A Aplicação do Artigo 475-J do CPC no Processo Trabalhista

31 de agosto de 2011

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A Consolidação das Leis do Trabalho prevê, em seu art. 769, a aplicação subsidiária da norma processual civil no Processo do Trabalho quando houver omissão da legislação sobre o tema e compatibilidade das normas.

O art. 475-J do Código de Processo Civil (CPC) foi introduzido no ordenamento jurídico com o advento da Lei 11.232/2005. Tal dispositivo legal é proveniente do Pacto de Estado em favor de um Poder Judiciário mais rápido e republicano, celebrado no Congresso Nacional, e tem como objetivo imprimir efetividade na condenação, de sorte a impulsionar o cumprimento espontâneo do devedor.

A natureza jurídica dessa multa não é tratada de forma pacífica entre os doutrinadores, tendo as principais linhas de pensamento lhe atribuído a natureza de coerção pecuniária para cumprimento da obrigação e de sanção pecuniária pelo não cumprimento espontâneo do pagamento.

Antes, porém, de tecer comentários acerca da matéria, é preciso ressaltar que, quando a CLT foi editada, em 1943, vigia o CPC de 1939 e a execução fiscal era regida pelo Decreto-lei no 960/1938. Pelo conteúdo apresentado em tais regramentos, infere-se que a lei trabalhista sempre esteve em vantagem em relação às demais, por apresentar preceitos mais avançados e simplificados. Isso explica a precaução do legislador celetista quanto à aplicação do Código de Processo Civil e da Lei de Execuções Fiscais (LEF), ex vi os arts. 769 e 889.

Hodiernamente, no entanto, o quadro está se invertendo. As mudanças processualmente ocorridas foram significativas. O CPC, que antes da reforma de 2005 previa a execução como um processo autônomo em face do de conhecimento, passou a reunir, num único processo, as fases de conhecimento e execução, e foi além da CLT, ao aplicar a multa do art. 475-J. Sem esquecer, contudo, que a unificação dos procedimentos sempre foi um dos primados da regra celetária.

Se antes o Código de Processo Civil apresentava retrocesso quando comparado com o estatuto celetista, hoje é a CLT que registra regressões em face das atualizações previstas no CPC.

A discussão a respeito da aplicação do art. 475-J do CPC no âmbito trabalhista divide os estudiosos. Enquanto uma parcela de juristas entende ser inaplicável o emprego desse dispositivo, a outra parcela defende a sua aplicabilidade sob o argumento de promover celeridade processual na execução trabalhista.

Corrente contrária à aplicação do art. 475-J

O entendimento dissonante à possibilidade de transportar o art. 475-J do CPC para o Processo do Trabalho fundamenta-se nos critérios enraizados no art. 769 da CLT. Neste comando legal, há permissão de adoção subsidiária às normas do processual civil, desde que: a) a CLT seja omissa quanto à matéria; b) a norma do CPC não apresente incompatibilidade com a letra ou com o espírito do Processo do Trabalho.

Para essa linha de pensamento, a incidência da multa do art. 475-J sobre o processo trabalhista ensejaria afronta ao art. 880 e seguintes da CLT. Argumenta-se que o estatuto celetista dispõe de regramento próprio sobre a matéria, sendo a sistemática do processo comum incompatível com a existente na seara laboral.

A CLT prevê, em seu art. 880, o prazo de 48 horas para o executado pagar a dívida ou garantir a execução, ao passo que o dispositivo do CPC prevê o prazo de 15 dias. Dentre os defensores dessa corrente, encontra-se o douto Manoel Antonio Teixeira Filho[1] e a jurisprudência dominante do Colendo TST, verbis:

“Para que se possa cogitar da compatibilidade, ou não, de norma do Processo Civil com a do Trabalho, é absolutamente necessário, ex vi legis, que antes disso, se verifique se a CLT se revela omissa a respeito da material. Inexistindo omissão, nenhum intérprete estará autorizado a perquirir sobre a mencionada compatibilidade. Aquela constitui, portanto, pressuposto fundamental desta.”

