Edição 294
A contribuição da arbitragem para a sustentabilidade do sistema jurídico
3 de fevereiro de 2025
Alexandre Gonçalves Advogado / Árbitro

A administração da Justiça no Brasil enfrenta desafios relacionados à sobrecarga de processos do Poder Judiciário. Nesse contexto, métodos adequados de resolução de diferenças, como arbitragem, mediação, conciliação e dispute boards ganham destaque e relevância. Tais mecanismos se apresentam como opções para promover a eficiência e sustentabilidade do sistema jurídico, temas que se entrelaçam com os princípios norteadores de ESG (Environmental, Social and Governance, na sigla em inglês) e da AED (Análise Econômica do Direito).
O atual cenário apresenta dois desafios para a Justiça brasileira: tornar-se mais eficiente e célere. O princípio da eficiência foi incluído no caput do artigo 37 da Constituição da República pela Emenda Constitucional no 19/1998. Já a urgência da celeridade foi reafirmada pela Emenda Constitucional no 45/2004, que promoveu a reforma do Poder Judiciário e acrescentou inciso ao artigo 5o para garantir a todos os cidadãos o direito fundamental a uma prestação jurisdicional tempestiva.
O inciso LXXVIII do artigo 5o da Constituição Federal dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A alteração reconheceu que o Estado democrático de direito não pode desamparar seus cidadãos em uma prestação jurisdicional que, ao retardar por tempo excessivo a solução dos processos, traz desequilíbrios à vida das pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas.
Por sua parte, o Código de Processo Civil afirma que as partes têm o direito de obter “em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” (artigo 4o); que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (artigo 6o); e que, ao “aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (artigo 8o).
O legislador foi omisso em estabelecer qual seria o prazo razoável para a duração dos processos, mas isso não pode servir de salvo-conduto para que eles se protraiam no tempo. Faz-se imprescindível encontrar um ponto de equilíbrio entre os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa com uma prestação jurisdicional diligente e capaz de atender à finalidade da justiça, qual seja, a pacificação social. Afinal, como assinalou o patrono do Direito nacional, Rui Barbosa, parafraseando o filósofo estoico Sêneca, “justiça tardia nada mais é do que injustiça qualificada e manifesta”.
Há ainda uma jurisprudência que nem sempre é estável e coerente, a provocar instabilidade jurídica, além de legislação processual dotada de profusão recursal sem paralelos no Direito comparado, ambígua e lacunosa, síntese possível da dialética entre os interesses e as ideologias que se opõem no Poder Legislativo desde a elaboração das primeiras constituições da República. Quadro que, não raras vezes, exige que o Poder Judiciário seja chamado a “legislar” e até a administrar conflitos políticos, por meio do uso intenso de liminares, antecipações de tutela ou outras versões da discricionariedade judicial.
Nesse contexto, adquirem relevo opções diversas àquelas encontradas nos tribunais para a resolução de disputas – as alternative dispute resolutions, ADRs – que são mecanismos voltados a solucionar as controvérsias da maneira mais rápida, eficiente e econômica possível, que levam em consideração que o propósito da justiça não pode ser apenas fazer incidir a vontade concreta da lei à controvérsia submetida à apreciação do Estado-Juiz, além de observar que “a celeridade é resultado inexorável da desmistificação dos processos” (HOFFMAN, 2006, p. 215).
O papel da arbitragem no auxílio ao Judiciário – Dentre as várias opções das ADRs, destaca-se a arbitragem, mas há amplo espectro de meios alternativos – ou dito adequados – que vão desde os menos formais, como a negociação e a conciliação, até os mais formais, como a mediação e os procedimentos híbridos med-arb. Cada qual, em seu segmento, desempenha papel estratégico para aliviar o Poder Judiciário, principalmente no que se refere às disputas que envolvem direitos disponíveis, como questões econômicas e contratuais.
No contexto brasileiro, o princípio da eficiência na Administração Pública, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, está vinculado ao direito fundamental à duração razoável do processo, conforme o já mencionado inciso LXXVIII do artigo 5o, conexão que impõe ao Judiciário a exigência de tornar-se mais eficiente e ágil. Ao incorporar ADRs como parte da estratégia de gestão processual, o Poder Judiciário não apenas reduz a carga, como também cumpre a missão enquanto “fonte emanadora de princípios jurisprudenciais”.
A utilização das ADRs permite que os esforços do Poder Judiciário se concentrem na tutela dos chamados direitos indisponíveis – vida, liberdade e dignidade – o que proporciona aos tribunais maior capacidade para atender prioritariamente as demandas de relevância social mais aguda e a proteção dos direitos fundamentais, à medida em que a resolução dos conflitos de natureza econômica é canalizada para vias extrajudiciais.
Ao evitar a sobrecarga do sistema judicial com disputas técnicas ou de menor relevância social, esses métodos promovem a sustentabilidade da Justiça. Indo além, ao introduzir a inovação tecnológica no campo da resolução de disputas, por meio da automatização de processos e prevenção de litígios, as ADRs contribuem ainda mais para a eficiência e a agilidade.
