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A Amazônia e a cobiça internacional

31 de dezembro de 2005

Presidente do Conselho Editorial e Consultor da Presidência da CNC

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O interesse pela grande região amazônica remonta há mais de 300 anos.

Desde o início do séc. XVII (1637) que os portugueses se lançaram na conquista e ocupação da Amazônica Brasileira, preocupados com o interesse demonstrado pela Inglaterra, França e Holanda.

No século XVIII tímidas providências foram tomadas em relação àquela área, como a construção de mais fortalezas e tentativa de colonização sob a inspiração do Marquês de Pombal.

No século passado, França, Inglaterra e Alemanha estudaram a livre navegação dos rios amazônicos, com o intuito de facilitar o seu comércio, seja no lado brasileiro, seja com os outros países nela incluídos.  Também os Estados Unidos, em 1850, queriam, com a The Amazon Steam Navigation Company, ter facilidades de navegação pelo Amazonas.  As Chartered Companies, também norte-americanas, alegavam, no início deste século, imperativos científicos de desenvolvimento das terras incultas da Amazônia, para justificarem uma possível ocupação dessa região.

A cobiça internacional encontrou ecos diante de temas que se tornaram universais, como o meio ambiente, missões indígenas, clima, narcotráfico e desflorestamento.  Brevemente o problema de escassez de água levará o mundo a se voltar ainda mais para Amazônia.

Nos anos 30, até o Japão resolveu dar a sua contribuição para a ocupação da região, propondo que se fizesse uma redistribuição da população mundial, instalando-se aí os excedentes de outros locais.

Em 1948 a ONU, por intermédio da UNESCO, foi muito além, ao propor a criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica, um órgão de pesquisas científicas.  Na realidade, o objetivo final do projeto era a desapropriação da Amazônia com a conseqüente perda da jurisdição territorial do Brasil sobre ela.  Esse projeto concedia  atribuições executivas a uma entidade internacional criada especialmente com essa finalidade e criava imunidades para pessoas e bens.

O mais revoltante disso tudo é que esse Projeto foi incluído no Tratado de Iquitos, celebrado em 1948, e assinado também pelo Brasil.  Só não foi avante porque o Congresso Nacional não o aprovou.

Nos anos 60, coube ao Instituto Hudson dos Estados Unidos nova investida contra a soberania brasileira sobre a Amazônia, com o Projeto dos Grandes Lagos ou Plano do Mar Mediterrâneo Amazônico, que previa a construção de sete grandes lagos na Amazônia, o maior dos quais produziria de 30 a 50 milhões de quilowatts de eletricidade.  Segundo Robert Panero, técnico  desse instituto, esses lagos serviriam de ligação entre as bacias dos rios, melhorariam seu potencial de navegação e estimulariam o desenvolvimento regional.  Iniciativa idêntica seria implementada em Chocó, na Colômbia, com saída para o Pacífico.  Em resumo, essa seria uma nova variante do Canal do Panamá de que especialmente os Estados Unidos se serviriam para facilitar o seu comércio.

MITOS AMAZÔNICOS

Um estudo do conceituado Professor Ney Coe De Oliveira, intitulado “Mitos sobre a Amazônia, 1991, elenca os principais, a saber:

1 – O mito da homogeneidade amazônica; 2 – O mito do espaço vazio; 3 – O mito da riqueza florestal; 4 – O mito da pobreza amazônica; 5 – O mito do pulmão da Terra; 6 – O mito do índio; 7 – O mito de que a Amazônia é só o Brasil.  Este último item merece um esclarecimento.

O Brasil tem jurisdição sobre cerca de 70% da bacia amazônica e pouco mais de 60% e pouco mais de 60% do território brasileiro é amazônico.  Países como Peru, Bolívia, Equador e Colômbia, no entanto, também tem altos percentuais de territórios amazônicos.

Essa realidade  tem sido pouco avaliada e as responsabilidades globais no âmbito da bacia não têm sido nem um pouco distribuídas.  Simplesmente intitulou-se o Brasil como responsável pela Amazônia atribuindo-lhe toda a responsabilidade da destruição da região em nível internacional.