MULTA DO ART. 475-J DO CPC. INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO. REGRA PRÓPRIA COM PRAZO REDUZIDO. Medida coercitiva no Processo do Trabalho diferenciada do Processo Civil. O art. 475-J do CPC determina que o devedor que, no prazo de quinze dias, não tiver efetuado o pagamento da dívida, tenha acrescida multa de 10% sobre o valor da execução e, a requerimento do credor, mandado de penhora e avaliação. A aplicação de norma processual extravagante, no Processo do Trabalho, está subordinada à omissão no texto da consolidação. Nos incidentes da execução o art. 889 da CLT, remete à Lei dos executivos fiscais, com fonte subsidiária. Persistindo a omissão, o Direito Processual comum é, como quer o art. 769, o Processo Civil como fonte subsidiária por excelência. Não há omissão no art. 880 da CLT a autorizar a aplicação subsidiária. Nesse sentido, a jurisprudência da c. SDI se firmou, no julgamento dos leading case E-RR- 38300-47.2005.5.01.0052 (relator ministro Brito Pereira) e E-RR- 1568700-64.2006.5.09.0002 (relator ministro Aloysio Corrêa da Veiga), julgado em 29/06/2010). Recurso de embargos conhecido e provido no tema, para afastar a multa do art. 475-J do CPC. (TST; E-RR 94600-04.2007.5.19.0005; rel. min. Aloysio Corrêa da Veiga; 17/12/2010).

Corrente favorável à aplicação do art.475-J do CPC

Por sua vez, a corrente favorável à aplicação do art. 475-J no âmbito trabalhista encontra nos princípios que regem a execução trabalhista o sustentáculo para aplicação do dispositivo processual, quais sejam: ausência de autonomia da execução em face do processo de conhecimento; lacuna de efetividade da legislação trabalhista; celeridade, efetividade e acesso real do trabalhador à Justiça do Trabalho e interpretação sistemática dos arts. 652, “d”, e 832, § 1o, ambos da CLT.

Afirma-se que a multa de 10% na execução é empregada no Direito do Trabalho, pois há omissão na CLT (quanto à multa) e compatibilidade com o Processo do Trabalho, ao se buscar aferir crédito trabalhista de caráter eminentemente alimentar. Consideram-se aí os postulados axiológicos – ou finalidades sociais à luz do art. 5o – da LINDB.

Há quem defenda a tese de que ou se aplica integralmente o art. 475-J ou não se aplica nada. A grande maioria dos julgados, no entanto, aplica subsidiariamente o CPC tão somente em relação à multa de 10 %, deixando incólume o prazo celetista de 48h.

Aplica-se ao caso o Enunciado no 71 da Primeira Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, verbis:

“Art. 475-J do CPC. Aplicação no Processo do Trabalho.

A aplicação subsidiária do art. 475-J do CPC atende às garantias constitucionais da razoável duração do processo, efetividade e celeridade, tendo, portanto, pleno cabimento na execução trabalhista”.

Nesse sentido, a valiosa doutrina de Mauro Schiavi[2] sobre o tema:

“O Juiz do Trabalho poderá, no dispositivo da sentença, fixar multa pecuniária para o cumprimento da obrigação de pagar. Não dispondo a CLT sobre o percentual da multa, o Juiz do Trabalho deverá se valer do percentual fixado no art. 475-J do CPC.

Em que pese o respeito que merecem os entendimentos em contrário, não há incompatibilidade da fixação de multa pecuniária para o cumprimento espontâneo da execução pelo devedor que antecede o próprio início da execução trabalhista, vale dizer: o cumprimento da sentença e a fixação da multa pelo seu inadimplemento antecedem o início da execução trabalhista e a aplica­bilidade dos arts. 880 e seguintes da CLT.

