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7º Seminário Jurídico de Seguros debate desafios e perspectivas para o segmento

8 de novembro de 2024

Da Redação

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Na mesa de abertura do 7º Seminário Jurídico de Seguros (da esquerda para direita): o presidente da CNSeg, Dyogo Oliveira, o procurador-geral da ANS, Daniel Tostes, o diretor da Enfam, ministro Benedito Gonçalves, o superintendente da Susep, Alessandro Octaviani e a diretora de redação da Revista JC, Erika Siebler Branco

Fraudes, mudanças climáticas, revisão do Código Civil e regulação fizeram parte das discussões que aconteceram no evento

Em meio a desafios regulatórios e à busca por sustentabilidade, o 7o Seminário Jurídico de Seguros, realizado em 24 de outubro no Superior Tribunal de Justiça (STJ), colocou no centro das discussões a necessidade de combate a fraudes na saúde suplementar e a expansão dos seguros como mecanismo de suporte ao desenvolvimento nacional. O evento, promovido pela Revista Justiça & Cidadania e pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), com o apoio da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), reuniu ministros, especialistas e representantes de agências reguladoras e dos setores público e privado. 

Na abertura do evento, o diretor-geral da Enfam, ministro Benedito Gonçalves, ressaltou que o evento é fundamental para o intercâmbio de ideias, permitindo que magistradas e magistrados, além de outros profissionais do ramo, reflitam juntos sobre os desafios regulatórios e jurídicos”. A mesa de abertura foi também integrada pela diretora de redação da Revista Justiça & Cidadania, Erika Siebler Branco, pelo procurador-geral da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Daniel Tostes, pelo superintendente da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Alessandro Octaviani e pelo presidente da CNseg, Dyogo Oliveira. “O segmento de seguros é, acima de tudo, um instrumento de proteção social e de redistribuição de renda, que só funciona à base do mutualismo e da formação de uma rede de proteção”, descreveu o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira.  ”Nos cabe um grande esforço no sentido de proteger as populações mais vulneráveis em decorrência das mudanças climáticas”, defendeu. 

Fraudes na saúde suplementar – As fraudes na saúde suplementar foram tema de um dos painéis de debate do evento. O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, destacou a gravidade do problema que afeta financeiramente operadoras e usuários do segmento. ”É mais um seminário de essencial necessidade para que a magistratura tenha acesso a conhecimentos no  âmbito dos seguros e tenha mais parâmetros julgadores”.

O ministro Antonio Saldanha Palheiro do STJ também fez um alerta sobre o impacto das fraudes. Segundo ele, o problema visível é apenas uma pequena parte dos danos reais. “A questão do combate às fraudes é um desafio para todos nós e considero que são muito mais graves que a judicialização porque desta última, nós conseguimos enxergar o tamanho. As fraudes, assim como os atos ilícitos em geral, são apenas a ponta de um iceberg”.  

A diretora de Serviços ao Segurado e Gestão Médica da Bradesco Saúde, Thais Jorge, reforçou o cenário desafiador para operadoras de pequeno porte, que enfrentam dificuldade de sustentação frente às fraudes e desperdícios. Segundo levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, o segmento perdeu cerca de R$ 34 milhões em 2022 devido a práticas fraudulentas. “25% da população está abarcada por esse tipo de serviço, mas certamente existem oportunidades de aumentar sua representatividade já que tem sido custoso para as pequenas operadoras se manterem sustentáveis”, explicou.

Por sua vez, o procurador-geral da ANS, Daniel Tostes, afirmou que os atuais números sintetizam, em grande medida, os desafios principais do ramo de saúde suplementar. “Temos que ser muito mais enfáticos em coibir comportamentos indesejados e o oportunismo que tem gerado tanto desperdício, e que é muito maior do que apenas as fraudes. Falo sobre alocar recursos de maneira adequada para quem de fato os necessite”.

O problema enfrentado na atualidade, de acordo com a presidenta da SulAmerica Saúde, Raquel Reis, é também consequência da falta de formação adequada sobre o segmento de saúde suplementar. “É um ponto que tem que ser tratado não só para os futuros médicos, mas também para os advogados, para quem faz a precificação, para os atuários e para todos os outros entes desta cadeia produtiva”, disse. “Temos o desafio de fazer essa área crescer, e isso é interessante para todos nós, para a sociedade e, sobretudo, para desafogar o SUS”.

