em idêntica questão de direito’” in “Revista de Processo”, ano 33. n. 159. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. pp. 216-217). Dessa forma, as matérias que esbarrarem em óbices de conhecimento deverão ser expressamente excluídas dos efeitos determinados pelo § 7º do art. 543-C.

7. De outra parte, deve-se tratar ainda das demais matérias que, embora constantes do recurso especial, não forem afetadas ao procedimento dos recursos repetitivos.
Em tese, é competência da Turma a apreciação de pontos que não foram afetados pelo Ministro Relator, ou seja, sobre os quais não repousa multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito. Contudo, vislumbram-se as dificuldades práticas do julgamento fragmentado do recurso, com parte sendo apreciado pela Seção e o restante pela Turma originária.
Por todas, acredito que o recurso deva ser julgado em sua totalidade pela Seção, nos termos do art. 34, XII, do RISTJ, porquanto não haverá prejuízo ao recorrente em ver sua controvérsia apreciada pelo colegiado maior.
Art. 34. São atribuições do relator:
(…)
XII – Propor à Seção ou à Turma seja o processo subme­tido à Corte Especial ou à Seção, conforme o caso.

8. Por fim, a inclusão do art. 543-C no Código de Processo Civil, preceito cujo processamento foi regulado pela Resolução 8/08 do Superior Tribunal de Justiça, permitirá a objetivação no julgamento dos recursos especiais, com a análise, em abstrato, de questões reiteradamente conduzidas à apreciação desta Corte, assentando seu entendimento e orientando a atuação das instâncias ordinárias.