O que foi dito acima não significa desconsiderar o Processo do Trabalho ou dizer que a CLT está ultrapassada ou revogada, mas reconhecer que o Processo do Trabalho deve ser um instrumento efetivo de distribuição de justiça e pacificação do conflito trabalhista, dando a cada um o que é seu por Direito. Sendo assim, pensamos que o art. 475-J do CPC e a sua consequente multa devam ser aplicados ao Direito Processual do Trabalho.”

Antes de se colocar em xeque a aplicação, ou não, de tal dispositivo, devem-se voltar os olhos para o jurisdicionado, que em sua grande maioria tem um crédito alimentar inadiável, não podendo ficar à mercê da literalidade do estatuto celetista.

O emprego subsidiário do estatuto processual civil encontra relevância inequívoca no caso em análise, pois ao mesmo tempo em que que melhora a efetividade da prestação jurisdicional trabalhista, atende aos princípios da celeridade e duração razoável do processo, axiomas elevados ao rol de direitos fundamentais na Carta Magna.

Ou a CLT se submete urgentemente a uma reforma, sob pena de ser aplicada subsidiariamente ao CPC, ou deverá acompanhar a modernidade instituída pelo CPC.

A matéria ganhou tamanha proporção que houve tramitação na Câmara dos Deputados dos Projetos de Lei nos 1.503/2007 e 1.957/2007 – atualmente arquivados – com o propósito de acrescentar parágrafo único ao art. 769 da CLT, verbis:

“Art. 769 (omissis)

Parágrafo único: O Direito Processual comum também poderá ser utilizado no Processo do Trabalho, inclusive na fase recursal ou de execução, naquilo em que permitir maior celeridade ou efetividade de jurisdição, ainda que existente norma previamente estabelecida em sentido contrário”.

Momento de aplicação do art. 475-J

Outra questão a ser levantada diz respeito ao momento de aplicação da multa do art. 475-J. Mais uma vez, nos deparamos com vozes dissonantes sobre o tema. Para alguns, a referida norma deverá ser aplicada somente na execução definitiva e para outros, a aplicação é cabível também na execução provisória.

Entende-se por execução definitiva a que se funda em sentença já transitada em julgado ou em título executivo extrajudicial. Por sua vez, será provisória a execução que se fundar em decisão não transitada em julgado, uma vez impugnada por recurso recebido no efeito devolutivo, que é a natureza normal dos recursos trabalhistas.

Dentre os argumentos contrários à execução provisória trabalhista, destacam-se: a) possibilidade de modificação da decisão; b) onerosidade excessiva; c) violação do devido processo legal.

O Superior Tribunal de Justiça, discorrendo sobre a matéria, decidiu, por maioria, pela inaplicabilidade do art. 475-J do CPC em sede de execução provisória.

PROCESSUAL CIVIL. MULTA DO ART. 475-J. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE.

I. Ainda que a execução provisória se realize, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, na dicção do art. 475-O do CPC, é inaplicável a multa do art. 475-J, endereçada exclusivamente à segunda, haja vista que se exige, no último caso, o trânsito em julgado do pronunciamento condenatório, aqui não acontecido. II. Recurso especial conhecido e provido. STJ. RECURSO ESPECIAL No 979.922 – SP. RELATOR: MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR. 02/02/2010.

Segundo o posicionamento do STJ, a multa do art. 475-J é endereçada exclusivamente à execução definitiva, uma vez que se exige, para aplicá-la, o trânsito em julgado do pronunciamento condenatório.

