A arma ainda é o voto consciente_Entrevista com Maurício Azedo, presidente da ABI

31 de agosto de 2007

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O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azêdo, afirma que os escândalos envolvendo autoridades, políticos, funcionários públicos, advogados e empresários “são sintomas de que estamos em um país doente”, e que “não há freio à corrupção porque não há punição daqueles que assaltam a coisa pública”. Segundo ele, “prevalece, no Brasil, o entendimento de que a coisa pública não é de ninguém, quando, ao contrário, ela merece respeito, pois pertence a todos, ao conjunto da sociedade”.

Maurício Azêdo alerta que é preciso uma vigilância permanente do voto para a reversão desse quadro. “Parlamentares ladrões, safados, que confessaram inclusive que se apropriaram de fortunas indevidas de forma ilícita, foram reeleitos pelo povo. O deputado mais votado no Brasil (Paulo Maluf) é um agente político sobre o qual pesam graves acusações de corrupção, e o povo de São Paulo continua a festejá-lo com uma votação de quase 800 mil votos”, desabafou.

Tribuna da imprensa – Como o senhor analisa a liberdade de imprensa no Brasil?
Maurício Azedo – Acho que nós vivemos um bom momento da liberdade de imprensa, porque temos uma Constituição democrática, que é respeitada. E, no que diz respeito às linhas gerais do exercício da atividade de imprensa e do jornalismo, nós temos ampla liberdade. É certo que esse clima é turvado pelas ocorrências, principalmente fora do principal eixo de produção jornalística do País, que é Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Nos municípios do interior e em capitais, temos um clima de restrição, de ameaças, inclusive de violências contra jornalistas, como se deu agora com a morte desse jornalista Luís Carlos Barbon, no interior de São Paulo.

E isso indica que é preciso uma vigilância mais intensa e uma militância mais vigorosa no sentido de que esse clima de liberdade e essas franquias que a Constituição assegura sejam respeitadas e adotadas não apenas nesses centros aos quais me referi, mas, principalmente, no interior. Por outro lado, também, além dessas ameaças, temos uma ação muito forte restritiva da liberdade de imprensa em alguns estados do País. Por exemplo, em Mato Grosso do Sul e no Acre, há denúncias de que o poder político, os governos dos estados, não só orientam o que vai ser publicado e divulgado nos meios de comunicação, jornal, rádio e televisão, através da produção de pautas, como exercem um poder muito grande no sentido da vedação de determinados assuntos.

Nós tivemos, ainda recentemente, o caso de uma denúncia, de uma convocação que se fez no Mato Grosso para apresentação dos termos de denúncia do Ministério Público contra três deputados estaduais. A entrevista coletiva foi convocada, vários veículos de comunicação compareceram, mas nenhum deles registrou uma linha sequer sobre a denúncia, que era uma denúncia responsável feita pelo Ministério Público. Então, temos esse quadro e, repito, precisamos ter vigilância, porque essas ameaças se tornam mais freqüentes, à medida que nos aproximamos de períodos eleitorais, em que os enfrentamentos políticos são mais ásperos.

TI – Como classificar essa idéia de regulamentar o tema por lei, pela ação de uma agência ou órgão específico?
MA – No caso do Conselho Federal de Jornalismo? Eu penso que essa é uma idéia que parte de um pressuposto errado, porque tenta equiparar o jornalismo a outras atividades regulamentadas, que têm conselhos federais e regionais, como medicina, química e outras categorias, que têm realmente de contar com um organismo de fiscalização permanente do exercício profissional. No entanto, a atividade dos jornalistas e do jornalismo se processa no campo das idéias. E, no campo das idéias, não deve haver limitação que possa conduzir à conclusão e à permissão de veiculação desta idéia e não da outra.

TI – Qual sua posição quanto à imposição do governo sobre horários de TV?
MA – Na verdade, eu não vejo como uma imposição do governo. Vejo como uma necessidade ditada pela Constituição, e pela necessidade de proteger, sobretudo, a infância e a adolescência contra transbordamentos que as emissoras de televisão possam exercer. São horários indicativos que as empresas podem ou não respeitar, mas uma medida necessária, porque as concessões de rádio e televisão são algo emanado do poder público. Então, não podem esses veículos ser administrados como uma coisa particular. São extensões do poder público que as empresas concessionárias exercem e têm que respeitar determinadas normas em benefício do conjunto da sociedade e, principalmente, da formação da infância e da adolescência.

