A autocomposição como forma de ampliar o acesso à Justiça

15 de julho de 2015

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Captura de Tela 2015-07-08 às 16.53.44É notório que vivemos um momento de massificação do processo judicial. Uma vez que todo tipo de conflito é levado para o Judiciário, torna-se necessário alcançar meios alternativos para buscar a desejada celeridade no sistema processual e conseguir desafogar os quase 100 milhões de processos em tramitação na justiça brasileira nos dias de hoje. 

Desde a Resolução no 125 do CNJ, é perceptível que o Judiciário tem estimulado outras formas para a solução de conflitos. Na mesma época em que surgiram essas novas diretrizes, ingressou no Senado o Projeto de Lei no 166/2010, que trata do Novo Código de Processo Civil. O Novo CPC, objeto de amplo debate no Congresso Nacional e sancionado em 16/3/2015 pela Presidência da República, acolheu os anseios do CNJ, ao estimular a “Cultura da Paz”, com destaque para a realização de audiência de Conciliação e Mediação antes do oferecimento da defesa do réu, como regra geral, na forma como dispõe o art. 334 da nova lei de ritos. 

Nessa mesma linha, aguarda sanção pela Presidente da República o Projeto de Lei no 7169/2014, já aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, o qual regula o instituto da Mediação, inclusive no âmbito da administração pública.

No entanto, é importante reconhecer que, para essa mudança cultural se tornar efetiva, será necessário disseminar o compromisso de resolver os conflitos que surgem nas relações cotidianas de maneira colaborativa, eficiente e sustentável, garantindo que sejam implementados incentivos claros à busca pela solução amigável. É um desafio de todos, razão pela qual é imprescindível promover movimento conjunto do meio jurídico, empresarial e da própria sociedade.

Já existem várias iniciativas nesse sentido, como os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais e Solução de Conflitos e Cidadania (Nupemec), os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) e o portal Consumidor.gov (www.consumidor.gov.br), todos eles estimulando a mediação com o consumidor. A plataforma digital criada pelo Governo Federal, por exemplo, tem como objetivo intermediar o contato direto do consumidor insatisfeito com as empresas prestadoras do serviço ou produto. A ferramenta tem-se mostrado muito positiva, pois promove a resolução rápida das reclamações em todo o País. Inclusive, nas Justiças gaúcha e paulista, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) firmou termo de cooperação técnica visando ao incentivo de uso do Consumidor.gov para a solução de litígios antes do ajuizamento de qualquer ação.

No Rio de Janeiro, também tivemos muitos avanços, principalmente com o atendimento do chamado “Expressinho”. O projeto surgiu com a necessidade de criar novos mecanismos para dar agilidade aos processos distribuídos aos Juizados Especiais Cíveis de ações contra as empresas com excessivo número de demandas. A medida faz com que o consumidor tenha sua pretensão reconhecida e resolvida em um só ato, ao celebrar acordo direto com o preposto da empresa reclamada no local, diante de um conciliador designado pelo Tribunal de Justiça.

A posição da doutrina evolui na nessa direção:

[…] os meios alternativos da solução de conflitos são ágeis, informais, céleres, sigilosos, econômicos e eficazes. Deles é constatado que: são facilmente provocados e, por isso, são ágeis; céleres porque rapidamente atingem a solução do conflito; sigilosos porque as manifestações das partes e sua solução são confidenciais; econômicos porque têm baixo custo; eficazes pela certeza da satisfação do conflito.

O mesmo ocorre com a jurisprudência:

Alegação do autor no sentido de que, há mais de um ano, vinha amargando cobranças a título de LIS e seguro. Afirmou não ter contratado tais serviços. Inicial que não contém número de protocolo de reclamação ou qualquer relato que demonstre que o autor tenha procurado a ré para reclamar das cobranças supostamente indevidas, o que leva a crer que, após o lapso de um ano, o autor optou por distribuir a presente demanda sem sequer questionar a regularidade das mesmas junto a demandada.

Ré/recorrente que, em contestação, afirma ter tomado conhecimento do problema trazido aos autos somente após o ajuizamento desta ação, não tendo o autor procurado nenhum dos canais de atendimento disponibilizados para a solução de conflitos. Ausência de pretensão resistida por parte da ré que se predispôs a restituir o valor cobrado e a cancelar o seguro questionado, levando a crer que a questão teria sido facilmente solucionada na seara administrativa.

