30 anos da Lei da Anistia – Desafios e realizações_Entrevista com Paulo Abrão Pires Junior, Presidente da Comissão de Anistia

31 de agosto de 2009

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À frente da presidência da Comissão de Anistia desde abril de 2007, o professor da Faculdade de Direito da PUC/RS, Paulo Abrão Pires Junior, vem enfrentando muitos desafios. Ao aceitar o convite do Ministro da Justiça para assumir o cargo, obrigou-se a diminuir intensamente sua vida acadêmica a fim de se dedicar ao trabalho histórico de contribuir para a transição democrática e para a reconciliação nacional, promovendo a tarefa constitucional de reparação aos danos impostos pelo Estado aos perseguidos políticos brasileiros.

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia, doutorando em Direito na PUC-Rio, já possuía ampla experiência em funções administrativas: ocupava a coordenação do Departamento de Direito Público da sua Universidade, é membro da Comissão de Especialistas para a supervisão dos cursos de Direito pelo MEC, é vice-presidente da Abedi (Associação Brasileira do Ensino do Direito), integrou a Missão Brasileira de Implementação da Universidade do Cabo Verde, África, pela Agência Brasileira de Cooperação do Itamaraty e PNUD/ONU.

Com 34 anos de idade, não presenciou a maior parte dos episódios que semanalmente lhe são relatados no Palácio da Justiça. A vantagem de ter um olhar distanciado da época da repressão permitiu-o implementar uma mudança estrutural na Comissão de Anistia, ressignificando o conceito de anistia política, promovendo ações educativas, de preservação da memória e de práticas para a permanente valorização da democracia e das liberdades públicas.

Agregou-se aos trabalhos da Comissão uma dimensão educativa. Sessões de julgamento reais, denominadas Caravanas da Anistia, são realizadas em universidades, escolas, tribunais de justiça, palácios de governo, câmara de vereadores, assembleias legislativas, museus, sindicatos e até em acampamento de trabalhadores rurais sem terra. A Comissão tem publicado materiais educativos sobre a importância da preservação das liberdades públicas, republicado materiais históricos e vai lançar um prêmio nacional de monografias sobre os 30 anos da lei de anistia.

A exemplo de inúmeros países do mundo, foi anunciada em sua gestão a criação de um Memorial da Anistia Política no Brasil, para o registro dos testemunhos e da resistência do povo brasileiro, sob o conceito de se lembrar para não repetir jamais. A sede do Memorial foi escolhida: a cidade de Belo Horizonte, onde será instalado, em parceria com a UFMG e a Prefeitura da capital mineira, com apoio da Caixa Econômica Federal, em prédio que abrigava a antiga Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade.

Em meio às comemorações dos 30 anos de aprovação da lei de anistia no Brasil, conquista histórica do povo brasileiro, Paulo Abrão concedeu a seguinte entrevista à Revista Justiça & Cidadania:

Revista Justiça & Cidadania – Qual sua avaliação destes 30 anos da lei de anistia no Brasil?

Paulo Abrão – Inicialmente, o Brasil instituiu uma política de transição centrada no esquecimento e no silêncio em nome da governabilidade. Hoje, nossa transição ainda não está completa e somos carentes de uma segunda transição, que é a do alcance de um efetivo estado de Direito. A história indica que é preciso lembrar para não repetir jamais. Deve o Estado manter uma política de preservação da memória histórica e de afirmação permanente dos valores democráticos. Como um fenômeno social, histórico, temporal e mutante, a democracia exige olhares sempre atentos e os cuidados da prudência. Por isso, nas transições dos regimes autoritários, para sinalizar ao futuro a ideia da “não-repetição”, torna-se obrigatória a implementação de uma “justiça de transição”, que permita não apenas projetar o Estado de Direito futuro, mas também restaurá-lo no passado, reparando os prejuízos do autoritarismo. A ONU conceitua justiça de transição como um conjunto de mecanismos hábeis para tratar o legado de violência do regime autoritário, seus elementos centrais são a verdade e memória (conhecimento dos fatos e resgate da história), a reparação (imperativo do Estado de reparar os danos que causou), o restabelecimento pleno do preceito da justiça e do devido processo legal (direito da sociedade em processar e responsabilizar aqueles que romperam com a legalidade cometendo crimes contra a humanidade) e a reforma das instituições (vocacionar os órgãos de segurança para a vida democrática e a cidadania). Atualmente o Brasil avança no desenvolvimento desses mecanismos, mesmo continuando muito atrasado em relação a países vizinhos, como Chile e Argentina.