TI – Qual o balanço que o senhor faz do governo Lula?
MA – Faço um balanço positivo, a começar pelo julgamento que ele sofreu nas urnas e que foi aprovado por 62% dos eleitores. Como cidadão, eu vejo alguns pontos preocupantes, como essas idéias de reforma da Previdência, reforma da legislação trabalhista, da legislação sindical, que são propostas que contêm sempre elementos de restrição continuada dos direitos dos trabalhadores e dos assalariados. Eu penso que, nesse ponto, o governo Lula não estabelece grande diferença em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso, que foi um governo nefasto do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores e dos assalariados.

TI – Quais as disparidades brasileiras nas áreas social e econômica?
MA – Acho que a grande disparidade brasileira é a falta de oportunidade de trabalho e de remuneração a grandes segmentos da população. Essa é uma limitação grave, que representa a marginalização e o lançamento na miséria de dezenas e dezenas de milhões de brasileiros. E constitui, essa falha, uma fonte alimentadora da violência, porque não se oferece aos jovens entre 16 e 24 anos a oportunidade de trabalho e de ajudar no sustento de suas casas, de suas famílias, tornando-os presa fácil dos dinheiros oferecidos pelos traficantes e outros grupos criminosos.

TI – Como analisar essa série de escândalos envolvendo parlamentares e autoridades em geral, principalmente do Poder Judiciário?
MA – São sintomas de que estamos em um país doente. E não há freio à corrupção porque não há punição daqueles que assaltam a coisa pública. Prevalece, no Brasil, o entendimento de que a coisa pública não é de ninguém, quando, ao contrário, ela merece mais respeito, porque pertence a todos, ao conjunto da sociedade. E as agressões que são cometidas contra a coisa pública devem ter uma punição vigorosa, da qual a gente não tem notícia. À exceção do caso do juiz Nicolau (Nicolau dos Santos Neto, presidente do Tribunal Regional de São Paulo, condenado por superfaturar as obras do prédio do tribunal), não temos notícia de um pequeno ou de um grande ladrão da coisa pública que esteja privado da liberdade e tenha sido punido pelo dano que causou à economia pública.

TI – E a imagem do Congresso Nacional diante de tantos escândalos?
MA – Acho que fica sempre muito afetada, muito prejudicada, porque transmite a impressão de que o Congresso se constitui um ajuntamento de meliantes de variada natureza, o que não é verdade. No Congresso há a grande maioria de homens probos, de homens que trabalham dia e noite no seu mister legislativo, e esses maus parlamentares transmitem para o conjunto da sociedade a idéia de que o Congresso está infestado de ladrões, de oportunistas, de aproveitadores, o que não é verdade.

TI – Como o senhor vê a questão do crime organizado no País?
MA – Acho que essa é uma questão muito difícil de enfrentar. Não vejo solução a curto prazo, tanto no âmbito nacional quanto no âmbito local do Rio de Janeiro, porque não se aplica, nessa área, os recursos que seriam necessários, e não há uma política nacional e no âmbito de cada região que contemple com uma perspectiva de eficácia a ações para contenção da criminalidade. Os grupos do crime organizado, em alguns estados e algumas áreas, são protegidos pelo próprio poder público.

Aqui na Cidade do Rio de Janeiro temos a aberração da principal festa popular (carnaval) ser administrada pela entidade dos contraventores e de agentes que têm ligação com outro tipo de criminalidade. Ora, se uma cidade como o Rio de Janeiro confere padrão de respeitabilidade à pessoa que age à margem da lei, nós vemos que há um estímulo ao crime organizado, uma condescendência inadmissível, e se desenha uma impossibilidade de contenção dos crimes que esses grupos patrocinam.

TI – E a violência, de maneira geral, principalmente no Rio de Janeiro?
MA – Essa é a questão básica que decorre da existência do crime organizado. Nós temos umas políticas de enfrentamento da criminalidade inadequadas, e a ABI promoveu, por iniciativa de seu conselheiro Leny Novaes de Araújo – que teve um filho morto por uma chamada impropriamente de “bala perdida” –, um debate em torno do tema “Rio Unido Contra o Crime”, e trouxe para debater a questão o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, e o secretário Nacional de Justiça, Antônio Carlos Biscaia, que mostraram a ineficácia das ações e dos planejamentos feitos pelas autoridades, não só no Rio de Janeiro mas também em outros pontos do País.

Essa idéia de que o Rio “trava uma guerra contra o crime”, que foi exposta com muita clareza pelo presidente da OAB-RJ, é inapropriada, porque guerra pressupõe a morte, principalmente de inocentes. E é o que está ocorrendo no Rio de Janeiro em decorrência dessa política de enfrentamento, que é ineficaz. O secretário de Segurança Pública do Rio (José Mariano Beltrame) está defendendo essas tentativas de invasão, por exemplo, do complexo do Alemão, e isso não vai conduzir a resultados eficazes no sentido da contenção da criminalidade, e vai gerar vítimas dos dois lados, entre a população, os policiais e os traficantes, que precisam ser presos e não mortos em tiroteios.