A BIOPIRATARIA

O mundo vive hoje uma era em que se valoriza sobremaneira tudo aquilo que é natural.  Estima-se que, no meio farmacêutico, 40% dos remédios sejam dessa origem e a expectativa é de que tal percentual vá crescer muito mais num curto espaço de tempo.  A sanha internacional por esses fármacos é a razão de um dos maiores problemas enfrentados por nosso País.  Conhecedores da imensa biodiversidade amazônica, os laboratórios internacioanis tudo fazem para subtrair do nosso território matérias-primas e conhecimentos dos indígenas.  Relatos de guias turísticos dão conta de que muitos visitantes estrangeiros têm o hábito de carregar em suas mochilas kits completos para o recolhimento de amostras de plantas, cascas de árvores, flores, terra e microorganismos.  É comum levarem ainda em suas bagagens besouros, borboletas, abelhas, marimbondos e outros insetos.  O jornal Folha de S. Paulo noticiou recentemente que um folheto de propaganda da Associação Ecológica Alto Juruá, conhecida como Selvaviva, oferecia plantas medicinais e o conhecimento tradicional de comunidades indígenas para sua obtenção a interessados do Brasil e do Exterior.

Na Amazônia, a biopirataria quase tem a dimensão da sua biodiversidade e, podem ter certeza, o nosso país está perdendo a parada para a pirataria.  Citemos apenas dois casos: o químico Conrad Gorinsky – roraimense de origem bretã – obteve do Escritório de Patentes Europeu o direito de propriedade intelectual sobre dois compostos famacológicos retirados de plantas da Amazônia, com a  ajuda dos índios uapixana, de Roraima.  Um desses extratos é o Rupununine, extraído do bibiru (octotea rodioei), árvore comum na fronteira do Brasil com a Guiana, o qual, além de ter efeito anticoncepcional, inibe o crescimento de tumores cancerígenos.  Alguns cientistas suspeitam que possa também frear a reprodução da vírus da AIDS.  O outro fármaco é o Cunaniol, retirado da planta cunani (clibadium sylvestre), potente estimulante do sistema nervoso central e forte anestésico, que, inclusive, pode ser utilizado em cirurgias em que seja necessária a parada dos batimentos cardíacos  O extrato de jaborandi, também retirado de uma planta brasileira, é outro fármaco pelo qual já pagamos direitos a laboratório estrangeiro, de vez que já foi daqui retirado e patenteado em outro país.

A riqueza biológica não é adequadamente conhecida, havendo muitas espécies que nem ao menos foram catalogadas.  Sabe-se que, em um só hectare da floresta, existem cerca de 500 espécies de plantas e vivem 50 mil de animais e microorganismos diferentes.  Isso é um campo vasto e fértil para a pesquisa científica e também para a cobiça.

Se o Brasil não correr atrás da revisão de patentes concedidas externamente, de forma irregular, terá que entrar na fila de compradores de um produto cujo insumo lhe foi surrupiado, ou produzirá em seus laboratórios medicamentos derivados dessa matéria-prima, dando em troca polpudos recursos às empresas de biotecnologia detentoras dos respectivos royalties.

A real riqueza dessa região não é ainda do conhecimento humano.  Sabe-se, entretanto, que o subsolo é riquíssimo em minerais como ouro, manganês, ferro, nióbio, titânio, bauxita, cobre, estanho, caulim, diamante, chumbo, níquel, alguns dos quais nem sequer são devidamente conhecidos da ciência.  A riqueza de peixes é incomensurável, tão numerosos e piscosos são os seus rios.

A pesca pode perfeitamente ser desenvolvida, desde que não o seja de forma predatória, que se respeite a época da desova e que não se capturem os peixes pequenos.

Narcotráfico

Está perfeitamente comprovado que a Amazônia comporta rotas de passagem do narcotráfico através de suas fronteiras com a Bolívia, Peru e Colômbia.

Essa mazela da sociedade mundial contemporânea tem preocupado a todos os países e ações tem sido tentadas com o intuito de minimizar os efeitos danosos da proliferação das drogas nas populações de todas as nações.

