Edição 238
A contribuição da investigação pericial para a Justiça
8 de junho de 2020
Levi Costa Diretor regional da APCF no Rio de Janeiro
Marcos Camargo Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)
O exame do corpo de delito e a investigação pericial do local de crime são importantes instrumentos para a busca da verdade dos fatos, independentemente dos interesses das partes. Por esse motivo, tais elementos auxiliam os magistrados a tomarem decisões sólidas. A atividade da perícia criminal tem, assim, o condão de dar as bases para o processo penal com elementos objetivos e robustez científica.
Algumas iniciativas, no entanto, têm buscado flexibilizar e relativizar a prova pericial, gerando grave risco ao sistema penal e à própria ordem Constitucional. É o que acontece, por exemplo, com a redação atual do projeto de reforma do Código de Processo Penal (CPP), que pretende excluir da lei a obrigatoriedade de realização de perícia oficial nos crimes ou possíveis crimes que deixem vestígios, que, para fins de exame pericial, são todos os objetos ou materiais brutos, visíveis ou latentes, constatados ou recolhidos, que se relacionam à infração ou possível infração.
Isso não só comprometerá a adequada compreensão do fato criminoso na fase pré-processual, como prejudicará sobremaneira todo o processo penal, ampliando o risco de haver condenações de inocentes e absolvição de culpados, que são situações incompatíveis com o Estado de Direito.
O CPP atual estabelece a instituição de uma cadeia de custódia a partir do uso de métodos científicos capazes de resguardar a integridade dos vestígios coletados. Se tal disposição não é obedecida, não é possível garantir a qualidade dos elementos que são objeto de perícia. Nem mesmo o exame posterior de materiais apreendidos no cumprimento de diligências de buscas e apreensões talvez seja capaz de suprir a falta do exame pericial no local de crime, em especial quando há prisão em flagrante.
O CPP também estabelece a responsabilidade dos agentes públicos em preservar o local do crime, sede onde se assentaram os vestígios, independente de sua natureza ou de outros elementos circunstanciais, para que não se alterem o estado e a conservação dos elementos até a chegada dos peritos criminais. São eles, os peritos criminais, que deverão procurar, identificar e analisar os vestígios, estabelecer a cadeia de custódia, examinar a cena e o contexto, avaliar o estado das coisas, obter informações de testemunhas e estudar os instrumentos empregados para a prática da infração. O propósito disso tudo é buscar acesso ao quadro mais preservado possível e conferir eficiência ao trabalho.
A resolução de crimes de exploração sexual de crianças e adolescentes, cujos vestígios digitais podem ser facilmente perdidos se manipulados inadvertidamente, é exemplo inequívoco da necessidade da preservação da cena do crime até a chegada dos peritos criminais responsáveis pela perícia de local e, sobretudo, da identificação do corpo de delito. O descumprimento da preservação e a consequente falta de processamento do local de crime, bem como a inadequada identificação do corpo de delito, traz risco à produção da prova, podendo vir a ser enquadrado como crime de abuso de autoridade e, também, resultar na nulidade processual.
Tais atividades não requerem somente um conhecimento especializado, mas também necessitam ser realizadas pelo profissional que possua esta atribuição concedida pelo legislador – neste caso, quem cumpre esse papel é o perito oficial, que é sujeito ao crime de falsa perícia e sobre quem recaem as mesmas suspeições dos juízes. Essa atribuição não foi confiada a outros profissionais, sejam eles componentes das polícias ou de outros órgãos, cujos documentos, se produzidos, possuem caráter meramente opinativo e não se prestam a comprovar os fatos em discussão.
Esse rigor se justifica pela firme preocupação do legislador com o risco de condenar equivocadamente o inocente, expresso pelo princípio constitucional da presunção de inocência, razão pela qual o CPP prevê a nulidade processual nos casos em que a infração deixou vestígio e o corpo de delito não foi devidamente examinado pelos peritos oficiais.
O direito à prova, ademais, é um direito fundamental, assegurado constitucionalmente. E a realização de perícia concretiza, assim, o princípio da legalidade. Uma vez que a lei estabelece ser a prova pericial uma garantia do acusado, não pode o condutor do inquérito substituí-la por outro meio de prova.
É preciso, assim, cumprir as determinações previstas no CPP, encontrando na polícia científica e nos peritos oficiais os legítimos e preparados profissionais capazes de oferecerem as respostas tão desejadas e necessárias à resolução dos crimes e ao julgamento justo do processo penal.
A busca essencial da promoção de uma apuração penal célere, eficiente e eficaz não deve, em momento algum, permitir a relativização da produção da prova pericial ou dos direitos individuais e da legalidade da investigação criminal. O melhor caminho é o adequado emprego da atividade de polícia científica pelo Estado mediante investimento apropriado e aperfeiçoamento da legislação vigente. Esse aperfeiçoamento evitará qualquer relaxamento quanto à indispensabilidade do exame de corpo de delito, essencial para a busca da verdade real dos fatos. O resultado será o aumento da elucidação de crimes e redução da impunidade, além da garantia de um julgamento justo.