TI – Qual sua posição sobre a Lei da Anistia que veio em plena ditadura, em 1979, e de reconhecidos torturadores não pagarem pelos crimes que cometeram e ainda são homenageados?
MA – Acho essa uma anomalia da vida nacional, que perdoa quem cometeu crimes inenarráveis, com extremada violência e crueldade. Mas eu penso que, ao contrário do que ocorreu e está ocorrendo na Argentina, após a posse do presidente Néstor Kirchner, acho que, no Brasil, não há condições políticas, não há forças sociais e políticas capazes de modificar o sentido da anistia concedida em 1979, que favoreceu, inclusive, os torturadores, permitindo que muitos deles sejam destinatários de homenagens indevidas.

TI – Qual a necessidade da reabertura do debate sobre a tortura?
MA – Creio que não há necessidade da reabertura de debate sobre a tortura. O que acho é que deve haver uma ação militante da sociedade, através de suas instituições representativas, contra todas as formas de tortura, que não se limitam a imposição de suplícios físicos às pessoas, mas também a tratamentos que estão desde há muito a merecer uma retificação.

Por exemplo, a situação dos presídios no País constitui uma fonte permanente de tortura. As pessoas que estão lá, com grau variado de gravidade de seus crimes por aí, enfrentam situações que não se atribuem nem a bichos, nem a animais. Então, eu penso que não se trata da reabertura do debate sobre a tortura, mas de uma tomada permanente de posição contra a tortura, com as variadas formas que ela assume nos dias em que nós vivemos.

TI – O Brasil é o único País do continente que não está revendo a Lei da Anistia. Não deveria seguir o exemplo do Chile, no caso do ex-ditador Augusto Pinochet?
MA – Cada país é um país. Eu entendo que, no Brasil, não há condições políticas, e não há forças políticas e sociais com poder suficiente para reverter esse quadro que foi fixado há quase 30 anos. Ao contrário do que ocorreu no Chile e na Argentina, onde a barbaridade chegou a um ponto que o conjunto da sociedade – após a redemocratização desses países – estabeleceu como uma exigência natural da posse de governos democráticos a cassação da impunidade com que foram contemplados os torturadores. Aqui, no Brasil, não há condições, na minha visão, de se reverter esse quadro, porque o conjunto da sociedade, a maioria do povo, está distante dessa questão, que só pode se tornar realidade com a revisão dessa legislação, caso se constitua uma idéia com força. E a idéia com força precisa ter povo, gente atrás, o que não ocorre no Brasil, no momento.

TI – Como analisar os direitos humanos no País?
MA – Volto à questão de que os direitos humanos têm uma forma variada. Nos anos 60, 70 e 80, nós tínhamos uma militância no campo da defesa dos direitos humanos muito voltada para a defesa da integridade e da vida dos militantes políticos que eram torturados e tratados com extrema violência pela ditadura militar. Hoje, exige-se nova forma de conceituação da questão, porque os direitos humanos têm uma largueza que se manifesta no dia a dia, como nesse exemplo que mencionei na situação dos presídios, no abandono dos jovens sem oportunidade de emprego. Também a situação dos hospitais públicos, que são instâncias calamitosas a que o povo recorre com esperanças que não são concretizadas. Enfim, os direitos humanos hoje têm uma diversidade e se confundem muito com os direitos sociais que são negados e sonegados à grande massa da população brasileira.

TI – Qual seu alerta contra a impunidade, a corrupção e a falta de ética no País?
MA – Acho que o povo deve estar atento a isso e utilizar o elemento periódico que tem de intervenção nessa questão, que é o voto. Parlamentares ladrões, safados, que confessaram a apropriação de fortunas indevidas de forma ilícita e que foram reeleitos pelo povo. O deputado (federal) mais votado no Brasil é Paulo Maluf. Ele é um agente político sobre o qual pesam graves acusações de corrupção, e o povo de São Paulo continua a festejá-lo com uma votação de quase 800 mil votos.

Então, para a reversão desse quadro, é preciso uma vigilância permanente do voto, e o povo precisa ser educado a usar de melhor forma seu voto. Há um lema antigo que dizia que “o voto é a arma do cidadão”, e ele continua a manter a atualidade. O povo deve utilizar o seu voto contra os corruptos, contra os safados, contra aqueles que não vão transformar o mandato em uma forma de servir à sociedade, e sim uma forma de obter ganhos indevidos.

Publicado no Tribuna da Imprensa em 11/06/2007.