A armadilha retórica da simplificação perseguida a qualquer custo

22 de junho de 2021

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As três principais propostas de reforma tributária têm uma bandeira muito clara: a busca pela simplicidade.

Há uma percepção geral, muito enraizada no discurso dos supostos “Impulsionadores” de que o sistema tributário é demasiadamente complexo – tanto que se torna irracional, um verdadeiro “manicômio jurídico”.

De fato, segundo o relatório Doing Business, publicado anualmente pelo Banco Mundial, uma hipotética empresa brasileira de médio porte (fabricante de vasos de cerâmica, LTDA., exclusivamente dedicada ao mercado nacional) consumiu em média 1.501 horas em 2020 para declarar e pagar IR, VAT (ICMS) e tributos incidentes sobre o trabalho (IRRF, contribuições previdenciárias e sociais). A média entre os países da OCDE é inferior a 159 horas.

Não há dúvidas de que a complexidade excessiva é deletéria para o sistema. Cria obstáculos artificiais à eficiência alocativa do mercado, aumenta a deadweight loss e permite que os contribuintes bem assessorados (leia-se, com alto poder econômico) manobrem os chamados loopholes para reduzir a carga tributária das operações, enquanto os que não têm acesso a profissionais sofisticados pagam o tributo cheio – o que Klaus Tipke chamou de “imposto para tolos”.

Mas, a busca incessante pela simplicidade, como mera oposição automática e irrefletida à complexidade desmedida, pode esconder uma “armadilha retórica” muito perigosa. O fato desta última, como já dito, ser deletéria para o sistema, não significa que a sua antítese seja benéfica.

A simplicidade e a complexidade não são objetivos do sistema tributário. Como alerta Samuel Donaldson, “não há uma virtude inerente na simplicidade”. São atributos que se justificam na medida em que – e apenas nessa extensão – promovam equidade e eficiência arrecadatória. Por isso Donaldson lembra que “a complexidade é, antes de tudo, um meio para um fim”.

Como a busca pela equidade exige uma maior individualização da carga fiscal e, consequentemente, uma discriminação mais precisa e pormenorizada das situações a serem alcançadas pela tributação progressiva, um sistema justo será, fatalmente e em boa medida, complexo. Em termos de arquitetura do sistema tributário, a complexidade é o preço a ser pago para a promoção da equidade.

E mais, a utilização de regras antielisivas para combater planejamentos agressivos, evasão e elisão tributárias, erosão das bases, tudo em prol da equidade e da eficiência arrecadatória, também induz à complexidade. A própria precisão técnica da legislação, necessária para assegurar a racionalidade científica ao sistema, carrega consigo certo grau de complexidade. Ou seja, a complexidade também é um custo da promoção da eficiência arrecadatória.

Além disso, o Direito, como ciência social, acompanha a realidade. Com a globalização, a diversificação das relações comerciais e de trabalho, o crescimento exponencial das atividades digitais, etc., o fenômeno tributário está se tornando inevitavelmente mais complexo a reboque da própria economia. Não foi por outra razão que Carlos Maximiliano, nos idos dos anos 1990, já acenava para ideia de que “não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica. (…) As mudanças econômicas e sociais constituem o fundo e a razão de ser de toda a evolução jurídica; e o Direito é feito para traduzir em disposições positivas e imperativas toda a evolução social”.

Por isso, a simplificação do sistema não deve ser perseguida como um fim em si mesmo, uma espécie de olimpo, tal como o fazem os reformistas.

A questão sensível que se apresenta é: qual é o ponto ótimo da complexidade? Em que medida a complexidade é necessária, ou mesmo desejável, para a promoção da equidade e da eficiência arrecadatória?

A Análise Econômica do Direito (AED) pode ser um interessante instrumento para iluminar o direito tributário nessa análise.

Em razão da concreta aproximação entre as famílias da Civil Law e da Commom Law no sistema pátrio, vem crescendo no Brasil o estudo da denominada Análise Econômica do Direito, de origem anglo-saxônica, cujo berço foi a Escola de Chicago.

A AED é uma escola de pensamento que busca, mediante a aplicação de ferramentas da microeconomia, auxiliar e propor desenhos normativos mais eficientes para que valores e direitos socialmente desejados sejam alcançados. Uma espécie de ponderação de princípios, valores e normas, incrementada por dados empíricos e noções de contextualismo e consequencialismo.

O Professor Ivo Gico Jr. costuma dizer que a AED tem o foco na floresta, e não na árvore, na medida em que procura empreender uma análise sistêmica dos institutos e a repercussão desta na vida prática.

Muito diferente de uma inovação ou mesmo de um devaneio, essa escola de pensamento é apenas mais uma ferramenta à disposição dos operadores e intérpretes do Direito para a construção do raciocínio jurídico e para a solução das controvérsias . Trata-se indiscutivelmente, ao nosso ver, de um dos vetores do futuro.

O mote da AED é, em linhas gerais, a busca incessante pela eficiência, sempre que possível reduzindo os denominados custos de transação. Mas isso não significa dizer que os adeptos dessa escola ignorem o Direito, a ratio essendi dos institutos, tampouco os objetivos almejados pelo legislador. Muito pelo contrário, essa busca pela eficiência encontra limites intransponíveis, por exemplo, nos direitos fundamentais e princípios estruturantes do sistema.

Portanto, à luz da AED, o Estado deve, sim, perseguir com afinco a eficiência do sistema tributário, reduzindo os custos de transação que lhe são inerentes, sem, contudo, fechar os olhos para os objetivos desse mesmo sistema, dentre os quais destaca-se a promoção da equidade, que necessariamente exige certo grau de complexidade.

Abordando debate estruturalmente análogo – atinente ao formalismo no Judiciário – Cass R. Sunstein concluiu no texto “Must Formalism Be Defended Empirically?”, que a solução está em um “continuum”, ou seja, em uma gradação, jamais nos extremos.

Segundo o autor, para que saibamos se o “formalismo” é desejável, devemo-nos indagar “se um Judiciário não formalista levará a erros e injustiças” e (b) “se a legislação antecipará possíveis erros e injustiças, corrigindo-os quando ocorrerem, com um custo relativamente baixo”.

Em suma, no desiderato da eficiência pretendida pelo legislador, a AED sugere que o debate a respeito das reformas tributárias merece verdadeiro giro metodológico para que outros pilares do sistema tributário sejam analisados não só com os olhos da “simplificação”.

É preciso abandonar a ideia – que movimentou as propostas de reforma tributária que estão na pauta – de que a busca contínua pela simplificação desaguará, como mágica, na eficiência para começar a avaliar qual é a dimensão de complexidade necessária para a promoção dos objetivos do sistema, especialmente da equidade.

Essa nova perspectiva, com a digital da AED, possibilitará que as reformas encontrem um ponto ótimo da complexidade – que, de um lado, permita a redução dos custos de transação relacionados à tributação, mas de outro, garanta a equidade do sistema e a eficiência arrecadatória.