O mestre Fredie Didier Jr[3] assinala:

“A norma inserta na primeira parte do caput do art.475-J visa a que o devedor cumpra, sem mais delongas, o comando judicial, de modo a impedir a incidência da multa; exige-se, pois, o pagamento, que remete à ideia de extinção da obrigação. O problema é que, uma vez provocado o reexame da matéria mediante a interposição de recurso, ainda que sem efeito suspensivo, a obrigação ainda não está revestida de certeza jurídica, não podendo funcionar a multa como instrumento para coagir o devedor a extingui-la, mediante o cumprimento voluntário da prestação pecuniária certificada na decisão exequenda. Ocorrendo pagamento, não há como subsistir o recurso interposto. É forçosa a sua inadmissibilidade.”

Para os defensores da aplicação do art. 475-J na execução provisória, contudo, a sentença produz o efeito da exigibilidade independentemente do trânsito em julgado. Afirmam ser a exigibilidade da sentença trabalhista (líquida) imediata, uma vez que os recursos trabalhistas não possuem efeito suspensivo.

É o entendimento de Luciano Athayde Chaves[4]:

“Pode-se objetar que a aplicação da multa em execução provisória seja excessiva e gravosa ao devedor. Não penso assim. Há muito se clama por efetividade processual, mas esta jamais terá lugar enquanto a decisão de primeiro grau for apenas um ritual de passagem, pouco se podendo fazer até sua confirmação. Precisamos avançar numa interpretação conforme a Constituição que nos permita prestigiar as decisões judiciais, todas elas. Isso não somente reduzirá o número de recursos, mas elevará substancialmente a qualidade das tutelas jurisdicionais. A imposição da multa na execução provisória, além de necessária, não implica esvaziamento da execução, pois o art.475-O, nomeadamente seu § 2o, estabelece os limites de liberação de créditos sem caução, quadro que costumamos encontrar na jurisdição trabalhista.”

Compartilho do posicionamento firmado pelo STJ

Entendo não ser cabível a aplicação da multa do art. 475-J na execução provisória. A multa não poderá incidir sobre questões passíveis de discussão e reforma, sob pena de acarretar situação gravosa ao devedor. O aguardo no julgamento do recurso e o trânsito em julgado da decisão mostram-se mais irrepreensíveis ao caso.

Proponho que a matéria em debate seja analisada sob a ótica da interpretação sistemática, a ponto de, em havendo estatutos jurídicos mais avançados, com prestação jurisdicional correspondente às atuais exigências legais, estes sejam aplicados. O juiz pode utilizar todo o arcabouço de normas existentes nos diversos subsistemas processuais, desde que compatíveis, a fim de imprimir efetividade às normas jurídicas, ainda mais quando se tem em mente a natureza célere da Justiça do Trabalho.

Na prática, num processo permeado de recursos, o que não é incomum ocorrer, a aplicação da penalidade de 10% pode colher um litigante desavisado, não necessariamente recalcitrante, que, pela demora, tenha sido surpreendido com o trânsito em julgado da sentença. Isto porque, uma vez lançada na sentença a multa, será de cobrança obrigatória, mesmo diante de circunstância processual inserta em nossa atual miríade recursal que tenha levado o executado a retardar involuntariamente o cumprimento do julgado. Por outras palavras, ao ser condenado ao pagamento de direitos trabalhistas, o empregador, de antemão, já é penalizado com um acréscimo, sem dar qualquer motivo a tal pena.

Em síntese, reafirmo posicionamento no sentido de empregar a multa de 10%, do art.475-J, ao Processo do Trabalho na fase de execução definitiva. A discussão não se pauta pura e simplesmente na aplicação subsidiária de um dispositivo processual comum à justiça especializada. Vai além. Trata-se da possibilidade de, atendendo ao princípio da norma mais favorável, proteger o empregado, garantir uma execução mais célere e propiciar efetivamente a justiça.


[1] TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Processo do Trabalho. Embargos à execução ou impugnação à sentença? (A propósito do art. 475-J, do CPC) in: Revista LTR 70-1180.

[2] SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 3a. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 920.

[3] DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 5. Bahia: Ed. Jus Podvim, 2009, p. 522.

[4] CHAVES, Luciano Athayde.  Estudos de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009, p. 238.