Em síntese, a ampliação do uso de ADRs no Brasil oferece resposta eficiente ao desafio constitucional de promover celeridade processual, ao mesmo tempo em que reforça o papel fundamental do Poder Judiciário na construção de sistema jurisprudencial robusto e eficiente. Tal eficiência, consagrada constitucionalmente como princípio jurídico, traz como desdobramento a “economia processual” que evita atos processuais desnecessários e mantém o foco na resolução dos litígios mais sensíveis e fundamentais à sociedade.
Para além de ferramentas eficientes para desafogar o Poder Judiciário, as ADRs também fazem parte do caminho de uma sociedade que pretende evoluir da litigiosidade para a cultura do diálogo. Os conflitos são inevitáveis na vida coletiva. A solução, porém, deve servir de aprendizado para preservação e solidificação das relações pessoais e profissionais. Como assinalou o filósofo Aristóteles em “Ética a Nicômaco”, a virtude consiste em encontrar o meio termo entre dois extremos. Como meio de solução que busca o meio termo, a arbitragem, portanto, poderá nos ajudar a nos tornarmos uma sociedade mais virtuosa.
O papel da arbitragem na ampliação do acesso à Justiça – O marco inicial da arbitragem no Brasil é a Lei no 9.307/1996, que desde a promulgação enfrentou uma série de desafios para firmar-se enquanto meio de solução de disputas – da arguição da pretensa inconstitucionalidade do texto original, indeferida pelo Supremo Tribunal Federal em 2001, à Lei no 13.129/2015, que ampliou seu escopo.
Hoje, diante de sua eficácia, presteza e flexibilidade, a arbitragem é prestigiada como nunca, tendo o Poder Judiciário – sobretudo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – contribuído significativamente para o desenvolvimento, com a garantia da segurança jurídica e da previsibilidade. O país vive momento de mudança de mentalidade com a consolidação de microssistema de solução extrajudicial de conflitos, ao qual soma-se a Lei da Mediação (Lei no 13.140/2015) e o Código de Processo Civil de 2015, além do ato da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação, que em 2018 estabeleceu a disciplina obrigatória das soluções extrajudiciais na grade curricular das faculdades de Direito.
É notório que o sistema judiciário estatal enfrenta uma crise devido ao número elevado de demandas pendentes. Segundo o relatório “Justiça em Números 2024”, havia 83,8 milhões de processos em trâmite em 2023. A pesquisa também apontou que a lentidão é agravada por sistema burocrático e volume excessivo de recursos judiciais. Como resultado, o tempo prolongado e os custos indiretos afetam tanto as partes quanto a sociedade, o que torna o processo judicial menos atraente, em um cenário que viola o direito a uma solução adequada e em tempo socialmente aceitável. O relatório conclui que, para solucionar conflitos de forma mais eficiente e de forma especializada, é preciso explorar outras opções.
Ao optar pela arbitragem, as partes usufruem de vantagens em comparação à jurisdição estatal, como a especialização dos julgadores, previsibilidade, sigilo e um procedimento flexível e menos formal – sur mesure – adaptado às necessidades das partes. A celeridade e previsibilidade da arbitragem resultam principalmente de três fatores: i) a possibilidade da escolha dos árbitros; ii) a definição das regras procedimentais pelas próprias partes ou, na ausência de acordo, pelos árbitros por elas indicados; e iii) o estabelecimento, de comum acordo, de prazo máximo para a prolação da sentença. Como consequência, o tempo médio de duração da arbitragem é significativamente menor que o do processo judicial.
Desde que sejam cumpridos os requisitos legais, a sentença arbitral é final, vinculante e obrigatória para as partes. Sendo final, a decisão não pode ter seu mérito analisado ou discutido pela jurisdição estatal ou outro órgão, salvo a declaração de nulidade nos casos previstos em lei.
Há outros dois fatores que contribuem para a fluidez dos procedimentos arbitrais: a maior disponibilidade dos árbitros, que lidam com menos demandas do que os juízes e, assim, podem se dedicar de forma mais pontual aos casos; e sua expertise, com a indicação de árbitros especializados em demandas técnicas, o que dispensa, em muitas situações, estudos prévios para a compreensão contextual das disputas.
O sigilo é outra vantagem na arbitragem, pois, ao contrário da indispensável publicidade dos atos no Judiciário, a confidencialidade permite a proteção das informações compartilhadas no procedimento, o core business das empresas e as estratégias de negócios, dentre outros aspectos, evitando possíveis perdas econômicas.
Vale ressaltar ainda que a criação de tribunais arbitrais contribui para estimular a economia do país, uma vez que não são mantidos pelos impostos da sociedade, mas pelos investimentos de entidades privadas. Além disso, a arbitragem reserva ao Poder Judiciário a resolução dos casos mais sensíveis e fundamentais para a sociedade, bem como amplia suas possibilidades de acesso.
