Edição 102
Relatividade da imunidade do advogado no desempenho de suas funções
31 de janeiro de 2009
Renato Ricardo Barbosa Desembargador do TJERJ
O art. 133 da Constituição da República Federativa do Brasil e o art. 7º, § 2º, do Estatuto da OAB, dispõem sobre a inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão.
No entanto, tal inviolabilidade é relativa, uma vez que a ofensa à honra e à moral, no decorrer do processo, às partes, aos magistrados que nele atuam, ou a qualquer envolvido nos autos, bem como qualquer excesso cometido pelo patrono é considerada como ilícita e fora dos limites da razoabilidade pretendida pelo nosso ordenamento jurídico.
Sobre o tema, fui relator dos Embargos Infringentes que, respeitada a identidade das partes, seguem na íntegra, cujo entendimento por mim comungado foi votado por unanimidade na Nona Câmara Cível deste E. Tribunal de Justiça:
NONA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2007.005.00238
RELATOR: Jds. Desembargador RENATO RICARDO BARBOSA
Embargos Infringentes.
Sentença de procedência da pretensão autoral reformada pelo Acórdão embargado. Manutenção do decisum a quo, em conformidade com o voto vencido, pois contém o entendimento mais adequado à solução da controvérsia. Provimento do recurso.
Vistos, relatados e discutidos estes autos dos Embargos Infringentes nº 2007.005.00238, em que são embargantes Desembargadores deste Tribunal e embargado Advogado Ilustre.
ACORDAM os Desembargadores componentes da E. 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, para que prevaleça o voto vencido.
Rio, de de 200 .
Jds Desembargador Renato Ricardo
Relator
Voto
Trata-se de ação de indenização por dano moral proposta pelos embargantes, desembargadores integrantes da Câmara Cível deste Tribunal, sob o fundamento de que o Embargado lhes teria ofendido a honra, quando em Embargos Declaratórios por ele opostos, na qualidade de advogado, contra a decisão que rejeitou exceção de suspeição arguida pela sua cliente contra o Juiz de Direito da 1a Vara Cível da Comarca de Nova Friburgo, sugerindo a prática de corporativismo por parte daqueles.
Sentença, às fls.163/166, julgou procedente o pedido, condenando o Embargado ao pagamento de indenização a cada um dos autores no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais), devidamente corrigido, além das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.
Inconformado com o decisum apelou o réu, ora Embargado, através das razões de fls. 169 usque 189, alegando, preliminarmente, cerceamento de defesa e, no mérito, a inexistência de dano a ser indenizado e o excesso do valor arbitrado.
Os apelados ofertaram suas contra-razões, pela mantença da decisão e desprovimento do recurso.
Divergiu a Colenda 17ª Câmara Cível deste Tribunal, decidindo por maioria de seus membros pelo provimento da apelação para julgar improcedente o pedido, invertendo os ônus sucumbenciais (fls.213/223).
Forte no tema contido no voto vencido do ilustre Desembargador Relator Marcos Alcino de Azevedo Torres (fls. 224/231), formularam os autores os presentes Embargos Infringentes (fls. 234/240), a fim de modificar a posição majoritária e derivada do voto do relator designado, Desembargador Edson Vasconcelos.
O Embargado se manifestou às fls. 243/258.
O recurso é tempestivo.
Cuidam-se de Embargos Infringentes opostos por Desembargadores deste Tribunal ao Acórdão de fls. 213/223 que, por maioria, deu provimento ao apelo do Embargado.
Após minucioso exame das provas e das alegações, conclui-se que merece integral provimento o presente recurso, posto que o d. voto vencido foi o que dera a adequada solução à controvérsia.
E assim, conclui-se, pelo fato de considerar que não se pode tolerar o excesso.
O Desembargador Marcos Alcino de Azevedo Torres, ementou seu voto nos seguintes termos:
Responsabilidade Civil. Advogado. Passagem ofensiva à dignidade do magistrado. Sugestão de julgamento corporativo. Abuso de direito. Liberdade de crítica que encontra limites na vedação à ofensa aos bens da vida protegidos pela ordem jurídica, em sua gradação principiológica. É dever dos operadores de direito tratar-se com consideração e respeito recíprocos” (art. 6º, Estatuto da Advocacia). Dano moral. Quantificação. Patrimônio do ofensor que se deve levar em conta, a fim de evitar que a indenização seja arbitrada em valor inalcançável ao autor do dano, desde que no descumprimento e, daí, na ineficácia junto ao meio social ao qual se dirige a tutela judicial, em sua finalidade educativa. Aspecto punitivo da indenização.
A inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, está consagrada na 2ª parte do art. 133 da CRFB e no art. 7º, § 2º, do Estatuto da OAB.
Entretanto, essa imunidade deve guardar relação com os limites legais e razoáveis da demanda, sendo vedado o ataque ilícito e imoral a qualquer dos envolvidos no processo.
Desta forma, a imunidade profissional do advogado não dá a ele o direito de ofender a honra alheia. A sua inviolabilidade, indicada no art. 133 da CRFB/88, não o torna imune a responder por todo e qualquer excesso cometido no exercício da Advocacia.
Salta aos olhos o excesso praticado pelo Embargado, transbordando o direito de livre expressão do pensamento. Em razão deste excesso, atingiu a honra dos magistrados.
Considera-se ilícito o ato praticado em descompasso com o ordenamento jurídico, devendo ser punido e desestimulado.
Toda lesão a qualquer direito traz como conseqüência a obrigação de indenizar.
O respeito entre magistrados, advogados e membros do Ministério Público restou codificado pelo art. 6º do EOAB:
Não há hierarquia ou subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, ressaltando que todos devem tratar-se com consideração e respeito recíprocos.
Dúvidas inexistem no sentido de que a gratuita afirmação, extrapolando os limites fixados pelo ordenamento jurídico, causou aos Embargantes ofensa a justificar a necessidade de reparação.
Como ressalta o ilustre Desembargador Marcos Alcino de Azevedo Torres, ao fundamentar seu voto:
A imparcialidade é um princípio que se faz verdadeiro requisito ao exercício da magistratura, na medida em que tem por finalidade distribuir justiça, provendo a cada qual o que lhe é de direito.
Imputar a um magistrado, no julgamento da suspeição argüida contra um colega de primeiro grau, conduta corporativista – o que implica dizer parcial, já que não trata com isonomia as partes em disputa – equivale a afirmar que não se verifica no criticado o requisito essencial para o desempenho da magistratura, e assim, que não estaria aquele a altura desta.
Adoto o entendimento de que o disposto no artigo 133 da Constituição Federal não traz um direito ilimitado à prática da Advocacia.
Tal dispositivo é um instrumento de apoio à atuação profissional do advogado, mas que não o protege de ser processado quando extrapola as necessidades do ofício.
A sua imunidade, de acordo com a farta jurisprudência, não é absoluta, restringindo-se aos atos cometidos no exercício da profissão em função de argumentação relacionada diretamente à causa.
Induvidosas as exigências morais ao exercício tanto da Magistratura quanto da Advocacia, seja entre seus pares e demais operadores do Direito, seja na comunidade na qual exerce suas atribuições.
O Embargado se excedeu no exercício de sua atividade, utilizando em seus Embargos termos ofensivos à honra dos Embargantes e completamente divorciados do objeto do recurso, demonstrando a evidente intenção de ofender.
Oportuniza trazer as decisões a seguir do STJ, TJ/RJ e TJ/RS:
“EXCEÇÃO DA VERDADE. ADVOGADO QUE ATRIBUI CONDUTAS CRIMINOSAS AOS JULGADORES DA APELAÇÃO DA PARTE ADVERSA. TOTAL AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA VERACIDADE DOS FATOS NARRADOS.
1. A imunidade prevista no art. 133 da Constituição Federal e art. 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/94 não é absoluta, estando circunscrita aos limites da lei, restando clara a possibilidade de, em tese, uma vez extrapolado o limite legal, o advogado cometer o crime de calúnia no exercício profissional. Precedentes do STJ.