Encerrando o painel, o ministro Campbell Marques comentou que o juiz não é e não pode ser despachante de processos. “Ele tem que estar no contexto da decisão permanentemente. Daí a importância de privilegiar parâmetros que o NATJus determina”, explicou. Segundo ele, o sistema é importante pois coloca à disposição do magistrado informação técnica, laudos médicos e evidências científicas para que a decisão não seja tomada apenas diante da narrativa que apresenta o demandante da ação. “São temas muito sensíveis e a decisão judicial carece de conhecimento de causa”, finalizou. 

Seguros, infraestrutura e meio ambiente – O ministro Raul Araújo do STJ, e presidente de mesa do segundo painel, destacou que o tema permite conhecer mais de perto a relação entre a busca por desenvolvimento social, crescimento econômico e riscos ambientais. “As obras de infraestrutura são necessárias e legítimas, mas trazem consigo os chamados riscos ambientais”.

Primeira a falar, a ministra Edilene Lôbo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com base em estudos envolvendo a proteção dos direitos fundamentais, focou na proteção das pessoas mais vulneráveis nos casos de desastres ambientais. Segundo ela, a Susep e grande parte das empresas do segmento se debruçam sobre grupos de trabalho específicos. “A maioria das vítimas dos desastres ambientais não tem a cultura do seguro e é muito importante falar sobre seguro ambiental como obrigação para as empresas que atuam na área, voltada, primeiro, para a proteção do meio ambiente e das pessoas mais necessitadas”.

O presidente da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Antonio Trindade, apresentou números do mercado de seguros. Segundo ele, o segmento participa hoje com cerca de 6% do produto interno bruto (PIB) e faturou no ano passado quase R$ 700 bilhões, pagando indenizações de R$ 460 bilhões. Ele falou também sobre a Lei de Licitações que entrou em vigor em 2024 e prevê que obras acima de R$ 200 milhões de valor empenhado devam ter seguro de garantia com cláusula de retomada para a conclusão da obra. “Acredito que a intenção da indústria de seguros é que isso realmente passe a funcionar e, assim, deveremos ter um ambiente muito mais propício”. 

Além de abordar a forte relação que existe entre infraestrutura e meio ambiente, a diretora de Organização de Mercado e Regulação de Conduta da Susep, Jéssica Anne de Almeida, falou sobre a atuação do órgão nessa questão, os diagnósticos do momento e as perspectivas futuras. “Logo depois do lançamento no novo PAC, o governo federal lançou o plano de transformação ecológica e nós temos um grupo de trabalho com proposta muito parecida. Fizemos um diagnóstico e discutimos muito amplamente a possibilidade de contar com regras de classificação de produtos  ‘verdes’, para ajudar a identificar corretamente que coberturas são ou não sustentáveis, assim evitando o greenwashing”.

Representando as resseguradoras neste contexto, Bruno Freire, CEO da Austral Resseguradora, esclareceu o papel dessas entidades. Ao abordar a questão das mudanças climáticas, ele comentou que as empresas têm que se preparar para isso. “O desafio é sobre como tratar dessa lacuna, já que, hoje, não existe cobertura para isso, como acontece em países onde terremotos e furacões são recorrentes. No Brasil, não estávamos preparados para isso, mas hoje, com tecnologia e com a facilidade de trabalhar com dados, é mais tranquilo e não tão custoso como há 10 anos”.

O Código Civil e o contrato de seguro – A ministra Isabel Gallotti, do STJ, presidenta da mesa do painel sobre o Código Civil e o contrato de seguro, destacou a oportunidade de discutir em profundidade as diferentes decisões em torno dos aspectos da atividade jurídica e social no país, “que vão em muito contribuir para as delicadas questões que estão hoje sob apreciação do STJ”.

O diretor-presidente da Caixa Seguridade, Felipe Mattos, destacou a necessidade da interpretação do contrato de seguro como todo e qualquer contrato permeado pela boa-fé contratual. “Nós estamos agora com uma comissão de juristas discutindo, em estágio avançado, as alterações no Código Civil que impactarão bastante nosso contrato de seguro e alguns pontos, na minha visão, se refletirão diretamente na boa-fé contratual”.

Integrante do grupo que atuou na revisão do Código Civil, a doutora em Direito Político e Econômico e mestra em Direito Civil, Angélica Carlini, apontou que a atualização do Código Civil cumpriu a missão em relação aos contratos em geral. “Essas questões certamente vão estar à frente de nós em alguns anos, em especial porque as relações negociais se tornam cada vez mais interligadas e mediadas pela inovação. Não à toa, a revisão e atualização do Código Civil traz agora capítulo especial para o direito civil digital”. 