JC – A lei de anistia de 1979 deve ser revista?

PA – Não. Ela deve ser apenas devidamente interpretada desde a perspectiva da democracia e do Estado de Direito. Não se constituiu em uma anistia ampla, geral e irrestrita como propunham os movimentos democráticos. A luta pela anistia no início dos anos 70 começou de maneira tímida e restrita a familiares dos perseguidos políticos, intelectuais e estudantes, ganhando, aos poucos, força e adesão de segmentos populares, empresariais, clericais, e isto culmina na formação dos Comitês pela Anistia no país e no exterior. A bandeira deste movimento era a da anistia ampla, geral e irrestrita para todos os presos políticos e exilados vítimas da repressão militar. Nas eleições para o Congresso Nacional de 1978, o tema foi obrigatoriamente pautado pelos candidatos progressistas do então MDB, e uma bancada considerável foi eleita com o compromisso assumido de levar e defender no parlamento a bandeira da anistia. O projeto de anistia ampla, geral e irrestrita, foi rejeitado em votação e o governo aprovou o seu projeto de anistia restrita, assim consolidada na Lei nº 6.683, uma anistia que excluía do seu alcance os exilados e presos condenados por terem participado de ações armadas contra o regime. Mas o mais grave veio posteriormente, com a interpretação política que se passou a fazer da Lei, pretendendo equiparar os perseguidos políticos vítimas das prisões ilegais, das torturas, das sevícias, das demissões e dos afastamentos injustificáveis de seus empregos e de suas funções com os perseguidores e os torturadores, que sob o ilegal, frágil e inaceitável argumento da conexidade de suas ações com as ações das vítimas do regime se pretendiam perdoados por seus crimes. Tal interpretação é contrária à ideia de império da lei, uma vez que legitima a ruptura da ordem constitucional tida em 1964 e ainda viola inúmeros tratados internacionais firmados pelo Brasil. Portanto, a questão não é rever a lei, é apenas inseri-la no contexto do Estado de Direito, onde os direitos fundamentais precedem aos demais e onde não é aceitável, por meio de leis ordinárias e mesmo de reformas constitucionais, alterar tais fundamentos — especialmente quando se referem ao valor máximo da dignidade da pessoa humana.

JC – Como a lei de 1979 deve ser interpretada?

PA – A forma sistemática como ocorreram as torturas configura crime contra a humanidade, imprescritível e não passível de anistia. Este entendimento se baseia na legislação de direito interno vigente à época, nos tratados e convenções internacionais de direitos humanos e na melhor tradição ética desde Nuremberg. Seria suicídio moral admitir que uma pretensa autoanistia, confeccionada nas profundezas do autoritarismo, tenha validade à luz dos princípios da Constituição Democrática. A própria lei de 1979, objetivamente analisada, não permite inferir nenhuma conclusão neste sentido, pois tais crimes não se ajustam nem no qualificativo de “políticos” nem de “conexos” que a referida lei previu anistiar. Por isso, não se propõe a revisão da lei de anistia, mas uma adequada interpretação da mesma. Defendemos que o Estado Democrático não pode negar a busca por justiça para os vitimados pela barbárie, isso é negar a própria função do Judiciário. Seria como admitir que a nossa democracia tenha como fundamento de legitimidade a exclusão e negação política do direito básico de acionar o sistema de justiça para parte da cidadania. O que está efetiva e suprapartidariamente em discussão é se a nação brasileira se funda no repúdio às práticas de tortura ocorridas, seja contra pessoas de esquerda ou de direita, em ditaduras de esquerda ou de direita, no passado, no presente ou no futuro. Ou se, por questões eminentemente ideológicas, e não jurídicas, aceitaremos que em dadas circunstâncias o Estado possa abandonar o império da lei e valer-se de métodos sujos para manter o controle sobre a população.