2. O Excipiente não logrou provar a efetiva ocorrência das condutas delituosas as quais foram atribuídas aos Exceptos.
3. Exceção da verdade julgada improcedente. ExVerd 51 / SP EXCEÇÃO DA VERDADE 2006/0123217 – 4 Ministra LAURITA VAZ (1120) CE – CORTE ESPECIAL – JULGAMENTO 16.5.2007 – DJ 28.6.2007 – P. 461
EXCEÇÃO PROCESSUAL (CPC, 304/6). (I) Meio de Impugnação da Decisão. Apelação. Inadequação. Fungibilidade Recursal. Inadmissibilidade. Erro Crasso. A exceção de suspeição configura incidente processual, não havendo nova res in iudicium deducta, ou seja, não configura novo processo. Logo, o pronunciamento judicial que a indefere liminarmente, ou a resolve, não caracteriza sentença, mas decisão interlocutória (CPC, 162, §§ 1º e 2º). O meio adequado de impugnação é o agravo de instrumento, a teor do disposto nos artigos 522 e 162, §3º, ambos do Código de Processo Civil. Constitui erro crasso interpor recurso de apelação contra a decisão sub examen, razão pela qual não se há de falar em fungibilidade recursal. (II) SUSPEIÇÃO DE PROMOTORES DE JUSTIÇA. Inadequação do Rito. Falta de Interesse Processual. Os membros do Ministério Público não se sujeitam a tal exceção ritual, mas sim à arguição prevista no artigo 138 do Código de Processo Civil. A diferença entre o procedimento de arguição da suspeição em ambas as situações é cristalina, ante os claros e expressos termos das normas contidas nos §§ 1º e 2º do artigo 138 e dos artigos 304/6 c/c 312/4, todos do Código de Processo Civil. (III) ADVOGADO. Litigância de Má-fé. Possibilidade. Deveres Ético-processuais. Subsunção. Alegação de Imunidade Profissional. Caráter Relativo. Responsabilidade Civil x Responsabilidade Processual. A observância dos deveres ético-processuais por todos os sujeitos participantes do processo é um imperativo do devido processo legal e do acesso à ordem jurídica justa (CR, 5º, XXXV, LIV, LV, LXXVIII), consectários necessários de um Estado Democrático de Direito (CR, 1º, caput). A imunidade profissional do advogado não é absoluta. Também ele se sujeita a freios ético-jurídicos encontrados em nosso ordenamento positivo. Seria indecente imunizar os advogados não só às sanções referentes aos atos desleais e ilícitos, como também aos próprios deveres éticos inerentes ao processo; se todos têm o dever de proceder no processo com lealdade e boa-fé, de expor fatos em juízo conforme a verdade, chegaria a ser inconstitucional dispensá-los de toda essa carga ética, ou de parte dela, somente em nome de uma independência funcional. (C.R. DINAMARCO. “A Reforma da Reforma”, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 68). A recorrente considera sinônimas a responsabilidade processual e a responsabilidade civil. O equívoco é evidente: aquela, em que pese o truísmo, tem natureza processual e decorre da violação às normas com esse mesmo caráter (previstas no Código de Processo Civil); esta natureza substancial decorrente da violação de preceitos de direito material previstos na legislação (Código Civil e Estatuto da OAB). Desprovimento do recurso DES. SERGIO CAVALIERI FILHO – Julgamento: 17.8.2007 – DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL 2007.001.43604 – APELAÇÃO CÍVEL
“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. ADVOGADO EXCESSO. INAPLICABILIDADE DA “IMUNIDADE” PROFISSIONAL. PRECEDENTE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ADVOGADO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REEXAME DOS FATOS DA CAUSA. DANO MORAL. LIQUIDAÇÃO. RECURSO DESACOLHIDO.
I – Segundo a jurisprudência da Corte, a imunidade conferida ao advogado no exercício da sua bela e árdua profissão não constitui um bill of indemnity. A imunidade profissional garantida ao advogado pelo Estatuto da Advocacia não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de qualquer das pessoas envolvidas no processo.
II – O advogado, assim como qualquer outro profissional, é responsável pelos danos que causar no exercício de sua profissão. Caso contrário, jamais seria ele punido por seus excessos, ficando a responsabilidade sempre para a parte que representa, o que não tem respaldo em nosso ordenamento jurídico, inclusive no próprio Estatuto da Ordem.(…)” (STJ. RESP 163221/ES. Quarta Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 14.3.2000).
Portanto, à conta de tais fundamentos, dá-se provimento ao recurso, e julga-se procedente a pretensão autoral, nos termos do voto vencido, para fixar o valor da indenização em R$10.000,00 (dez mil reais) para cada autor, devidamente corrigido a partir da sentença e acrescido de juros de 1% ao mês a contar da citação.
É como voto.
Rio de janeiro / /
Jds. Desembargador Renato Ricardo Barbosa
Relator