Entendimento desta Turma no sentido de que somente há dano moral compensável se o consumidor demonstra ter procurado o fornecedor de serviços, efetuado sua reclamação, quedando-se o mesmo inerte. Necessidade, portanto, de demonstração, pelo cliente, que o réu foi procurado administrativamente e que o mesmo foi recalcitrante em providenciar a solução integral do problema. Na ausência de tal comprovação, forçosa a conclusão de que a questão permaneceu na seara do mero aborrecimento.

Nesse contexto, verifica-se que está cada vez mais disseminado o entendimento sobre todas as vantagens da autocomposição de litígios em face do processo judicial tradicional.

E, diante desse novo cenário, é que o Itaú Unibanco tem buscado oferecer solução rápida e eficaz ao cliente.

Investimos continuamente em aperfeiçoar a qualidade e a segurança de nossas operações, para alcançar níveis cada vez maiores de satisfação de clientes. Direcionamos nossos esforços para evitar o conflito, mas, processando diariamente milhões de transações bancárias, temos consciência de que falhas irão ocorrer. E apesar de serem em percentuais ínfimos, considerando o porte da instituição e o número de atendimentos que realizamos, atingem uma parcela importante de nossos clientes.

Hoje, 99,7% das demandas dos consumidores são solucionadas pelos canais administrativos do banco, sem envolver os órgãos externos (Procon e Bacen) e Judiciário. Isso só reforça nosso compromisso em resolver de maneira eficaz qualquer reclamação ou insatisfação e mostra a competência dos nossos canais internos de atendimento aos clientes.

Há de se privilegiar, portanto, os meios alternativos colocados à disposição da sociedade para a autocomposição de litígios, a fim de evitar que o Poder Judiciário seja, simplesmente, o primeiro e único caminho para a solução de conflitos e que seja visto por alguns intermediários como um mero meio de aposta para o enriquecimento a qualquer custo.

É de extrema importância que a conduta conciliatória de autor e réu seja considerada no momento em que se avalia a ocorrência do dano moral ou se apura o quantum indenizatório, como ocorreu, por exemplo, no julgamento acima relatado.

De acordo com o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, “Precisamos abandonar a cultura da litigiosidade e inaugurar uma cultura da paz, pois é disso que o Brasil precisa”.

Acreditamos que adotar mecanismos alternativos tem papel fundamental na desobstrução do nosso sistema Judiciário e estamos preparados e capacitados para colaborar com isso. Nos países onde são utilizados esses meios, há uma taxa de êxito entre 70% e 80%. Se conseguirmos atingir esses números no Brasil, haverá uma redução drástica no volume de ações que tramitam no Poder Judiciário.

E nisso não estamos sozinhos. O inesquecível Professor Goffredo Telles Júnior já chamava a atenção, nos idos dos anos 1990, antes mesmo da criação do instituto da arbitragem no Brasil, para o fato de que “por muitos motivos, tenho a convicção de que os procedimentos alternativos, para a solução de conflitos, irão entrar na moda, tarde ou cedo”.

A sociedade deve recuperar a capacidade de diálogo. Não é racional movimentar a já tão assoberbada máquina do Judiciário para a solução de controvérsias que facilmente podem e devem ser resolvidas diretamente pelos próprios cidadãos e pelas empresas.

Com isso ganham todos – sociedade, consumidores, administração pública, jurisdicionados etc. –, amenizando-se a grande dependência que a sociedade atual tem da jurisdição estatal.

Notas___________________

1 Lei no 13.105/2015, art. 334.

2 Dispõe sobre a mediação entre particulares como o meio alternativo de solução de controvérsias e sobre a composição de conflitos no âmbito da Administração Pública; altera a Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2o do art. 6o da Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997.

3 CAETANO, Luiz Antunes. Arbitragem e mediação: rudimentos. São Paulo: Atlas, 2002.

4 Primeira Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis – Rio de Janeiro – Autos no 0004047-61.2014.8.19.0021.

5 Essa visão foi exposta pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, na abertura de seminário organizado pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) sobre o papel da mediação e da arbitragem no acesso e na agilização da Justiça – 20/11/2014. 

6 TELLES Jr., G. A folha dobrada: lembranças de um estudante. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. Capítulo 43.