Se fosse instituída uma ditadura do proletariado que tivesse torturado e matado, defenderíamos hoje, peremptoriamente, a responsabilização desses criminosos torturadores do mesmo modo. Nunca é demais destacar que os países do antigo bloco soviético também passaram por ditaduras e tiveram uma justiça de transição, pois a questão que se discute não é ideológica, mas sim da efetivação do Estado de Direito. É uma questão de fundo sobre a afirmação da democracia e das liberdades públicas. O STF terá uma decisão histórica a proferir, um momento de afirmação máxima da ideia de corte constitucional. Pela qualidade dos ministros atuais, não creio que utilizar-se-ão caminhos processuais para o não enfrentamento do mérito da questão. Podem-se prever votos históricos para a nação, seja qual for a posição que adotarem.

JC – Quais foram suas principais medidas ao assumir a Comissão de Anistia?

PA – A primeira medida foi a de adequar os valores das indenizações à realidade social brasileira e a um juízo de razoabilidade. A média das remunerações mensais, que chegou a ser próxima a R$ 6 mil, hoje está abaixo de R$ 3 mil e em harmonia com os valores pagos na iniciativa privada. Reestruturamos os fluxos processuais, promovemos alterações regimentais, reorganizamos os setores administrativos, criamos novas turmas de julgamento. Procuramos, acima de tudo, ampliar a transparência por meio dos boletins informativos, das audiências de prestação de contas públicas do trabalho efetuado e com a permissão do mais amplo acesso da imprensa aos trabalhos da Comissão. As sessões de julgamentos são públicas e abertas a toda a sociedade. Ainda temos trabalhado pela afirmação da memória e estimulado debates nacionais, conjuntamente com inúmeros parceiros dos governos federal, estaduais e municipais e com entidades da sociedade civil, com vistas à ampliação do processo transicional brasileiro.

JC – E quais os resultados colhidos?

PA – O resultado foi uma aceleração e aumento da quantidade de apreciação de requerimentos. Foram quase 22.000 processos julgados em dois anos, número equivalente ao total julgado nos 6 anos anteriores de existência da Comissão. A maior celeridade dos julgamentos de pedidos de reparação permite que os cidadãos atingidos pelos atos de violência da repressão recebam o pedido de desculpas do Estado em vida, pois muitos já possuem idade avançada. No ano de 2008, duas ações foram muito simbólicas. A primeira foi a de que, com apoio de inúmeras entidades — UNE, OAB, CNBB, ABI, Associação de Juízes para a Democracia, AMB, Ministério Público Federal — , lançamos uma audiência pública, ocorrida dentro do Ministério da Justiça, sobre o alcance da lei de anistia e a responsabilização jurídica dos agentes torturadores do regime ditatorial. A audiência pública sobre o alcance da lei de anistia e a questão das possibilidades jurídicas de responsabilização dos agentes violadores de direitos humanos durante o regime de opressão, promovida pela Comissão de Anistia e ocorrida no dia 31 de julho de 2008, foi um marco histórico, pois, pela primeira vez, um órgão oficial do Estado promoveu esta saudável discussão na sociedade e colaborou para a superação da descomprometida leitura de que a anistia brasileira devesse ser vista e convertida em amnésia, como tentativa de se impor o esquecimento. Depois desta audiência, o debate ecoou na sociedade e desencadeou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, proposta pelo Conselho Federal da OAB, aguardando decisão no STF. Rompeu-se a cultura do medo, reafirmando que na democracia não podem existir temas proibidos. Outro destaque deve ser dado à anistia concedida ao Presidente João Goulart e seus familiares: 44 anos depois da deposição, restava pendente ao Brasil um pedido de desculpas oficial à família deste que foi o primeiro dos perseguidos políticos. Ainda um outro grande resultado: agora em junho, finalmente o Brasil pediu desculpas aos moradores humildes da região do Araguaia, atingidos pela repressão à guerrilha e lhes concedeu reparação por anos de dor e sofrimento. Eram pessoas que sequer tinham noção política do que estava acontecendo naquela época, ficaram como reféns numa guerra entre a esquerda e a ditadura. Esse processo demonstra bem a efetivação do Estado de Direito que referimos, essas pessoas não tinham ideologia nem ameaçavam a pretensa “segurança nacional”, mas tiveram seus direitos suspensos, foram torturadas, perderam suas casas. É inadmissível que defendamos a existência de um Estado de Direito e não façamos a reparação e promoção de justiça para com as vítimas da força e do arbítrio.