O consultor legislativo do Senado Federal, Carlos Eduardo Elias, disse que “há uma tendência romântica e popular de acreditar que a seguradora tem que cobrir tudo“.  Segundo ele, isso parte de certa ignorância sobre a realidade de como funciona o sistema de seguros e é preciso adotar conceitos abertos, como boa-fé e função social do contrato, para aplicação  em casos concretos.

O diretor jurídico e de compliance da Zurich Brasil Seguros, Washington Bezerra, disse que o ideal é que as cláusulas contratuais sejam abertas. “O mundo vem mudando muito rapidamente e se a cada mudança tivermos que mudar a lei, sabendo como funciona a aprovação, sempre teremos leis posteriores às ocorrências”, declarou. Para ele, as normas permitem diversas interpretações, e não existe algo que seja absolutamente preciso. “Observando o anteprojeto (do Código Civil), me pareceu que alguns pontos, pela característica do mercado de seguros, precisam ficar um pouco mais claros”. 

De acordo com o ministro Marco Buzzi do STJ, a sociedade de consumo exigiu grandes mudanças quanto ao entendimento do segmento de seguros. “Houve modificação legislativa e de compreensão dos tribunais não só em termos de precedentes, mas em termos de jurisprudência”. Ele encerrou o painel, pontuando que “as cláusulas (contratuais), infelizmente, não podem ser tão abertas, mas que a nossa legislação tem uma grande característica: de ser a mais segura do mundo”.

Desafios Regulatórios – Em mesa presidida pelo ministro Paulo Sérgio Domingues do STJ,  a diretora de Infraestrutura de Mercado e Supervisão de Conduta da Susep, Júlia Lins disse que, ao editar normas, a Susep segue dois instrumentos importantes: a Constituição Federal e o Decreto-Lei 73/1966. “A primeira dificuldade que temos em relação à edição de normas, é que temos um mercado norteado por conflitos e poderes. Então o regulador tem que estar bastante atento. E essa atenção tem que evitar qualquer conflito de interesses”.

A diretora-presidenta da Brasilprev Seguros e Previdência, Ângela Assis, optou por focar nas questões da previdência privada no contexto de envelhecimento populacional. “Estamos diante do aumento da longevidade, o que é super positivo. Mas isso traz impactos sociais e econômicos”. Ela também apontou a necessidade de criar leis que incentivem empresas de todos os portes a oferecer esse benefício para os colaboradores, uma vez que pesquisas mostram que a previdência é um dos principais atrativos de retenção de talentos.

O diretor Técnico e de Estudos da CNseg, Alexandre Leal, trouxe para o debate o instituto da Análise do Pacto Regulatório como fundamental para a melhoria do ambiente e da eficiência regulatória, diante da escassez de recursos humanos, financeiros e tecnológicos da Susep. “A eficiência regulatória é um dos pilares do desenvolvimento de mercado de seguros com vistas a aumentar a participação do segmento no PIB ao longo dos próximos oito anos”. 

Já o diretor da Comissão de Valores Mobiliários, João Accioly, abordou os desafios para a melhoria do ambiente regulatório e o seguro como instrumento de maior sustentabilidade. Encerrando o painel, o ministro Gurgel de Faria do STJ, falou sobre a questão das associações mutualistas. “Na situação atual, essas empresas estão fora da regulação, atuando de maneira completamente irregular. O PLP 519/2018, que prevê a proteção patrimonial mutualista, já foi aprovado na Câmara, e caso venha realmente a ser aprovado, a Susep terá muito trabalho pela frente”.

Encerramento – A diretora Jurídica da CNseg, Glauce Carvalhal, declarou que o seminário trouxe, além das questões que o STJ acompanha, aspectos de mercado, desafios regulatórios e outros que não estão necessariamente no dia a dia do tribunal. “Isso foi proposital justamente para chamar a atenção para questões específicas, as mudanças que estamos passando e os desafios que temos pela frente”.

O ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do STJ e coordenador acadêmico do Seminário, falou que o evento foca no debate para a propositura de soluções. “O direito não é estanque e nós precisamos conversar com todos os segmentos. A área de seguros é super regulada e ainda assim enfrenta a judicialização. É por isso que o debate é importante“, destacou. 

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