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A arte de sempre ter razão

31 de agosto de 2006

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Em 1830, o filósofo alemão Schopenhauer escreveu um livrinho intitulado “Dialética erística”, também conhecido pelo título muito mais expressivo de “A arte de sempre ter razão”.

Nele, Schopenhauer expõe 38 estratagemas que se usam em discussões para evitar a busca da verdade e suplantar o adversário ilicitamente. O autor informa que a inspiração para expô-los nasceu do caráter essencialmente desonesto do ser humano.

Entre os macetes descritos por Schopenhauer para tomar a dianteira num debate de outro modo perdido reconhecem-se diversos daqueles que têm sido empregados por mensaleiros, sanguessugas, gabirus e outros animais políticos de extração similar. Notadamente agora, quando se aproximam as eleições e a turma busca proteger-se da Justiça por meio de um mandato parlamentar.

Ao longo da crise do mensalão, observou-se o florescimento do estratagema número 9 de Schopenhauer, associado à estratégia de mentir desbragadamente.

O expediente 9 consiste no seguinte: expor as questões em ordem diferente daquela que a dedução correta exigiria.

Assim, indivíduos apanhados retirando dinheiro vivo da boca do caixa passaram a afirmar que o fato era irrelevante, e que o que importava era a destinação da grana, a qual, afirmavam eles, teria sido eleitoral.

Ora, não importa qual destinação se dê a dinheiro de propina (como era o dinheiro do valerioduto). Não interessa se foi usada para financiar jogatina, pagar pelos serviços de garotos de programa ou ressarcir fornecedores de camisetas eleitorais. Propina, ela continua a ser.

Mais ainda, é impossível determinar a veracidade da afirmação de que o numerário recebido teria sido usado para pagar as tais camisetas (ou o que fosse), e não garotas de programa ou glebas em Mato Grosso registradas no nome de algum testa-de-ferro.

Não obstante as evidentes falácias de toda a argumentação mensaleira, conseguiram eles, em sua quase totalidade, escapar aos processos de cassação a que foram submetidos na Câmara dos Deputados. O Plenário absolveu quase todos.

Não obstante a quantidade verdadeiramente esmagadora de provas de que tomaram propina, seus partidos os acolheram em suas chapas para as eleições deste ano. Foram tratados da mesma forma que dezenas de outros implicados em crimes diversos – os partidos deram-lhes abrigo em suas chapas.

Os partidos políticos – da situação, da oposição e do “muro” – funcionam como guarda-chuvas criminais. Há em quase todos os partidos uma profusão de candidatos acusados de crimes que vão da improbidade administrativa à apropriação indébita, ao peculato, ao contrabando, ao tráfico de drogas, uma verdadeira excursão ao longo do código penal.

Ao apresentar-se ao eleitor, essa gente parece aplicar o estratagema 8 de Schopenhauer, a saber, provocar o interlocutor a tal ponto de este, encolerizado, perder as palavras.

O eleitor pode não ter sequer como exprimir em palavras a sua indignação em relação a sanguessugas, mensaleiros e demais implicados em processos criminais.

O que eleitor pode fazer é muito mais eficaz do que ficar discutindo com gente desonesta – pode não votar neles, negando-lhes, assim, a saída fácil da proteção parlamentar contra a Justiça.

PS: Por aqui o livro de Schopenhauer foi editado pela Topbooks, mas mudaram ligeiramente o título para “Como vencer um debate sem precisar ter razão”. A justificativa do editor ao operar a transformação do título deve ter sido na linha da subestimação da inteligência do público, o qual, no Brasil, é sempre tratado como se fosse formado por débeis mentais para os quais tudo deve ser explicado até as últimas minúcias. Mas esse é outro assunto.