JC – O processo de reparação é muito complexo?

PA – Estamos diante de um dever do Estado em reparar os danos que ele mesmo produziu. A reparação é um direito constitucional. Mas a lei que regulamentou a Constituição é bastante iníqua. Sou um crítico desta legislação que produz distorções graves e, muitas vezes, a Comissão se depara com diversas injustiças. As reparações econômicas são fixadas segundo o vínculo laboral do perseguido à época dos fatos. Comprovada a perda desse vínculo por razões políticas, concede-se uma prestação mensal, permanente e continuada, equivalente ao que teria direito “se na ativa estivesse”, diz a Lei. Já para os que não possuíam vínculo laboral, a reparação dá-se por uma prestação única, equivalente a 30 salários mínimos por ano de perseguição política efetiva e comprovada, observado o teto legal de 100 mil reais. Veja que a lei não estabelece uma correlação com o grau de perseguição e danos sofridos pelo cidadão, e, ainda, impõe teto para um grupo e não o faz para outro. Pessoas com danos físicos, psicológicos e materiais maiores, por vezes, acabam por receberem indenizações bem menores. A mora legislativa na regulamentação da lei fez com que os valores de pagamentos retroativos acabassem sendo muito altos.  A despeito disso, é necessário obedecer a esta lei de reparação, que foi legitimamente aprovada (no presente caso, por unanimidade) em um Congresso livre e democrático. Mudanças podem ser promovidas a qualquer tempo pelo Parlamento, o que não é possível é exigir essas mudanças da própria Comissão, como querem alguns, isso seria colocar a vontade de alguns acima da lei.

JC – E como conseguiu equilibrar estas distorções da lei? Quais foram os parâmetros utilizados para as atuais indenizações menores na Comissão de Anistia?

PA – Diante de todas as dificuldades de uma alteração legislativa, e sem ferir direitos, passamos a fixar as indenizações conforme um dispositivo da lei que permite estabelecê-las segundo as médias de mercado atuais, e não pela progressão ficta ao topo da carreira. Passamos a incorporar nas decisões o princípio da razoabilidade e da adequação à realidade social brasileira. As indenizações do passado foram pautadas em outros parâmetros que a lei também autoriza. Mesmo que ambos os critérios sejam legais, nosso entendimento é de que o atual, da média de mercado, é mais razoável e legítimo. Obviamente isso não corrige as deformidades da lei, mas as reduz. Ao nosso juízo, e por princípio, o mais relevante do processo de anistia não pode ser a dimensão econômica. Embora inquestionável e devida, a indenização deve ser decorrência do ato moral de o Estado hoje reconhecer os seus erros e pedir desculpas formais pelas arbitrariedades que cometeu.

JC – Quantos brasileiros ingressaram com o pedido de reconhecimento de suas perseguições?

PA – Hoje totalizam pouco mais de 64.000 requerimentos de anistia. Destes, 46 mil já foram apreciados. Mais de 30.000 receberam a anistia e um pedido formal de desculpas, dentro deste grupo, por critérios postos na lei, aproximadamente 12.000 receberam também algum tipo de indenização. O protocolo da Comissão ainda está em aberto, pois atos de lesa-humanidade são imprescritíveis e as reparações podem ser acionadas a qualquer tempo, como inclusive foi reafirmado recentemente por decisão do STJ.

JC – As Caravanas da Anistia têm percorrido todo o país. Como é a reação das pessoas ao receber o pedido de perdão tantos anos depois?