Arbitragem e eficiência – A eficiência no campo jurídico tem suas raízes na ciência econômica, especialmente no âmbito da Análise Econômica do Direito, que orienta decisões com base em critérios de custo-benefício. Não se trata apenas de economia financeira, mas de análise pragmática sobre os recursos envolvidos e os atos necessários para atingir o resultado desejado. Nesse sentido, observa-se que a interrupção do conflito que caminha em direção ao litígio judicial, seja por meio da arbitragem ou de outras ADRs, pode implicar a perpetuação de empresas, mercados e relações, sejam elas comerciais ou trabalhistas. Nesse sentido, a resolução dos litígios deve buscar a eficiência econômica, a celeridade e a eficácia – imperativos da sociedade atual, à medida em que os cidadãos estão cada vez mais intolerantes em relação à morosidade e à inefetividade judicial.
A questão da eficiência surge frequentemente nos procedimentos arbitrais, sobretudo em relação à gestão processual, quando há a bifurcação do procedimento ou a necessidade de produção de provas, especialmente as periciais. Embora os procedimentos arbitrais sejam orientados a otimizar tempo e recursos, a eficiência deve coexistir com os princípios da ampla defesa, contraditório e devido processo legal. Dessa forma, atos essenciais para a conclusão de procedimento arbitral não podem ser ignorados, ainda que possam gerar custos adicionais. A eficiência precisa ser aplicada de forma equilibrada, com a análise do custo-benefício de cada ato procedimental. Na arbitragem, a eficiência deve ser entendida como prática eficaz de atos que evitem desnecessárias dilações de prazos e priorizem a resolução do conflito da forma mais direta possível. Afinal, o conceito de eficiência jurídica na arbitragem exige abordagem pragmática, orientada por evidências e análises empíricas.
Conclusão – As ADRs, entre elas a arbitragem, proporcionam maior eficiência, agilidade, flexibilidade e redução de custos, além de soluções mais adaptadas às necessidades específicas das partes. A utilização no Brasil é incentivada tanto pela legislação quanto pelo Poder Judiciário, por meio de iniciativas como a Resolução no 125 do Conselho Nacional de Justiça, que instituiu a Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses, o Código de Processo Civil de 2015, que incentiva métodos autocompositivos e heterocompositivos e a adesão do Brasil à Convenção das Nações Unidas sobre Acordos de Liquidação Internacional Resultantes da Mediação, conhecida como Convenção de Singapura, firmada em agosto de 2022.
A evolução da arbitragem no Brasil reflete de maneira clara benefícios amplamente reconhecidos pelos usuários desse mecanismo. Desde a promulgação da Lei de Arbitragem, em 1996, as câmaras de arbitragem têm registrado crescimento expressivo, o que demonstra aumento da confiança na eficácia deste método para a resolução de disputas. Essa trajetória de crescimento está diretamente ligada às diversas vantagens que a arbitragem oferece, como maior agilidade nos processos, especialização técnica dos árbitros e garantia de confidencialidade, fatores que tornam o método especialmente atraente, principalmente em disputas complexas.
Além das vantagens diretas para as partes envolvidas, a arbitragem traz impactos positivos para a sociedade em geral. A celeridade na resolução dos casos reduz a percepção de impunidade e de insegurança jurídica, o que favorece a criação de ambiente de negócios mais estável. Isso é especialmente valorizado por investidores estrangeiros, que veem na arbitragem forma confiável de lidar com disputas complexas em países com sistemas jurídicos que, muitas vezes, lhes são totalmente desconhecidos. Esse cenário gera maior confiança no mercado brasileiro, estimula o investimento e, consequentemente, impulsiona o desenvolvimento econômico.
O avanço da arbitragem fortalece tanto o sistema jurídico quanto o ambiente econômico: ao aliviar a carga do sistema judicial, permite que o Poder Judiciário possa concentrar sua energia na resolução de demandas socialmente mais sensíveis e de relevância coletiva e, em paralelo, pelo fato de o ecossistema arbitral – formado por árbitros, advogados, assistentes técnicos, peritos e câmaras arbitrais – gerar empregos e contribuir para o aquecimento da economia nacional.
Por fim, investir em tecnologias adequadas, na melhoria da gestão do Poder Judiciário e nas soluções alternativas de conflitos são os passos mais acertados no caminho para tornar a Justiça apta a lidar com o contexto da atual revolução digital, que faz emergir novos atores e diferentes conflitos entre estes e outros protagonistas econômicos, muitos dos quais já presentes em nosso dia a dia, outros certamente a caminho, e todos a demandar soluções técnicas e especializadas. Não sabemos ainda tudo o que acontecerá neste mundo novo, mas como escreveu Shakespeare em “Henrique VIII”, “existe uma providência especial até na queda de um pássaro. Se é agora, não vai ser depois; se não for depois, será agora; se não for agora, será a qualquer hora. Estar preparado é tudo.”
A adoção da arbitragem é uma forma de possibilitar que o Poder Judiciário esteja ainda mais atento às rápidas mudanças pelas quais passam a sociedade e a economia, e seja, enfim, capaz de atuar em conformidade com os princípios constitucionais da duração razoável do processo e da eficiência da Administração Pública. Em última análise, a arbitragem e as demais ADRs promovem não apenas justiça, mas o desenvolvimento econômico e social sustentável, conforme os princípios de ESG e da AED.
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