Em relação a Amazônia tem sido feita uma campanha muito grande para combater a produção de drogas na América Latina e em especial em países amazônicos.  Todos os países amazônicos estão engajados na luta para combater essa verdadeira praga social e o nosso país tem despendido esforços para combater a expansão crescente desse flagelo entre nós.

Para enaltecer as ações que realmente contribuem para tornar efetivo o legítimo direito de dispor, desenvolver, manter e preservar a nossa Amazônia é oportuno ressaltar o trabalho essencialmente profissional realizado pelas nossas Forças Armadas na Amazônia.

Ações a realizar

1– Incentivar a revitalização do Pacto Amazônico demonstrando à Comunidade Internacional a união e coesão dos países amazônicos, constituídos em bloco regional a semelhança dos outros.

2 – Incrementar o comércio exterior com os países do Oriente através de corredores intermodais de transporte que permitam o acesso ao Oceano Pacífico gerando barateamento de frete e por conseqüência adquirindo maior competitividade.

3 – Carrear meios para o Programa Calha Norte e assim revitalizar nossas fronteiras, melhorando as condições de vida das populações isoladas naquela vasta porção do território nacional, cerca de 14% do país e principalmente inibir o contrabando, descaminho e o narcotráfico.

4 – Prestigiar a atuação do SIVAM/SIPAM, no sentido de dominar inteiramente a tecnologia, altamente sofisticada, dos equipamentos eletrônicos instalados e principalmente gerenciar e controlar rigorosamente a produção e armazenamento dos dados produzidos.

5 – Identificar, isolar e neutralizar as ações das Organizações Não Governamentais comprometidas com interesses internacionais que conflitem com os nacionais.

6 – Rever a atuação da FUNAI, direcionando e adequando suas ações para os reais interesses dos índios e do Brasil.

7 – Planejar, executar e fiscalizar o aproveitamento racional dos recursos naturais da região, a saber: água, minérios, fármacos, madeira, agricultura, extrativismo.

8 – Estabelecer condições para o envolvimento da iniciativa privada em projetos e programas de interesse para a Amazônia.

9 –  Perseguir sempre a adequação dos estudos, discussão, elaboração e execução dos Planos, Programas e Projetos à realidade e peculiaridades da área para não incorrer nos erros do passado.

CONCLUSÃO

Há sérios desafios a vencer para levarmos avante o processo de humanização e desenvolvimento da Amazônia, particularmente no que diz respeito à defesa dos sistemas ecológicos naturais e à incorporação de técnicas agrícolas adequadas aos trópicos úmidos.

Isto, entretanto, não pode servir de empecilho para a utilização racional da região.  Manter a Amazônia intocada, qual um santuário da natureza, é um absurdo que somente pode povoar a imaginação de sonhadores ou de quem não tem compromisso com o futuro de nosso País e de nosso povo.

E por fim concluo que:

1. os chamados “verdes” ou ambientalistas estão falando mais do que os cientistas;

2. devemos evitar os extremos; os ecologistas ingênuos e os xenófobos (que não admitem opiniões sensatas do exterior);

3. não se deve contrapor, em termos ideológicos, desenvolvimento e ecologia, pois a pior cegueira tem sido a ideológica que não deixa o homem pensar;

4. certas afirmações sobre a Amazônia (e a natureza, em geral) poderão dar boa poesia, mas não boa ciência;

5. a questão da Amazônia é, portanto, sobretudo ética.  A ética é a base de toda regra de convivência racional e consciente.  O conhecimento, a pesquisa, o desenvolvimento de tecnologias específicas são fundamentais, mas só poderão ser úteis – no sentido da preservação da cultura e do ecossistema – se presididos por esse tipo de sentimento e de compromisso;

6. Nesse ponto, é preciso deixar bem claro uma coisa: de modo algum nosso País abrirá mão de sua soberania, historicamente reconhecida, sobre seu território amazônico.  Internacionalizar, no sentido de desnacionalizar, é projeto que pode ser, desde já, excluído de qualquer agenda de discussões.