PA – É um processo de efetiva reconciliação. As pessoas, com razão, ainda guardam consigo um sentimento de injustiça por anos a fio e duvidam da capacidade do Estado de admitir seus erros (ou seja, duvidam da própria ideia de um Estado que se vincule à lei). O pedido de desculpas na localidade onde as perseguições ocorreram contra elas, junto à sua comunidade e familiares, permite resgatar suas dignidades. Foram anos sendo apontados nas ruas como se fossem criminosos, impedidos de ingressar em novos empregos. As marcas da tortura estão presentes na mente e no corpo. Não é possível reconciliação sem verdade. As feridas nunca foram fechadas, até mesmo porque não foram tratadas. A maioria dos perseguidos é gente desconhecida, embora a mídia somente repercuta as anistias aos personagens notórios. Quando apresentamos nossa experiência das Caravanas da Anistia a entidades e organizações internacionais, elas ficam entusiasmadas por perceberem como a ideia de uma justiça restaurativa pode ser mesmo levada adiante. Para dar um exemplo, recentemente o Ministro da Justiça da Espanha, país que viveu uma ditadura finda na mesma época que a nossa e que apenas em 2007 aprovou uma ampla lei de reparação e memória histórica, ficou impressionado com o modo como estamos lidando com nosso legado autoritário. O projeto das “Caravanas da Anistia”, com julgamentos públicos país afora, nos locais onde as perseguições ocorreram, promovem maior transparência e publicidade aos trabalhos e critérios da comissão. As atividades permitem, sobretudo aos jovens, conhecer a história e imbuir-se da relevância da manutenção da justiça e das liberdades públicas. A cada Caravana da Anistia, a democracia brasileira se fortalece.

JC – Um país sem memória tende a repetir os seus erros, é isso?

PA – Exatamente. Houve um tempo em que o esquecimento e o silêncio foram impostos. Hoje, graças à luta do povo brasileiro, a democracia se constrói pela memória e pelo exercício das liberdades públicas. Esquecendo das perseguições políticas, das mortes, dos desaparecidos, dos torturados e dos prejudicados em seus trabalhos e convívio familiar, acabamos por enterrar a dignidade de nossa própria história. É na interpretação do passado que se joga o futuro do Estado Democrático. A luta pela recomposição da memória não visa revanche com ninguém, muito menos “manchar” o passado de instituições que sustentaram o autoritarismo. Visa, na verdade, o equilíbrio das versões para fazer justiça a quem sofreu e aos que tombaram. As ações dos resistentes permitiram que a democracia pudesse voltar a viger no Brasil. Seria desqualificador para nossa democracia esquecê-los. Isto seria uma não-memória, que impregnaria nas entranhas do Estado o tipo de ordem jurídica e política capaz de instrumentalizar os homens para transformá-los em máquinas de destruição dos seus semelhantes. Por isso, é de interesse público e geral a primazia do direito à verdade dos fatos e à história.

JC – Existe um trabalho coordenado com outros países?

PA – Sim, necessariamente. O tema hoje é universal. A mesma discussão que ocorre hoje no Brasil está em debate nos EUA, no caso de Guantánamo e seus torturadores; na Espanha, com as ações do juiz Baltazar Garzón; no trabalho do Tribunal Penal Internacional em Haia. O Brasil é réu atualmente na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA em razão dos desaparecimentos no Araguaia. Integramos hoje uma rede internacional de proteção dos direitos humanos em matéria de anistia e memória e a Comissão de Anistia promoveu e sediou o Seminário Latino Americano de Justiça de Transição que abrangeu o 1º Encontro das Comissões de Reparação e Verdade da América Latina, trazendo representantes de países como Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Colômbia, Guatemala, El Salvador, Peru e Estados Unidos. Recentemente, a Comissão firmou convênio com o Mistério da Justiça da Espanha e com a Universidade de Coimbra para permitir acesso recíproco a fontes de informações e documentações públicas sobre os regimes autoritários de cada país. Em junho, a experiência dos projetos da Comissão de Anistia do Brasil foi relatada durante o “International Conference Taking Stock on Transitional Justice”, na Universidade de Oxford. E, neste mês de agosto o projeto do Memorial foi exposto para representantes de diversos países em Bogotá, a convite de uma instituição norte-americana sediada em Nova Iorque. A tipologia de “crimes contra humanidade” é uma nova síntese jurídica civilizatória e universal em torno dos direitos humanos.